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Com mundo mais quente, aumenta o impacto das mudanças climáticas na saúde

Ondas de calor e aumento de eventos extremos, como chuvas intensas e secas severas, favorecem transmissão de doenças e reduzem disponibilidade de alimentos

Por Lucas Rocha
Atualizado em 3 ago 2023, 09h46 - Publicado em 3 ago 2023, 09h22

Em julho, o planeta atingiu as temperaturas médias mais quentes já registradas. Recordes de calor foram quebrados dia após dia, associados a eventos extremos no hemisfério Norte, com mortes de pessoas devido ao calor.

Para especialistas, os dados dos Estados Unidos e da Europa são motivo de alerta à saúde global.

As mudanças climáticas costumam ser compreendidas como algo que acontecerá no futuro, mas vários impactos delas na saúde já são sentidos hoje pela população.

No ano passado, mais de 61 mil pessoas morreram na Europa devido às altas temperaturas. Os dados são de um estudo publicado na revista Nature.

Além de estar ligado a mais problemas de pele, exaustão e ao descontrole de problemas cardiovasculares, o calor favorece a transmissão de doenças por meio de vetores como os mosquitos.

+ Leia também: Como o calor excessivo mexe com a nossa saúde

“A crise de saúde associada à crise climática está aqui. É agora. Por exemplo, a dengue está se movendo para o Sul nas Américas, causando doenças em uma faixa mais extensa. Além disso, estamos vendo casos de malária sendo relatados no Sul dos Estados Unidos”, afirmou o diretor-executivo do Programa de Emergências da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mike Ryan, à imprensa.

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Ryan destacou que mudanças climáticas poderão alterar a distribuição de vírus e vetores pelo mundo. Nesse contexto, mais pessoas suscetíveis estarão expostas às infecções.

“É o clima interagindo com a densidade da população, a pobreza e a falta de serviços. Há cada vez mais oportunidades para que esses vetores prosperem, e não estamos fazendo o suficiente para proteger nossas comunidades disso”, disse Ryan.

Em julho, a OMS alertou que a combinação de aquecimento global com chuvas e períodos mais longos de seca pode levar a um número recorde de dengue no planeta. E isso já está acontecendo.

Os casos da doença cresceram 8 vezes em 2022 em comparação com 2000. O número de infecções saltou de meio milhão para 4,2 milhões no ano passado.

A América Latina apresenta a maior incidência, concentrada principalmente no Brasil, Peru e Bolívia. De janeiro a julho de 2023, foram reportados 2,3 milhões de casos (entre suspeitos e confirmados) e 769 mortes no Brasil.

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Lembrando que, no ano passado, o país já havia batido o recorde histórico de mortes pela doença, com cerca de mil óbitos.

Por aqui, há uma mudança de padrão da dengue, com mais casos no Sul do país e em outras regiões onde antes o mosquito não chegava tanto, como Minas Gerais.

Não à toa, o período é visto como propício para o aparecimento de novas pandemias, e até a própria Covid-19 pode ter alguma relação com isso. Com a degradação ambiental, aumentam as chances de que um patógeno selvagem, como era o Sars-Cov-2, chegue aos humanos.

Outro exemplo é o superfungo Candida auris, que pode ser o primeiro fungo emergindo do aquecimento global causado pelo homem.

Desigualdade social e mudanças climáticas

Os riscos à saúde relacionados ao clima são sentidos desproporcionalmente pelos mais vulneráveis, incluindo crianças, minorias étnicas, comunidades pobres, migrantes e refugiados, idosos e pessoas com doenças crônicas.

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No contexto populacional, a definição de determinantes da saúde considera as condições sociais e econômicas nas quais as pessoas vivem e trabalham, bem como seus impactos.

A OMS destaca que a mudança no clima afeta diretamente esse cenário, influenciando na disponibilidade de recursos como ar puro, água potável, alimentos e abrigo.

Entre 2030 e 2050, esses impactos poderão levar à morte 250 mil pessoas, por causas como desnutrição, estresse térmico e doenças como malária e a diarreia, de acordo com a OMS.

Alterações nos regimes de chuva e de seca afetam ainda a produção e a disponibilidade de alimentos, ampliando problemas como a fome e a desnutrição.

