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Em busca de ar: como (e por que) respirar melhor

Da Covid-19 à rinite... A lista de ameaças ao sistema respiratório é longa. Sorte que podemos lidar melhor com elas e dar uma bela oxigenada na saúde.

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 25 nov 2021, 19h53 - Publicado em 21 Maio 2021, 13h59

Comer, exercitar-se, cuidar da cabeça e do corpo… Nada disso importa a menos que a gente respire direito, o que a maioria dos seres humanos não faz. A afirmação categórica vem do livro Respire: A Nova Ciência de uma Arte Perdida, um dos títulos de não ficção mais populares dos últimos tempos.

Recém-publicada no Brasil pela Editora Intrínseca, a obra é resultado de uma saga de dez anos do jornalista James Nestor por laboratórios, catacumbas, avenidas engarrafadas, museus e consultórios de médicos e dentistas. Uma missão para comprovar, à luz da biologia moderna, o que sábios ao redor do mundo defendem há milênios, dos iogues aos xamãs: o ato de treinar e aperfeiçoar a respiração pode mudar nossa vida, prevenir doenças e reprogramar a mente.

Parece básico e binário. Ou você respira ou não — e, nesse segundo caso, morre. Só que não é bem assim. Aprendizados ancestrais agora ganham explicações científicas. Exercícios que cadenciam o ritmo respiratório podem ter efeitos significativos na melhora do estado de saúde e no controle de alguns males.

Por outro lado, probleminhas, como um nariz que vive entupido ou o ronco que interrompe o silêncio da noite, passam batido até que estourem na forma de doenças crônicas ou piripaques. Nosso próprio estilo de vida agitado leva a inspirações rápidas, mais superficiais e menos eficientes. “O jeito que respiramos diz muito sobre a saúde”, resume o fisioterapeuta Celso Carvalho, da Universidade de São Paulo (USP), que vê na prática os efeitos da escassez de ar atendendo vítimas de Covid-19 no Hospital das Clínicas paulistano.

Em público, Carvalho fecha os olhos para reparar melhor em como as pessoas andam enchendo os pulmões — e não fica feliz com o que ouve. São muitos obstáculos diferentes, com suas próprias soluções. Algumas simples, como lavar diariamente o nariz. Outras que envolvem cirurgia, e até por isso são empurradas com a barriga, às custas de anos de sofrimento.

É simbólico o fato de o livro de Nestor fazer tanto sucesso justamente numa época em que centenas de milhões de aparelhos respiratórios são atacados por um inimigo microscópico que, mesmo quando vai embora, pode deixar sequelas. Mas, em meio a tantas notícias ruins, o que a nova obra instiga é o resgate de um dos poucos hábitos gratuitos capazes de melhorar a qualidade de vida. Respire fundo, feche a boca, abra as narinas e se inspire nessa fascinante aventura dentro e fora dos pulmões.

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O nariz

Ilustração mostrando como o nariz funciona
(Fotos: Tomás Arthuzzi/ Ilustrações: Daniel Almeida/SAÚDE é Vital)

Os anos como goleiro de futsal na adolescência custaram caro ao jornalista e professor universitário Fernando Pereira, hoje com 61 anos. Em especial ao nariz dele. De tantas boladas no rosto, seu septo, estrutura que divide as narinas, que já era torto, foi desviado de vez e bloqueou a passagem de ar de um dos lados.

Com a obstrução, o muco produzido por lá e nos seios da face (conjunto de cavernas internas dentro do rosto) passou a se acumular e virar o estopim para doloridas crises de sinusite. Pereira passou 30 anos entre antibióticos, noites maldormidas e resfriados torturantes. Já na casa dos 50, um episódio bravo de sinusite o levou ao otorrinolaringologista, que mais uma vez sugeriu a cirurgia para corrigir o septo. Ele relutava com a ideia, influenciado pelos relatos negativos de amigos, que não só não melhoraram como guardavam traumas do pós-operatório.

