O inusitado elo entre defensivos agrícolas e saúde intestinal
Médico explica como a exposição excessiva a esses químicos pode afetar os micro-organismos que vivem no órgão e, assim, perturbar o corpo todo
A microbiota intestinal é um ecossistema complexo e dinâmico, composto por trilhões de microrganismos, incluindo bactérias, fungos, vírus, archaea e protozoários, que vivem em nosso trato gastrointestinal. Esses microrganismos desempenham um papel fundamental na saúde.
Eles participam da digestão dos alimentos, da regulação do sistema imunológico e da produção de vitaminas e outros metabólitos essenciais para o organismo.
Importante! Para manter uma microbiota saudável, é fundamental seguir uma dieta balanceada, praticar exercícios regularmente, ter boas condições de higiene e evitar a exposição excessiva a antibióticos e outros medicamentos.
No entanto, a exposição a determinados defensivos agrícolas (mais conhecidos como agrotóxicos), amplamente utilizados para proteger as plantações de pragas e doenças, pode afetar negativamente a composição e a função desse ecossistema.
Como os defensivos chegam até nós
Existem vários tipos de defensivos, cada um com um modo de ação específico.
Herbicidas, como o glifosato, por exemplo, são projetados para matar plantas indesejadas, enquanto inseticidas, como os organofosforados, têm como alvo os sistemas neurais de insetos. Fungicidas, por sua vez, são destinados a matar ou inibir o crescimento de fungos.
A exposição humana a essas substâncias ocorre de várias maneiras. Agricultores e trabalhadores agrícolas são diretamente afetados ao aplicar esses produtos químicos ou trabalhar em campos tratados.
Além disso, o uso excessivo e inadequado de alguns defensivos pode levar à contaminação do solo, da água e, eventualmente, entrar na cadeia alimentar humana. Assim, a ingestão de alimentos contaminados é uma via comum de exposição.
Impacto dos defensivos agrícolas na saúde humana
Esses produtos podem perturbar o equilíbrio delicado da microbiota, e levar a um estado conhecido como disbiose.
Isso significa que existe aumento de bactérias patogênicas, aquelas causadoras de doenças, e/ou redução de bactérias benéficas, o que pode ter várias implicações para a saúde humana.
Estudos mostram que a disbiose pode contribuir para o desenvolvimento de doenças crônicas como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e câncer.
Clique aqui para entrar em nosso canal no WhatsAppA ciência já identificou os principais vilões
O glifosato inibe uma enzima essencial para a produção de alguns aminoácidos, nutrientes que formam as proteínas, em plantas e muitos microrganismos. Em laboratório, ele demonstrou alterar a microbiota, favorecendo o desenvolvimento de bactérias patogênicas e reduzindo as bactérias benéficas.
Organofosforados, por outro lado, não só inibem a acetilcolinesterase, uma enzima chave no sistema nervoso, mas também podem reduzir a diversidade bacteriana no intestino e aumentar as bactérias associadas à inflamação.
Além dos efeitos diretos, certos defensivos podem causar inflamação ou danos à mucosa intestinal, alterar o pH do órgão, afetar seu movimento e influenciar a resposta imunológica. Esses fatores podem contribuir para um ambiente intestinal que favorece o crescimento de patógenos e prejudica a saúde geral.
A microbiota também tem importância na saúde reprodutiva, ao modular o sistema imunológico e reciclar estrogênios. Alterações neste ecossistema podem afetar a fertilidade feminina e masculina. Defensivos, como disruptores endócrinos, podem imitar ou interferir na ação dos hormônios, e afetar a ovulação, o ciclo menstrual, a qualidade dos óvulos e a função testicular.
O caso do glifosato é particularmente preocupante. Como já mencionei, ele prejudica a produção de alguns aminoácidos, entre eles o triptofano, que é precursor da serotonina, neurotransmissor relacionado ao bem-estar.
Portanto, a exposição ao produto químico pode reduzir a disponibilidade de triptofano, diminuir a síntese de serotonina e potencialmente contribuir para distúrbios como depressão, ansiedade e problemas de sono.
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Em conclusão, a exposição a defensivos específicos é uma realidade inevitável na agricultura moderna, mas seus efeitos na microbiota intestinal e, consequentemente, na saúde humana são significativos.
A ciência ainda não tem todas as respostas, por isso é essencial continuar pesquisando para compreender melhor essas interações e desenvolver práticas agrícolas mais seguras e sustentáveis. A pesquisa contínua e políticas informadas são fundamentais para garantir um equilíbrio entre a produção agrícola e a saúde pública.
*Este texto foi produzido pelo Nutritotal em uma parceria exclusiva com VEJA SAÚDE.