+ Leia também: Calor: os cuidados para aliviar inchaço, peso e varizes nas pernas

Impactos psicológicos

O pesquisador Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), afirma que a tendência é de que eventos extremos, como ondas de calor, tempestades e inundações e interrupção dos sistemas alimentares, se tornem cada vez mais frequentes.

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Diante desses fenômenos, são colocados em risco determinantes sociais para uma boa saúde, como meios de subsistência, igualdade e acesso a cuidados e estruturas de apoio social.

O professor da USP cita o caso do rompimento da barragem da mineradora Vale, em Brumadinho, Minas Gerais, que deixou ao menos 270 mortos em 2019.

O desastre levou ao deslocamento de várias famílias que viviam na região. “Brumadinho não foi um desastre natural, mas o contexto é um exemplo pois havia ali uma comunidade em que as pessoas tinham relações afetivas e sociais ao longo de gerações com a terra. Vem uma onda de lama que leva embora a casa, as plantações, os animais e torna o solo infértil”, afirma Saldiva.

“Houve aumento de abuso de álcool e drogas, além de crescimento da violência doméstica, ou seja: o indivíduo perde o seu papel social”, pontua.

Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre a saúde da população afetada em Brumadinho revelou uma prevalência de 22% de depressão entre adultos. Na população brasileira em geral, a taxa flutua ao redor de 10%.

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Ansiedade e problemas do sono foram reportados por 33% dos entrevistados acima de 18 anos. Entre adolescentes, 10% relataram diagnóstico de depressão e 20% de ansiedade.

Para além dos afetados por eventos extremos, existe ainda o recém-cunhado conceito de ecoansiedade, que afeta a população em geral. Ele é definido pela American Psychological Association como o impacto na saúde mental e o estresse gerado pela preocupação com as mudanças climáticas.

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Mudanças climáticas afetam a saúde de várias maneiras, inclusive levando ao desenvolvimento de doenças (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil/Divulgação)

Crianças são especialmente vulneráveis

As mudanças climáticas têm um impacto ainda mais significativo para as crianças. O alerta é da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, em inglês), que divulgou um novo relatório sobre o tema.

O documento quantifica os efeitos projetados associados ao calor extremo, qualidade do ar, mudança de estações, inundações e doenças infecciosas.

De acordo com a EPA, elas são especialmente vulneráveis devido a uma variedade de fatores físicos, cognitivos, comportamentais e sociais. E essas consequências podem ser sentidas ao longo da vida na aprendizagem, saúde física e outras complicações.

O relatório estima, por exemplo, que só o aquecimento de 2 a 4°C poderá levar a uma alta na incidência de asma em crianças. As alterações na qualidade do ar, por sua vez, poderão aumentar os casos anuais em até 11% nos EUA.

O calor vivido na escola também afeta a concentração e o aprendizado. Prevê-se que os aumentos de temperatura resultem em reduções de 4% a 7% no desempenho acadêmico anual da criança.

Sem ações de combate às alterações do clima, calcula-se que entre 1 milhão e 2 milhões ou mais de crianças sofrerão deslocamento temporário ou perda total de casa, devido a inundações costeiras.

Embora os dados descrevam danos para a população infantil norte-americana, os indicadores servem de alerta para a situação nos demais países.

Poluição do ar atinge praticamente a todos

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Quase toda a população global respira ar fora dos limites de qualidade definidos pela OMS (Foto: Jerry Zhang/Unsplash/Divulgação)

Quase toda a população global respira ar fora dos limites de qualidade definidos pela OMS. O problema afeta 99% das pessoas, de acordo com um relatório da instituição, elaborado com dados de mais de 6 mil cidades em 117 países.

O levantamento aponta que os indivíduos respiram níveis insalubres de material particulado e de dióxido de nitrogênio. Os dois poluentes são formados a partir da queima de combustíveis fósseis, como a gasolina, e são nocivos à saúde.

O material particulado consegue alcançar camadas profundas dos pulmões e entrar na corrente sanguínea. Entre os riscos, estão problemas cardíacos, neurológicos e respiratórios.

Já o dióxido de nitrogênio pode provocar doenças respiratórias, como a asma, além de sintomas como tosse, chiado e dificuldade para respirar, aumentando o número de hospitalizações.