Mas foi convencido. Junto com o endireitamento do septo, raspou um pouco do osso dos seios nasais para diminuir a espessura e, assim, abrir a passagem para o muco. “Uma semana e meia depois, retirei o curativo e saí do consultório um novo homem. Quase não ronco mais, durmo bem, não tenho dores de cabeça e a sinusite se transformou em uma rinite leve, que só ataca de vez em quando”, conta o professor. “Sinceramente, minha esposa diz que eu até beijo melhor”, revela.

Pereira é uma das provas vivas da importância do nariz para a saúde como um todo. “Parece banal, mas ele é um dos principais pilares do bem-estar”, sentencia o otorrinolaringologista Jayakar Nayak, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos.

Primeiro, por ser o canal perfeito para a entrada de oxigênio. “O nariz é formado por várias estruturas por onde o ar circula para ser aquecido a 37 graus, umidificado e pressurizado”, explica o otorrinolaringologista Richard Voegels, da USP. Quando o gás da vida chega aos pulmões assim, a respiração é mais eficiente. “E o resultado é uma oxigenação melhor do sangue”, apontaVoegels.

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Sem contar o olfato, um capítulo à parte. A cada inspiração, trilhões de moléculas se grudam na mucosa nasal e são carregadas até as células nervosas no topo do nariz, enviando sinais ao cérebro para nos despertar prazer ou medo.

É uma comunicação complexa, que nos ajuda a sobreviver, ativa diversos circuitos cerebrais e ainda está sendo desvendada pela ciência. Até 95% do nosso paladar vem desse processo. Estão aí dois sentidos que valorizamos mais só quando perdemos, como muitos recuperados da Covid-19 podem atestar.

As mensagens em forma de moléculas são transportadas pelos 2 litros de muco produzidos diariamente. Como uma esteira, a secreção viscosa circula para cima e para baixo, capta partículas e neutraliza boa parte das ameaças ali mesmo, recrutando agentes de defesa. Essa barreira é tão sensível e rápida que, às vezes, funciona demais.

“Algumas pessoas têm sensibilidade a substâncias e produzem uma resposta imune excessiva, que recruta muitas células de combate e inflama o tecido”, destrincha Nayak. O resultado é o espessamento do muco, o inchaço local e uma irritação típica: a famosa rinite, que acomete até 30% dos adultos e é desencadeada por pólen, poeira, caspa de animais de estimação… E mais frequente em algumas épocas do ano (alô, outono-inverno!).

Conviver com a rinite parece uma sentença, mas ela pode (e deve) ser controlada. O jeito mais simples de fazer isso é com a lavagem nasal diária, com alto fluxo de solução salina. “Depois das primeiras vezes, a secreção começa a sair mais escura, sinal de que você está limpando o nariz e os seios da face, que também podem estar obstruídos”, ensina o médico americano.

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Aliás, é importante separar rinite de rinossinusite, quando o problema envolve também cavidades mais profundas, exigindo outros tratamentos. Corticoides ajudam, mas precisam ser usados sob supervisão médica.

Já os descongestionantes pedem cautela. “Alguns carregam substâncias vasoconstritoras que impedem a chegada de sangue ao nariz, reduzindo a inflamação, mas há um efeito rebote e o risco de dependência”, avisa Voegels. Se o inchaço inflamatório for resolvido e, ainda assim, a pessoa tiver dificuldade para respirar, talvez seja o momento de considerar uma cirurgia.

Além do septo e dos seios nasais, outras estruturas, como os cornetos, são escaváveis e reduzíveis. Mas a operação deve ser feita com cuidado e respeito às formas originais, depois de investigações minuciosas sobre as causas da congestão. Do contrário, a via pode voltar a entupir. O alerta para os cuidados na hora de desobstruir o caminho é feito por Nayak, um dos principais estudiosos da síndrome do nariz vazio.

Nesse quadro ainda misterioso, o indivíduo ganha tanto espaço que sua respiração acaba piorando. Há décadas, o otorrino se dedica a estudar maneiras de salvar narizes e lamenta a falta de atenção da ciência para com eles, — bem como a carência de padronização em procedimentos ali. “Estamos uns 30 anos atrás em relação às pesquisas sobre audição”, compara.

