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“Só restam 60 anos até que os solos para cultivo desapareçam”

Naturalista e ativista britânico Philip Lymbery faz alerta sobre a crise dos sistemas alimentares em livro recém-publicado no Brasil

Por Diogo Sponchiato
Atualizado em 18 dez 2023, 11h12 - Publicado em 15 dez 2023, 14h30

Apenas 60 anos de colheitas pela frente. Eis a sombria projeção calculada por estudiosos sobre o futuro do solo apto a cultivos se a degradação ambiental continuar no ritmo em que está. E é a essa previsão que alude o título de As Últimas Colheitas (compre aqui), do naturalista e ativista Philip Lymbery.

Uma das principais vozes em defesa do bem-estar animal, o britânico reúne no livro, recém-publicado pela editora nVersos, uma profusão de dados e experiências mundo afora, resultados de sua imersão no tema e inúmeras viagens a destinos marcados por boas ou más práticas agrícolas — o Brasil está no percurso, claro.

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Uma das principais constatações de Lymbery é que a pecuária industrial atual, que cria vacas, porcos e frangos em confinamento, não só é uma fonte direta de gases do efeito estufa como tem seu grau de responsabilidade pelo contínuo desmatamento.

Isso porque o cultivo de cereais que alimentam os animais exige vastas porções de terra, roubadas de florestas e outras áreas nativas. Ou seja, o sistema agroalimentar precisa ser revisto com urgência — responsabilidade compartilhada por todos nós.

Um roteiro que exige, nas prescrições do autor, optar pela agricultura regenerativa, buscar o assilvestramento das paisagens e rever o consumo de proteína animal.

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Philip Lymbery: A crise ambiental e o bem-estar dos animais de criação estão inextricavelmente interligados porque a pecuária industrial é um dos principais impulsionadores das mudanças climáticas.

Nesse modelo, os animais ficam enjaulados, amontoados ou confinados em enormes instalações semelhantes a fábricas ou armazéns que estão o mais distante possível da imagem tradicional que fazemos de uma fazenda.

A pecuária industrial é uma importante fonte de emissões de gases do efeito estufa e se tornou o maior motor do declínio da vida selvagem em todo o mundo, sem falar que é a principal forma de crueldade contra animais.

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Retirar os bichos da terra e colocá-los em locais de exploração industrial pode parecer uma poupança de espaço, mas são necessárias vastas áreas para cultivar os cereais e a soja que irão alimentá-los. E essa produção de ração geralmente é feita com pesticidas e fertilizantes que destroem o solo, as florestas e a vida selvagem.

É por isso que a própria ONU alerta: se continuarmos nesse caminho, só nos restam 60 anos antes que os solos para cultivo desapareçam. E, sem solo, não há comida. Fim de jogo!

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O senhor acredita que as grandes empresas do setor agropecuário já acordaram para essa crise?

Confrontada com um futuro tão sombrio, a pecuária industrial, ou o Big Ag, está tentando fazer pequenas mudanças e apresentar-se sob uma luz melhor, usando termos como “intensificação sustentável”.

Mas a realidade é que, sem uma transformação fundamental, uma mudança em direção a uma agricultura regenerativa genuinamente amiga da natureza, as crises ambientais no Brasil e no mundo só irão se aprofundar. 

Quais são os grandes obstáculos à implantação da agricultura regenerativa e de fazendas realmente sustentáveis?

Precisamos urgentemente de um novo despertar para os animais, as pessoas e o planeta. A questão é: como chegar lá, e rápido? A resposta reside em todos nós desempenhando um papel: governos, empresas, entidades como a ONU e a sociedade civil trabalhando juntos para transformar o sistema alimentar.

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Reside na criação de ambientes políticos viáveis para mudanças, com diretrizes e incentivos para nos afastarmos do modelo de agricultura intensiva e baseado em confinamento — muitos dos subsídios governamentais para as fazendas industriais hoje seriam mais bem gastos em modelos regenerativos e alternativos à alta demanda por carne.

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Reside nas empresas alimentares instituindo metas para a redução de alimentos de origem animal e daqueles provenientes da exploração industrial — os compromissos “sem gaiola” são um pré-requisito para uma alimentação humana e sustentável.

Reside no setor financeiro, que só deve disponibilizar financiamento para apoiar a transição em direção a práticas bem-vindas à natureza.

Reside no reconhecimento, entre os formuladores de decisões públicas, de que essas grandes mudanças são inevitáveis. Não podemos nos dar ao luxo de não mudar!

Qual é a sua maior preocupação em relação ao Brasil?

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É o desmatamento que está ocorrendo para alimentar a indústria pecuária. O que descobri é que a desflorestação no Brasil é impulsionada não pelo pastoreio do gado ao ar livre, mas pela produção de comida enviada para esses complexos de exploração industrial.

Ter frango ou porco baratos disponíveis em nossos supermercados hoje é algo provavelmente alimentado pelos despojos da Amazônia. A imprudência com que isso ocorre ficou clara para mim quando tomei conhecimento da prática do “correntão”.

Uma corrente de metal resistente originalmente feita para atracar navios e duas escavadeiras nas extremidades se movem juntas pela floresta. Com um barulho ensurdecedor, nada escapa. Tudo é derrubado.

Trata-se de um meio controverso de desmatamento, há muito considerado ilegal, mas autorizado no estado de Mato Grosso. Um monte de árvores vai abaixo em segundos, antes que os restos da floresta sejam derrubados, primeiro pelo fogo e depois pelo gado.

Não há nada de novo sobre a expansão da pecuária na Floresta Amazônica, mas o que é pouco conhecido é como a mão firme da pecuária industrial é o verdadeiro motor por trás de tanta destruição.

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O que nós, enquanto consumidores, podemos fazer para ajudar a mudar esse cenário?

A chave para enfrentar a ameaça existencial representada pelo caos climático é acabar com a agricultura industrial. E nisso todos podemos desempenhar um papel. Precisamos incentivar a agricultura regenerativa e aderir a dietas menos dependentes de alimentos de origem animal.

A ONU deveria liderar um acordo global para transformar os sistemas alimentares.

Como consumidores, podemos agir diante do nosso prato três vezes ao dia, optando por comer mais plantas, menos carne, leite e ovos — e, ao consumi-los, priorizar o que vem de animais criados no pasto e ao ar livre.

Dessa forma, podemos transformar a perspectiva de apenas 60 colheitas pela frente em um novo mundo com mais compaixão e amigo da natureza.

As Últimas Colheitas: A verdade sobre a agricultura intensiva, de Philip Lymbery (nVersos)

livro-ultimas-colheitas

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