Aumento das queixas
A artista mexicana Frida Kahlo (1907-1954) teve uma vida bastante trágica. Aos 6 anos, foi diagnosticada com poliomielite, doença infecciosa que deixou uma sequela em seu pé direito. Aos 18, voltava para casa quando o ônibus em que estava se envolveu num grave acidente com um trem. Uma das ferragens do veículo perfurou suas costas, dilacerou a pelve e exigiu uma série de cirurgias reparadoras. Por causa dessas limitações, a pintora precisou produzir muitos de seus quadros deitada na cama, utilizando um espelho no teto para ter noções de perspectiva. Mas sua história sofrida só ficou completa mesmo quando, aos 21 anos, ela conheceu o muralista Diego Rivera (1886-1957), por quem se apaixonou e com quem teve um relacionamento conflituoso, marcado por brigas e traições.
Não é exagero afirmar que, ao longo das décadas, Frida vivenciou em algum grau todos os incômodos que um ser humano é capaz de suportar. Não à toa, as aflições físicas e emocionais são tema recorrente de suas obras mais famosas. Em A Coluna Quebrada, por exemplo, ela substitui suas próprias vértebras por um pilar greco-romano com várias rachaduras, enquanto seu corpo está cheio de pregos cravados na pele. “Minha pintura traz consigo a mensagem da dor”, disse certa vez a artista.
De várias maneiras, o mundo está vivendo hoje algo que aparece com angústia e pulsação nas telas de Frida: a pandemia de Covid-19, que já causou mais de meio milhão de mortes, teve uma série de desdobramentos na rotina, na economia e na nossa relação com os outros. Fatores como trabalhar em casa, lidar com tarefas simultaneamente e parar de fazer exercícios tornaram-se comuns ao longo dos últimos meses e, claro, cobram o preço em diversas instâncias da saúde. Um primeiro sinal dessa bagunça toda pode ser sentido em músculos, tendões e articulações. É a dor, um grito do corpo de que há algo errado.
Há uma série de indicativos de que as pessoas estão experimentando mais dores em razão de todas as mudanças deflagradas pelo coronavírus. Uma primeira pista disso vem das farmácias: ainda em março de 2020, a compra de analgésicos isentos de prescrição teve um aumento de 62% no Brasil em comparação com o mesmo período do ano passado. Já em maio, foi a vez de as pomadas e os emplastros subirem 10%. Os números fazem parte dos relatórios da Iqvia, consultoria que faz a coleta de estatísticas do mercado de saúde e bem-estar.
Outra evidência desse fenômeno chega da internet: um levantamento realizado pelo Google a pedido de VEJA SAÚDE revela que nunca os brasileiros buscaram tanto por dor quanto em maio de 2020. A procura por “dor de cabeça” se elevou em 33% entre 15 de março e 20 de junho na comparação com as mesmas datas de 2019. Já “dor nas costas” passou por um crescimento de 22%. Embora não haja números precisos e oficiais, as queixas também decolaram nos contatos (presenciais ou a distância) com os médicos.
E pode reparar em seus próprios hábitos: quando você sente pontadas em alguma parte do corpo, a tendência num primeiro momento é tomar um comprimido ou jogar no Google o que aquele sintoma pode significar. Só apelamos para a ajuda especializada numa clínica ou no pronto-socorro quando o incômodo não melhora ou piora de vez. Essa tendência se fortalece ainda mais num cenário de pandemia, em que a recomendação é ficar em casa e só sair à rua para serviços essenciais e emergências.
Os próprios especialistas em tratar essas chateações sentiram falta dos pacientes a partir de março, quando a coisa começou a apertar no Brasil. “No início, a gente até brincou: será que todos os indivíduos com dores nas costas sararam de uma só vez?”, relata a anestesiologista Fabíola Peixoto Minson, coordenadora da pós-graduação em dor do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Para evitar qualquer risco de infecção, muitos preferiram empurrar o problema com a barriga e ficar sem a avaliação aprofundada de um profissional. “Várias pessoas mascararam os sintomas com os analgésicos de venda livre, mas a tendência é que agora elas busquem os serviços de saúde novamente, muitas vezes com um quadro agravado”, vislumbra a médica.
Para tornar o enredo mais complicado, a dor de cabeça ou pelo corpo também pode ser sintoma de Covid-19. Mas como diferenciá-la de algo causado pela má postura ou pelo sedentarismo? “No caso da infecção por coronavírus, o incômodo costuma vir junto de outras manifestações, como tosse e febre”, responde o ortopedista André Evaristo, do Núcleo de Medicina Avançada do Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista. Dúvida esclarecida, é hora de entender em profundidade os três fatores que mais contribuem para as alfinetadas durante a pandemia.