A respiração bucal

Foto de bexiga com desenhos ilustrando como funciona a respiração bucal
(Fotos: Tomás Arthuzzi/Ilustrações: Daniel Almeida/SAÚDE é Vital)

Quando o ar não passa direito pelo nariz, precisa entrar pela boca, que deveria ser apenas uma estrada auxiliar. Para entender o que acontece quando ela se torna a rodovia principal, James Nestor, o autor de Respire, bateu na porta de Nayak com um pedido inusitado.

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“Ele queria ficar um mês respirando só pela boca, algo tão problemático que seria antiético da minha parte topar”, relembra o médico, que conseguiu reduzir a duração do teste para dez dias. No período, Nestor começou a roncar, a pressão arterial disparou e seu estado mental ficou abalado. Era uma espécie de amostra do que ocorre com os respiradores bucais crônicos.

Tudo começa na infância. “Quando o nariz está obstruído por algum motivo, geralmente por inflamações recorrentes ou crescimento anormal da adenoide e das amígdalas, toda a estrutura da boca se adapta para que ela seja a via preferencial da respiração”, explica a otorrinolaringologista Fabiana Valera, co-coordenadora do Centro do Respirador Bucal da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

A arcada dentária se deforma, a língua muda de posição e o crescimento da face não ocorre como deveria, tornando o rosto mais alongado. O nariz atrofia. É um círculo vicioso: respiração bucal leva a mais respiração bucal. “Se a criança fica a infância toda dessa maneira, seu rosto não se desenvolve adequadamente, e, aí, a passagem pelo nariz tende a ficar mais estreita”, descreve Voegels. Quando a faixa de asfalto é apertada, qualquer entupimento bloqueia o tráfego.

O estreitamento das vias aéreas é, aliás, uma das coisas que facilitam o aparecimento de tantas encrencas, da rinite ao ronco. E tem origens evolutivas. Com a dominação do fogo, passamos a comer mais alimentos cozidos, o que permitiu o crescimento do cérebro, ao custo de um espaço restrito para boca e nariz. A mandíbula também deixou de ser estimulada — estudiosos de crânios do passado atestam que nossos maxilares estão cada vez menores e os dentes, mais tortos.

“No decorrer dos séculos, passamos a comer mais alimentos processados, que não exigem tanta mastigação, e o crescimento está diretamente ligado ao trabalho muscular”, conta o ortodontista Luiz Roberto Godolfim, de Florianópolis (SC), um dos primeiros especialistas em ortopedia funcional no país. A disciplina visa justamente melhorar a anatomia local para resolver problemas de oclusão que contribuem para o circuito da respiração bucal.

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A correção precisa ser feita principalmente por causa da apneia do sono. Ora, ao respirarmos pela boca, ficamos reféns do relaxamento que ocorre na garganta enquanto dormimos. A faringe, um espaço também apertado, fecha quando qualquer estrutura cai sobre ela, seja sua própria musculatura, seja a úvula (a campainha da boca), seja uma língua molenga.

A interrupção noturna da passagem de ar dispara sinais de alerta generalizados, o cérebro não atinge os estágios mais profundos do sono e as consequências dessa bagunça são cada vez mais compreendidas pela medicina: maior risco de infarto, AVC e demências na maturidade são alguns dos perigos já relacionados ao quadro. “Talvez seja o exemplo mais evidente de como a respiração ruim influencia a saúde”, pontua o pneumologista Geraldo Lorenzi Filho, do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo.

O perrengue e seus reflexos podem começar cedo. “Estima-se que 50% dos casos de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade sejam, na verdade, provocados por um distúrbio respiratório do sono”, relata Fabiana.

Um estudo recente, publicado no periódico Nature Communications, comparou dados da anatomia do cérebro e relatos de ronco e queixas comportamentais em mais de 10 mil crianças. “As que tinham apneia apresentavam alterações em áreas envolvidas na regulação do comportamento no lóbulo frontal, em regiões que, sabemos, são sensíveis a quedas nos níveis de oxigênio”, conta o otorrinolaringologista e líder do trabalho, Amal Isaiah, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos.

A massa cinzenta dos adultos também sofre, claro. Outra pesquisa, esta conduzida por especialistas australianos e divulgada na revista científica Sleep, constatou que a apneia propicia o acúmulo de placas beta-amiloide, aquelas que destroem neurônios e estão por trás do Alzheimer.

