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Os benefícios do kefir, sob o olhar da ciência

A boa fama desse alimento está em alta. Mas o que é kefir, como fazer as versões de leite e água e quais seus méritos à saúde?

Por Thaís Manarini
Atualizado em 21 set 2018, 11h03 - Publicado em 12 set 2018, 09h58
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  • Sabe aquelas roupas e acessórios que fizeram tremendo sucesso em um passado longínquo e de repente ressurgem como se fossem a maior novidade? A história do kefir e de seus benefícios é mais ou menos assim. Chamado frequentemente de “alimento do momento”, na verdade sua trajetória remonta há milhares de anos, quando povos nômades nas montanhas do Cáucaso — que marca a fronteira entre Europa e Ásia — encontraram crostas na parede dos recipientes em que transportavam leite.

    Além disso, notaram que a bebida em si apresentava um sabor e uma consistência bastante agradáveis. “Ela ganhou o nome de kefir, termo que se origina do eslavo keif e significa bem-estar ou bem viver”, conta a farmacêutica Elisabeth Neumann, professora do departamento de microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Já os fragmentos grudados no jarro foram batizados de grãos de kefir.

    “Os caucasianos diziam que os receberam do profeta Maomé, que, por sua vez, teria sido presenteado por Alá”, descreve o nutricionista Ferlando Lima Santos, coordenador de um projeto sobre o alimento na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Após um bom tempo, esses grãos se espalharam pela Europa e pela América do Norte, locais em que produtos à base de kefir já são comercializados em escala industrial. No Brasil, a cultura chegou há pouco e ainda é caseira, mas atrai cada vez mais adeptos.

    Para iniciá-la, basta encontrar quem doe os grãos — nas redes sociais há grupos dedicados a facilitar o processo — e, aí, usá-los para fermentar bebidas. A mais tradicional é o leite, que pode ser de qualquer animal (vaca, cabra…) ou vegetal (soja). Também dá para recorrer a uma mistura de água e açúcar mascavo.

    Mas o que torna esses grãos, similares a pedacinhos de couve-flor, tão cobiçados? De acordo com o médico Dan Waitzberg, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor científico da Bioma4Me, eles são formados por uma mistura específica e complexa de bactérias e leveduras que vivem em uma associação simbiótica. Ao colocá-los dentro do leite, por exemplo, a bebida passa a ter representantes desses dois grupos de micro-organismos. É aí que está o segredo do kefir, ou seja, desse leite fermentado: ele concentra bichinhos com tendência a promover benfeitorias à saúde.

    Por isso, há quem diga que a bebida é um alimento probiótico. Mas a nomenclatura só vale se o kefir tiver pelo menos uma bactéria classificada oficialmente como probiótica. Ocorre que a composição de micro-organismos varia entre os grãos. “Aqueles adquiridos em São Paulo são diferentes dos obtidos em Minas Gerais”, exemplifica a farmacêutica Cristina Bogsan, docente da USP.

    Essa diversidade na fórmula é justamente o que não permite generalizar os achados de estudos para qualquer bebida chamada kefir. Mas a professora Elisabeth conta que, nesse momento, está trabalhando na seleção de linhagens potencialmente probióticas a partir de grãos circulantes no Brasil. Ela espera adicioná-las a culturas iniciadoras para, assim, produzir um kefir capaz de promover de fato qualquer uma das vantagens descritas pela ciência. “É um trabalho árduo, de garimpagem, mas não há outro caminho”, reflete.

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    Por que o kefir causa empolgação

    Que fique claro: há muitos efeitos positivos citados pelas pesquisas. Um dos mais clássicos é o equilíbrio da microbiota intestinal. Segundo Cristina, ele é garantido pelas bactérias ácido-láticas do kefir — e não necessariamente por micro-organismos probióticos. O professor Santos relata que, ao garantir a harmonia da região, a bebida ajuda a reduzir a ocorrência de diarreia e de prisão de ventre. Mas essa propriedade não traz benefícios apenas ao intestino.

    O farmacêutico Tadeu Uggere de Andrade, professor da Universidade Vila Velha (UVV), no Espírito Santo, descobriu que a modulação da microbiota é um dos fatores capazes de explicar por que, em estudo com animais, o kefir favoreceu a queda da pressão arterial — situação desejável para reduzir o risco de infarto e AVC.

