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O que é o fungo “Candida auris” e que doença ele causa?

Por trás de surtos em Pernambuco e em outros estados, o micro-organismo provoca sintomas variados e é resistente aos tratamentos antifúngicos existentes

Por Larissa Beani
13 jun 2023, 12h59
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Ilustração médica do Candida auris, superfungo resistente a tratamentos existentes (Ilustradora médica: Stephanie Rossow/SAÚDE é Vital)
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Descoberto em 2009 no Japão, o fungo Candida auris é um patógeno emergente que já foi detectado em mais de 30 países ao redor do mundo, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. 

No Brasil, o primeiro caso de Candida auris foi diagnosticado em dezembro de 2020, em um paciente internado em um hospital na Bahia. Desde então, o fungo já causou surtos em unidades de terapia intensiva (UTI) no estado de Pernambuco e, mais recentemente, foi detectado em São Paulo.

Por ser resistente aos tratamentos antifúngicos existentes hoje, ele é chamado de “superfungo”. Em um relatório de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lista o patógeno como um dos principais fungos que ameaçam a saúde global.

O C. auris é considerado um microrganismo nosocomial, ou seja, que é encontrado em ambientes hospitalares. Ele infecta primordialmente pacientes internados por longos períodos, cuja saúde já está debilitada.

A seguir, conheça as principais características deste micro-organismo e entenda o que ele pode causar à saúde humana, como é diagnosticado e quem está em maior risco.

Uma cândida resistente

Como recorda o infectologista pernambucano Filipe Prohaska, do Complexo Hospitalar da Universidade de Pernambuco (UPE), fungos do gênero Candida estão presentes em todo o nosso corpo. 

“Hoje, há mais de 50 espécies de Candida catalogadas, e muitas convivem com o ser humano em órgãos como a pele e o intestino — tanto de modo benéfico como causando infecções”, afirma Prohaska, que também é membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

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É o caso, por exemplo, do Candida albicans, que provoca candidíase genital em mulheres e homens, e sapinho nas crianças. “O problema é que o Candida auris tem uma capacidade de se adaptar ao ambiente totalmente diferente dos demais”, explica o médico. E isso inclui uma habilidade de resistir aos tratamentos existentes.

+ Leia também: Como a pandemia pode ter ajudado a criar bactérias superresistentes

Segundo o relatório da OMS, o superfungo apresenta diferentes taxas de resistência às três principais classes de fungicidas: baixa contra equinocandinas (de 0% a 8%), moderada contra anfotericina B (de 8% a 35%) e alta contra fluconazol (de 87% a 100%).

Estudos in vitro e in vivo ainda são necessários para “otimizar os regimes de tratamento atuais contra C. auris”, conforme conclui o documento.

Por outro lado, os cientistas têm conseguido avançar na compreensão do porquê este fungo tem conseguido criar resistência. 

“Foi demonstrado por vários estudos científicos que o C. auris, ao ser exposto aos antifúngicos, rapidamente adquire algumas alterações genômicas que garantem essa resistência”, escrevem a biomédica Rosely Maria Zancopé Oliveira e o microbiologista Rodrigo de Almeida Paes, ambos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), em entrevista por e-mail à Veja Saúde.

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+ Leia também: A ameaça dos fungos: quais as doenças causadas por eles?

Cheio de truques

Além disso, o C. auris sobrevive a temperaturas de 37ºC a 42ºC, o que o diferencia também de outras espécies de Candida, que não suportam mais do que 37ºC. 

“Acredita-se que essa tolerância térmica esteja relacionada às mudanças climáticas”, afirmam os especialistas da INI/Fiocruz. “Esse patógeno pode ser o primeiro exemplo de um fungo emergindo do aquecimento global induzido pelo homem.”

Outra característica que torna o C. auris mais resistente é a sua habilidade de criar biofilmes em diferentes materiais. Isso quer dizer que este superfungo forma películas de contato com organismos e ambientes distintos, aderindo a superfícies que vão desde objetos hospitalares até o corpo humano.

Transmissão e mortalidade

O mais comum é que o paciente contraia o fungo pelo contato com objetos contaminados. Uma vez que isso ocorra, o microrganismo pode viver na pele e em alguns órgãos do corpo humano sem causar prejuízos. Nessa fase, o paciente está colonizado, mas não infectado.

O perigo mesmo está no C. auris entrar na corrente sanguínea. Caso o fungo chegue ao sangue, ele pode se espalhar para outros órgãos e causar uma candidíase invasiva, ou seja, uma infecção generalizada que pode levar o paciente à morte. As taxas de mortalidade desse quadro variam de 29% a 53%, segundo a OMS.