Idade e obesidade influenciam muito no surgimento do ronco e da apneia. Com os maus hábitos ligados ao estilo de vida pandêmico, preocupa o agravamento dessa outra epidemia, mais silenciosa — exceto para quem dorme com um roncador. “Estima-se que o problema afete entre 25 e 50 milhões de pessoas no país, o terceiro maior contingente do mundo”, diz o pneumologista Rodolfo Bacelar de Athayde, presidente da Associação Brasileira do Sono (Absono) na Paraíba.

Casos leves podem ser resolvidos com mudanças de hábito e perda de peso. Alguns exigem a desobstrução do nariz ou da boca, com cirurgia ou aparelhos que impedem o recuo da mandíbula. Outros precisam do CPAP, equipamento que normaliza o fluxo respiratório durante o sono.

O centro de tudo

ilustração da anatomia do pulmão
(Fotos: Tomás Arthuzzi/ Ilustrações: Daniel Almeida/SAÚDE é Vital)

Do nariz e da boca, passamos ao próximo destino dessa jornada, o centro de tudo em matéria de respiração: os pulmões. Como uma bexiga, ele estica e murcha a cada cinco segundos, o tempo médio do entra e sai de ar. Cada lufada percorre um emaranhado de canos, cuja distribuição se assemelha ao tronco de uma árvore, com galhos que se afunilam.

Da larga traqueia, que se bifurca nos brônquios, aos alvéolos, minúsculos sacos nas extremidades dos pulmões que entregam o oxigênio às células sanguíneas. Temos uma área equivalente a uma quadra de tênis em alvéolos.

Tudo para garantir que cada movimento seja aproveitado e as trocas gasosas aconteçam — oxigênio entra, gás carbônico sai. Quando o ar chega a esses terminais sem passar pelos ritos do nariz, a tubulação fica mais sujeita a inflamações causadas por agentes irritantes. Para quem tem asma, problema que atinge até 20% da população, isso pode ser um gatilho para as crises. A respiração bucal, por ser menos eficiente, ainda faz com que precisemos puxar mais ar e mais rápido, um padrão superficial e cansativo.

O esforço intenso é notado pelo organismo. “Somente 3% da energia corporal é gasta com a respiração, mas, quando estamos com alguma dificuldade, esse índice sobe para 20%”, calcula o fisioterapeuta Celso Carvalho.

De novo, quem teve Covid-19, em especial os internados, sabe como é essa sensação. “Além da inflamação pulmonar intensa, que atrapalha o funcionamento dos alvéolos, indivíduos com quadros moderados e graves perdem massa muscular, o que intensifica a sensação de fadiga”, conta o pneumologista Elie Fiss, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.

Quando a infecção passa, deixa uma inflamação residual e algumas cicatrizes chamadas de fibroses. Nem sempre elas aparecem, mas mesmo os acometidos pelas versões mais leves se queixam de cansaço. A resposta para isso, como Fiss explica, pode estar nos músculos, intimamente ligados à saúde pulmonar.

O que uma coisa tem a ver com a outra? Temos dois tipos de fibras musculares. As vermelhas, que consomem oxigênio, respondem pela resistência física perante o esforço. Já as brancas, que usam também a glicose, são mobilizadas em momentos que exigem força extrema por pouco tempo, como correr atrás de um ônibus.

Um maratonista, por exemplo, precisa ter mais do primeiro tipo, enquanto um Usain Bolt da vida precisa de mais do segundo. “No indivíduo saudável, o ideal é ter um equilíbrio entre os dois. Mas, com a falta de oxigenação provocada pela Covid-19, o corpo tende a consumir as reservas musculares de oxigênio, perdendo massa”, esclarece o fisioterapeuta cardiorrespiratório Fábio Rodrigues, do InCor.

A prática constante de exercícios físicos ajuda a manter o estoque de fibras vermelhas, o que melhora a resistência ao esforço e ainda facilita o envio de sangue de volta para ser renovado nos pulmões.