    Nessas experiências, o uso de kefir de leite por 60 dias levou a uma diminuição de pressão similar à induzida por remédios. Após aprofundar as análises, Andrade e um time de colegas (em colaboração com a pesquisadora Vinícia Biancardi, da Universidade Auburn, nos Estados Unidos) demonstraram que o resultado vem de uma melhoria no desequilíbrio intestinal característico da hipertensão e também do combate ao processo inflamatório do sistema nervoso central, que acaba elevando a pressão.

    Mas olha que interessante: em outra pesquisa, publicada no periódico Nutrition, uma fração solúvel de kefir (livre de micro-organismos) também exerceu efeito anti-hipertensivo. “Isso nos leva a concluir que parte da ação benéfica tem a ver com compostos bioativos formados durante o processo de fermentação”, diz Andrade. Logo, embora as bactérias sejam a atração principal, elas não são os únicos trunfos.

    Se o impacto na pressão insinua que o kefir é um aliado cardiovascular, esse status ganha força com outros estudos conduzidos pelo pesquisador da UVV. Ao utilizar a bebida para tratar camundongos com alto risco cardíaco, por exemplo, ele identificou uma redução na deposição de gorduras na artéria aorta dos animais.

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    Andrade também avaliou o poder do alimento em seres humanos — mais especificamente em indivíduos portadores de síndrome metabólica, condição que envolve diversas alterações perigosas para o coração. “Muitos foram os efeitos benéficos, inclusive sobre pressão, colesterol e glicemia”, enumera, lembrando que os dados ainda não foram publicados.

    Por falar em glicemia, que diz respeito à quantidade de açúcar no sangue, há muita expectativa sobre o impacto do kefir em pessoas com diabetes. Faz sentido. Em estudo com ratos portadores da doença, a professora Cristina, da USP, percebeu que o alimento ajudou a reduzir o estresse oxidativo e a manter a tal glicemia controlada. “As taxas não voltam ao valor normal, mas o diabetes se mantém estável”, conta.

    Kefir emagrece?

    Nas páginas da internet, porém, um dos poderes mais alardeados do kefir é sua capacidade de promover a perda de peso. Segundo o estudioso da UFRB, Ferlando Santos, os trabalhos nesse campo são interessantes, porém iniciais. “Há pesquisa com animais citando que o alimento aumenta o gasto de energia, diminuindo o peso e a gordura no fígado”, informa. Mas é cedo para garantir que, por si só, o kefir enxuga a barriga.

    “A verdade é que, nos países consumidores do alimento, os grãos tradicionalmente são considerados bons para a saúde”, afirma Santos. “Só que ainda há escassez de publicações para fundamentar todos os dados, sobretudo em seres humanos”, completa.

    De qualquer forma, de olho em tantas possibilidades, não é precipitado apostar no kefir desde já — e a partir da infância. “Seu consumo precisa ser incentivado”, defende Santos.

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    Não que ele vá operar milagres. Mas, ao colocá-lo na rotina, é esperada uma mudança mais ampla na alimentação e no estilo de vida. Fora que as famílias aprendem a cultivar os grãos e a dar sabor à bebida. Assim como várias peças de roupas, certos costumes e receitas nunca deveriam mesmo sair de moda.

    Como receber, doar e cultivar o kefir

    Rede de gentileza: no Brasil, onde a produção é caseira, eles são oferecidos sem custos. Colocam-se 1 ou 2 colheres de sopa dos grãos em um pote esterilizado. Por cima, cubra com um pouco de leite ou água.

    Tempo é precioso: se o grão estiver no leite, as bactérias começam a se alimentar do açúcar da bebida (o tal processo de fermentação). Por isso, a doação tem que ser muito rápida. “O transporte inadequado pode resultar em contaminações indevidas”, alerta Elisabeth.

    Sob refrigeração: o melhor mesmo é doar os grãos em água pura. Mas lembre-se de que, na ausência de açúcar, as bactérias não têm nutrientes. Por isso, refrigere o produto. Aí, elas ficam calminhas e não passam fome.