A exposição à poluição do ar causa a morte de 7 milhões de indivíduos todos os anos no mundo, e está relacionada à redução do tempo de vida de pessoas saudáveis, de acordo com a OMS.

As causas mais comuns de óbitos entre adultos são o acidente vascular cerebral (AVC) e doenças cardiovasculares. Entre crianças, há uma diminuição do crescimento e da função pulmonar, além de infecções respiratórias e asma grave.

A pesquisadora Lígia Bahia, professora associada da UFRJ, avalia que são necessárias políticas públicas mais efetivas para o combate à poluição do ar.

“Ainda não temos uma agenda de despoluição do ar e das águas que seja sistemática, com metas e total transparência. Há iniciativas que ficam pelo caminho, como a construção de ciclovias ou o incentivo ao uso do transporte público”, afirma.

+ Leia também: Ciclismo na rua: benefícios superam efeitos indesejáveis da poluição

Com o objetivo de reverter esse cenário, a OMS lançou diretrizes globais sobre o tema em 2021. Uma das medidas preconizadas pela entidade foi o endurecimento quanto à emissão da forma mais fina de material particulado, chamada PM 2.5.

A recomendação passou a considerar como tolerado o índice de 5 microgramas por metro cúbico, metade do valor anterior. Para se ter ideia, a cidade de São Paulo não alcança tal valor pelo menos desde os anos 2000. De acordo com a Cetesb, que monitora esse indicador, em 2022 a média na capital paulista ficou em 14,47 mcg/m³.

Ao destacar a importância da transição para sistemas de energia mais limpos e sustentáveis, a OMS recomendou aos países a revisão de padrões nacionais de qualidade do ar, com foco na identificação de fontes de poluição e na construção de redes de transporte público mais amplas e acessíveis.

O que significa na prática o recorde de temperatura média global?

O dia 6 de julho de 2023 atingiu a marca de 17,23°C, superando os dias 4 e 3, que também haviam batido recordes de alta. Até o mês passado, as temperaturas médias mais altas do planeta tinham sido registradas em agosto de 2016, quando foram observados 16,92°C.

“Normalmente, a temperatura média do planeta era em torno de 15°C. Esse aumento é um resultado do efeito estufa”, afirma o pesquisador Gustavo Macedo de Mello Baptista, professor da Universidade de Brasília (UnB).

O fenômeno natural retém parte do calor do planeta e é essencial para a manutenção da temperatura e da vida na Terra. No entanto, a queima de combustíveis fósseis contribui para a emissão de gases que exacerbam esse efeito e levam ao aquecimento acima do esperado.

Entre os gases associados ao problema estão o dióxido de carbono e o metano, que são produzidos de diversas formas, como na geração de energia, nos processos industriais e na agropecuária, por exemplo.

A emissão também ocorre no transporte, devido à queima de combustíveis pelos automóveis, ou no desmatamento de matas e florestas. O lixo produzido pela ação humana também tem impacto significativo sobre o fenômeno, principalmente por causa da emissão de metano durante a decomposição em aterros sanitários.

“Entender essa média e essas oscilações é fundamental para poder determinar os impactos sobre a população humana”, afirma Baptista.

Além das ondas de calor no Hemisfério Norte, cientistas da Organização Meteorológica Mundial (OMM) detectaram indícios do retorno do El Niño neste ano.

O fenômeno atmosférico provoca o aquecimento fora do normal das águas do Oceano Pacífico, que banha a costa de países da América Latina, na parte equatorial. A sua formação é capaz de influenciar o clima, aumentando as temperaturas e causando instabilidade, como chuvas intensas e secas severas.

No Chile, as temperaturas atingiram 38 graus em pleno inverno. Na Argentina, a temperatura, que fica na média de 14 graus nessa época do ano, chegou a 30 graus no início de agosto.

“Ainda não temos um período de El Niño estabelecido, isso ainda está sendo observado, mas chama atenção esse aumento de temperatura. Vemos, por exemplo, essas ondas de calor no Norte do planeta, na Europa, principalmente, e nos Estados Unidos, o que gera normalmente muito problema, principalmente para a população mais idosa”, diz Baptista.

Os oceanos também registraram aumento atípico de temperatura, que pode levar a consequências no abastecimento de comida, na intensidade das tempestades e no nível do mar.

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