Parte da reabilitação cardiopulmonar, tão importante na recuperação do pós-Covid, é justamente trabalhar o fortalecimento da musculatura como um todo, bem como a rede que permeia o aparelho respiratório. Sim, estamos falando em malhar os pulmões.

O treino visa resgatar o diafragma, músculo em formato de guarda-chuva que sobe e desce a cada respiração. Nestor, em seu livro, afirma que usamos 10% dele. É mais ou menos como dirigir um possante equipado com o motor de um carro velho. “Respiramos o suficiente para viver, mas expandir nossa capacidade é útil para quando houver uma sobrecarga, por uma infecção ou esforço físico”, afirma Rodrigues.

Para portadores de doenças como asma e DPOC, os exercícios respiratórios melhoram a qualidade de vida e podem reduzir a incidência de crises. Para a população em geral, oferecem benefícios ao cérebro e ao coração. Por fim, manter-se ativo ainda evita o sobrepeso, que (adivinha!) também faz mal aos pulmões. “A obesidade leva a um estado inflamatório constante e está ligada não só ao agravamento da Covid-19 mas também à piora da asma”, nota Fiss, que elenca outras ameaças à respiração dos brasileiros.

“Não podemos nos esquecer do câncer de pulmão e da tuberculose, que ainda atacam muita gente por aqui”, destaca. O alerta não é secundário, inclusive porque os pulmões não trabalham “só” para colocar o oxigênio dentro do corpo. “Eles eliminam compostos nocivos, estão envolvidos na fabricação das plaquetas do sangue, têm função metabólica e outros papéis a desvendar”, lista o médico. Até, quem diria, o de controlar a mente.

Eixo pulmão-cérebro

Foto de bexiga com ilustração do cérebro
(Fotos: Tomás Arthuzzi/ Ilustrações: Daniel Almeida/SAÚDE é Vital)

Que atire a primeira bombinha aquele que nunca ouviu um “Respira!” quando estava estressado. Quase intuitivo, o ato é referendado pela ciência, que conhece seus poderes. Os pulmões são cobertos por células nervosas que se comunicam com o chamado sistema nervoso autônomo. Essa rede comanda tudo o que é automático no corpo: a digestão de um alimento, a velocidade das batidas do coração, o jeito que o sistema imune reage a um invasor, quanto hormônio você é capaz de produzir e a respiração.

Ela é dividida em dois ramos, que vivem em equilíbrio. O sistema simpático entra em ação em situações de emergência, quando precisamos nos defender de uma ameaça. “Os vasos se dilatam e endurecem, o coração acelera, a pressão dispara e a frequência respiratória aumenta para garantir que o corpo tenha combustível para fugir ou lutar”, explica o psiquiatra Marcelo Demarzo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Como contraponto, o sistema parassimpático é ativado, fazendo com que as artérias relaxem, caia a pressão e o cérebro seja informado de que não há mais motivo para tanto alvoroço.

Isso funciona bem na hora de fugir de um leão na floresta. O problema é que, nos dias de hoje, esse mecanismo é acionado a todo momento. “Com tantos estímulos, o tempo passado online, a espera por respostas nos aplicativos de mensagem ou nas redes sociais, fora as preocupações cotidianas, ficamos num estado de alerta e ansiedade constante”, diz o psiquiatra Antonio Egidio Nardi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

E a excitação acelera nossas inspirações. Nesse estado de hiperventilação, os níveis de gás carbônico diminuem e, para algumas pessoas, qualquer alteração brusca nessa taxa gera um alerta cerebral. Vem o medo de não respirar novamente, a sensação de já estar sufocando ou de morte iminente, mesmo sem prejuízo no aporte de oxigênio. É a crise de pânico, ou a falta de ar típica dos ansiosos.

Trata-se de uma relação tão íntima que muitas vezes não dá para saber se a pessoa é ansiosa porque respira mal ou se respira mal porque é ansiosa.

“Uma das hipóteses aventadas é que os transtornos de pânico seriam, inclusive, um defeito em um centro antissufocamento no cérebro, só que essa estrutura ainda não foi encontrada”, observa Nardi, que, em seu trabalho com portadores do distúrbio, vê de perto como essa interação se desenrola. Ele defende até a criação de um novo subtipo de transtorno do pânico, o respiratório.