    “O ideal é que os grãos não fiquem muitos dias fora do substrato e da temperatura ideal ao seu crescimento (de 20 a 28° C), pois podem secar e perder sua capacidade de replicação”, orienta a professora da UFMG. “No entanto, se mantidos sob refrigeração, os grãos resistem por semanas ou meses. Congelados, podem ser reativos mesmo após anos”, acrescenta.

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    Sinais de alerta: “ao receber os grãos, é importante observar se a cor e a textura estão semelhantes àquelas apresentadas no momento em que foram enviados”, avisa Elisabeth. Segundo ela, os cultivados em leite possuem tamanho variável, de 0,3 a mais de 3 centímetros, formatos irregulares, cor branco-amarelada, além de textura viscosa e firme. Já os grãos de água açucarada são formados por uma massa gelatinosa consistente, de cor amarelo translúcido, formato irregular e tamanho variável.

    Outro ponto de atenção: ao fermentar uma bebida, é normal que o grão cresça. Ora, as bactérias estão se alimentando. Se ele continuar miudinho após uns dias, é sinal de que há algo errado com a composição.

    E os iogurtes e leites fermentados?

    De acordo com o médico Dan Waitzberg, a composição e a quantidade de micro-organismos vivos presentes nos grãos de kefir são incomparáveis. “Nesse quesito, ele supera qualquer outro produto do mercado, como iogurtes e leites fermentados”, afirma.

    Enquanto o kefir oferta uma rede complexa de bactérias e leveduras, apenas um ou poucos tipos residem nos lácteos que vemos nas prateleiras hoje. Agora, até o kefir industrializado (já encontrado em alguns países) parece não chegar aos pés do tradicional, feito em casa.

    “Para a indústria, é um desafio enorme trabalhar com o produto. Muitas vezes eles selecionam algumas espécies de bactérias e dizem que é kefir. Mas não é”, relata o pesquisador Ferlando Santos. Para ter ideia, cientistas já identificaram 359 espécies isoladas de micro-organismos em grãos do alimento de uma residência no Brasil.

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    Kefir de leite, como fazer

    1- Os grãos são peneirados (com acessórios de plástico ou silicone, para evitar contaminação) e, em seguida, colocados em uma jarra que tenha sido lavada com água fervente.

    2- Adicione 1 litro de leite sobre 2 colheres de sopa dos grãos. O ideal é que a bebida seja previamente fervida e resfriada em temperatura ambiente (nunca quente!).

    3- Tampe a jarra com gaze ou papel-toalha e prenda com elástico. É que o processo de fermentação gera gás carbônico. Se o vidro estiver totalmente vedado, pode explodir.

    4- Deixe a jarra em local com temperatura ambiente para fermentar por umas 20 horas. Pode ser em cima da geladeira ou dentro de um armário. Só tome cuidado com as formigas.

    5- Durante a fermentação, as bactérias se alimentam da lactose, o açúcar do leite. Daí porque quem tem intolerância leve à substância pode se dar bem com a bebida.

    6- Após as 20 horas, passe o leite fermentado por uma peneira para separar os grãos. Eles podem ser utilizados em um novo leite, para mais uma rodada de preparo.

    7- A bebida fermentada vai para a geladeira por 24 a 48 horas. É aí que as leveduras deixam o produto mais refrescante. Depois, é só usá-lo com frutas, sucos e afins. Dura uns 28 dias em refrigeração.

    Como fazer kefir de água e quais suas particularidades

    Para prepará-lo, basta utilizar o líquido com açúcar mascavo no lugar do leite. “Esse açúcar contém, além de sacarose, outros componentes minerais e orgânicos que poderão favorecer o crescimento dos micro-organismos presentes no grão” relata Elizabeth. Nesse caso, o kefir ganha uma coloração amarelo translúcida.

    De acordo com Ferlando Santos, pode haver pequena variação na composição microbiana dos grãos de leite e de água. “Mas a associação simbiótica de leveduras e bactérias permanece estável”, comenta.

    O pesquisador da UVV, Tadeu Uggere de Andrade, diz que ainda não há dados na literatura confirmando se os mesmos benefícios creditados ao kefir de leite valem para o de água. Mas as perspectivas são animadoras. Em trabalho prestes a ser publicado, o produto fermentado com a ajuda de água e açúcar mascavo promoveu uma redução de pressão similar à notada com o kefir proveniente do laticínio.

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