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+ Leia mais: Septicemia: o que é, as causas e os sintomas

Fatores de risco

Por ser um superfungo encontrado em ambientes hospitalares, as pessoas que correm mais risco de entrar em contato com o C. auris são aquelas que estão internadas por longos períodos.

Os pesquisadores do INI/Fiocruz Rosely Oliveira e Rodrigo Paes citam como fatores de risco:

  • Idade avançada
  • Diabetes mellitus
  • Cirurgia recente
  • Presença de dispositivo médico permanente (por exemplo, cateter venoso central)
  • Imunossupressão
  • Uso de hemodiálise
  • Neutropenia
  • Doença renal crônica
  • Uso de antibiótico de amplo espectro e/ou antifúngicos

O infectologista Filipe Prohaska ressalta que os pacientes em UTI que utilizam dispositivos como os cateteres precisam de cuidados redobrados, pois esses instrumentos podem facilitar a entrada do fungo na corrente sanguínea.

“É importante isolar o paciente, deixá-lo em quarto privativo, reforçar as medidas de precaução padrão e, quando possível, retirar o cateter e minimizar a invasibilidade dessa pessoa”, explica o médico pernambucano.

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Sintomas do Candida auris 

A contaminação por Candida auris não possui sintomas específicos. Quadros de colonização podem ser assintomáticos e os de infecção são marcados por febre e calafrios que não melhoram mesmo após tratamento com antibióticos e ausência de infecções bacterianas, como caracteriza o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC).

Em caso de sepse, os pacientes apresentam sinais característicos de uma infecção generalizada, como febre alta, dificuldade para respirar, alterações no ritmo e na pressão cardíaca, confusão, entre outros.

O fato da maioria dos pacientes atingidos pelo fungo se encontrarem doentes também dificulta o diagnóstico — que por si só já é bem complexo.

+ Leia também: Febre: o que é, causas, tratamentos e quando se preocupar

Diagnóstico

Segundo a Anvisa, é necessário realizar exames microbiológicos a partir de amostras coletadas da região axilar ou inguinal da pele do paciente. 

Caso indícios do fungo sejam encontrados nesta etapa, é feito um sequenciamento genético ou uma análise da distribuição e abundância das proteínas encontradas nos testes. Somente então é possível confirmar ou não a presença de Candida auris.

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Hospitais com casos suspeitos que não possuem a tecnologia necessária para fazer as análises devem procurar laboratórios de referência para realizar o diagnóstico.

Tanto casos suspeitos quanto confirmados devem ser notificados à Anvisa. Esse procedimento é essencial para combater a disseminação do microrganismo.

+ Leia também: Genética: o desafio de tornar testes e outras ferramentas mais acessíveis

Prevenção

Nos hospitais, a precaução padrão em relação às infecções hospitalares é a principal forma de barrar o C. auris. “É importante higienizar as mãos, usar equipamentos de proteção individual (EPIs) e descartar e manejar materiais hospitalares corretamente”, resume Prohaska.

Também pode ser preciso alterar procedimentos de desinfecção. “Para garantir a inativação segura de C. auris, deve-se usar desinfetante à base de ácido peracético em vez de compostos de amônio quaternário com ou sem álcool”, explicam Rosely Oliveira e Rodrigo Paes.

Rastrear contatos próximos e manter uma vigilância de longo prazo nos hospitais onde houver casos também são ações necessárias.

Candida auris no Brasil

Detectado pela primeira vez no país em 2020, o superfungo tem provocado surtos em hospitais da Bahia, de Pernambuco e de São Paulo, que confirmou seu primeiro caso na última quinta-feira (7).

O paciente paulista é um bebê prematuro que está internado no Hospital da Mulher Prof. Dr. J. A. Pinotti, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O paciente está sendo acompanhado pela equipe médica da unidade, com boa evolução clínica”, afirma a Secretaria de Estado da Saúde (SES), em comunicado.

Todas as medidas de contenção da disseminação estão sendo adotadas, com ampla investigação em relação aos profissionais e pacientes do hospital. Até o momento, nenhum profissional ou paciente foi diagnosticado com o agente patológico.”

A notícia reforça que microrganismo não está restrito a uma só região, e deve estar em outros estados. “O que pode estar acontecendo em outros locais é uma falha na identificação, uma vez que esta espécie de fungo é de difícil diagnóstico. É totalmente possível que ela ainda vá emergir em outros locais do Brasil”, concluem os especialistas do INI/Fiocruz.

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