A minoria das pessoas tem uma desordem psiquiátrica diagnosticada, mas já dá pra dizer que a ansiedade está virando um clássico da vida moderna, mesmo que nem sempre seja uma doença em si. A ativação frequente do sistema simpático desencadeada pela tensão diária não faz bem para a saúde — a pressão vive alta, o nível de inflamação sobe, e por aí vai.

Sorte que somos dotados de um recurso natural e capaz de interromper a cascata de efeitos negativos. “A respiração é a única parte da rede autônoma que conseguimos modular. É como se fosse uma porta de entrada para ela”, conta Lorenzi Filho. Existem evidências de que a redução no ritmo respiratório altera a produção de certos neurotransmissores, ativa estruturas cerebrais ligadas ao sistema imune e até reduz a secreção de hormônios liberados em situações de estresse, como o cortisol.

Já expirações lentas e profundas esticam o diafragma, músculo que age como o fole de uma sanfona, e expandem os pulmões, ativando células nervosas em sua superfície que se conectam com nervos do sistema parassimpático. Tanto é verdade que bastam poucas repetições para as batidas do coração e a pressão arterial diminuírem.

É um efeito pontual, verdade, mas que pode ter repercussões duradouras. “Se o estresse dos episódios de apneia levam à hipertensão, é justo pensar que os exercícios também têm efeitos benéficos no sistema cardiovascular”, raciocina o pneumo do InCor. De fato, estudos indicam que técnicas baseadas em expirações longas podem colaborar no tratamento da pressão alta.

Como o diafragma é um músculo, é questão de prática deixá-lo mais flexível e afinado — já, já ensinamos alguns exercícios. E o próprio sistema nervoso pode aprender a trabalhar melhor, mesmo no piloto automático. “Nosso cérebro é como um gramado onde abrimos trilhas. Tudo que fazemos com regularidade acaba criando novos circuitos. Se você anda muito nesse local, eles ficarão abertos. Se não, o mato volta a crescer”, compara Demarzo.

Respirar bem não resolve tudo

Em sua odisseia, James Nestor viu de tudo. Pessoas que hiperventilam de propósito para induzir um estado de alerta extremo e, assim, regular áreas cerebrais pelo mais sutil estresse cotidiano. Uma mulher que corrigiu sua escoliose com treinos respiratórios — sim, porque a postura também muda de acordo com o vai e vem dos músculos da caixa torácica. Monges tibetanos que, vestindo túnica, derretiam a neve ao seu redor com o calor gerado pela própria respiração.

É um mundo milenar, promissor, ainda incipiente nas academias e pouco explorado por médicos. Devido a essa afinidade com a espiritualidade, existe, inclusive, certo preconceito contra a ciência da respiração. E vale esclarecer que, embora os relatos milagrosos sejam muitos, os benefícios de treinos do tipo são limitados.

Não dá para pensar em tratar doenças já diagnosticadas apenas respirando. “É uma maneira de manter o corpo em equilíbrio para que questões mais leves não se transformem em problemas de saúde sérios. Se perdemos o equilíbrio, de tempos em tempos a respiração pode recuperá-lo”, escreve Nestor.

O planeta respira mal

É interessante pensar nas trocas gasosas como uma das formas mais íntimas de nos relacionarmos com o meio ambiente. Em cada puxada, absorvemos compostos de todos os tipos — só 21% do ar é oxigênio. Os outros trilhões de moléculas alimentam as células, informam sobre temperatura e umidade, despertam o apetite, excitam, fazem o estômago revirar ou nos deixam doentes.

Sim, porque no meio da sopa gasosa residem também agentes agressores. E nem estamos falando só de vírus e bactérias, mas dos poluentes suspensos na atmosfera. A inalação constante deles provoca ao menos 3,8 milhões de mortes prematuras no mundo.

Em julho de 2020, um relatório divulgado pelo Energy Policy Institute, da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, elencou a poluição como a segunda maior ameaça global à saúde, perdendo apenas para a Covid-19. Os especialistas calculam que ela roube quase dois anos de expectativa de vida da população do planeta, mais do que cigarro, álcool, falta de saneamento básico e até mesmo guerras e terrorismo.

“Claro que o risco de fumar dois maços ao dia é maior, mas temos apenas 12% de fumantes, enquanto praticamente 100% da população está exposta a algum nível de poluição”, argumenta o patologista Paulo Saldiva, do Instituto de Estudos Avançados da USP.

“Assim, hoje temos mais gente morrendo de poluição do que pelo tabagismo”, lamenta o médico, que tem feito nos últimos 12 meses um trabalho tão inspirador e corajoso quanto triste. Saldiva, que já estudou muitos pulmões atingidos pela poluição, agora avalia o estado dos tecidos de pessoas que morreram com o novo coronavírus. Tem o “duvidoso privilégio”, em suas palavras, de coordenar o grupo que mais publicou dados de autópsias de vítimas da doença no mundo.

Ele é testemunha de como essas duas ameaças conversam. “O peteleco dado pela poluição faz com que as pessoas fiquem mais vulneráveis e adoeçam com uma menor quantidade de vírus”, explica.

Entre os abalos causados pelos poluentes, além de uma inflamação invisível e constante a que o organismo fica submetido, está o maior risco de bronquite, asma, infarto, complicações na gestação e demência na terceira idade.

Como sempre, a corda arrebenta do lado mais fraco. “Quem fica mais horas exposto, como trabalhadores que se deslocam longas horas no trânsito, motoristas de táxi, ônibus ou aplicativo e pessoas que trabalham nas ruas, são quem mais apresenta lesões pulmonares provocadas por essas partículas”, conta.

Aliás, com a alta do gás, tem mais gente cozinhando com lenha, carvão e outros materiais, o que é ainda pior. As cidades brasileiras não são as mais poluídas do mundo, mas também não estão uma maravilha — segundo algumas contas, morar em São Paulo equivale a fumar dois ou três cigarros por dia.

Faltam dados unificados para cravar o tamanho do estrago da poluição atmosférica, ainda mais se olharmos para queimadas, danos aos rios e oceanos… “Não estamos falando só de material da fumaça de carros e indústrias. Agrotóxicos, metais pesados e microplásticos também acabam sendo carregados pelo ar”, adverte a pesquisadora Carolina Zilli, parceira do grupo de Saldiva que hoje estuda os efeitos da poluição sobre a saúde na Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

Ela já descobriu, por exemplo, que a radiação solar altera (para pior) a composição dos poluentes. Outro achado alarmante, publicado ano passado na revista científica Nature, foi ter encontrado elementos radioativos nos pulmões e no bulbo olfatório de paulistanos. “Em nome da saúde pública, precisamos identificar as fontes dessas partículas e investir em fontes de energia mais sustentáveis”, defende Carolina. É urgente! Afinal, muito do que nós somos depende do que respiramos por aí.

De onde vem essa falta de ar?

A dispneia, sensação de desconforto respiratório, é gerada no cérebro e nem sempre significa que há pouco oxigênio em circulação. Ela pode ocorrer também por motivos psicológicos, como uma crise de ansiedade. Em geral, a falta de ar de uma doença respiratória acontece mediante esforço, mesmo que seja pequeno; já a psicológica vem do nada e é intensa. Como, em tempos de Covid-19, pode ser difícil diferenciá-las, na dúvida procure um médico para investigar.

As máscaras mexem com o fluxo de ar?

Fake news associam o uso desses itens protetores a problemas na respiração. Embora elas de fato não sejam a coisa mais confortável do mundo, o impacto é mais psicológico do que físico. Estudos recentes mostram que, mesmo que as máscaras tragam a sensação de que a respiração não ocorre como deveria, nos pulmões as trocas gasosas seguem acontecendo. Isto é: o oxigênio entra e o gás carbônico sai numa boa. Já o coronavírus fica preso no tecido, como tem que ser.

Os exercícios respiratórios

ilustrações de bexigas humanizadas e descrição de exercícios respiratórios.
(Fotos: Tomás Arthuzzi/ Ilustrações: Daniel Almeida/SAÚDE é Vital)
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