É tempo de azeite para os brasileiros!
A safra de oliveiras está em alta no país. E os estudos não param de confirmar os efeitos de seu maior derivado, o óleo, em prol da saúde
Elas estampam passagens da mitologia greco-romana e da Bíblia judaico-cristã. Dominam há séculos as paisagens de Portugal e da Andaluzia, na Espanha. Acompanharam o auge e o declínio das civilizações às margens do Mar Mediterrâneo. Não há como falar da história do Velho Mundo sem citar ou visualizar as oliveiras.
Mas já faz um tempo que essas árvores não estão mais confinadas a esse pedaço do planeta. Agora se esparramam por terras brasileiras nas montanhas da Serra da Mantiqueira, entre Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, pelo solo gaúcho e onde mais o clima ajudar.
A safra nacional deste ano surpreende em números e pelas características dos frutos. Deles brotam óleos premiados em concursos e reconhecidos no exterior. O Brasil, quem diria, entrou na rota do azeite de oliva.
O engenheiro-agrônomo Pedro Henrique Abreu Moura, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), enumera alguns fatores que contribuem para esse êxito recente: “Além das ondas de frio no inverno de 2021, que é condição importante para o florescimento, hoje temos mais plantas entrando em idade produtiva”.
Logo, o que foi semeado na década passada começou a frutificar. Se, de um lado, a natureza deu uma forcinha, do outro existe o empenho dos cientistas para dotar os olivais do que eles chamam de “pacote tecnológico”. “Isso engloba desde o manejo no campo até a maneira como se extrai o óleo, com aperfeiçoamento de técnicas e uso de maquinário moderno”, explica Luiz Fernando de Oliveira, coordenador do Programa Estadual de Pesquisa em Olivicultura da Epamig.
A azeitona, claro, também está sob a lupa dos estudiosos. “O conhecimento sobre os diversos tipos e sua adaptação ao nosso solo colabora para a excelência na produção de azeites”, diz o engenheiro-agrônomo Rogério Oliveira Jorge, pesquisador da Embrapa Clima Temperado, em Pelotas (RS).
O processamento bem-feito assegura ao óleo sua formulação única ao paladar e cheia de benefícios à saúde. Uma soma de predicados que lhe concedeu o título de “ouro líquido”, apelido que, diz a lenda, foi dado pelo poeta grego Homero entre os séculos 8 e 9 a.C.
Na mistura de compostos encontrados no tipo extravirgem — que é o puro suco da oliva —, o destaque, como em todo óleo, vai para os ácidos graxos, ou seja, seu contingente de gordura. “Grande parte dele é do tipo monoinsaturado, sobretudo o ácido oleico, associado nas pesquisas à proteção cardiovascular”, conta o nutricionista Dennys Cintra, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Destacam-se ainda a gordura poli-insaturada, caso do famoso ômega-3, e, saindo dessa classe de nutrientes, os compostos fenólicos de ação antioxidante.
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Conterrâneo de Homero, o filósofo Demócrito acreditava que privilegiar o azeite no cardápio permitiria passar dos 100 anos, idade rara naquela época, o século 5 a.C. Muito tempo se passou, mas a teoria do sábio segue ganhando comprovações científicas.
A mais nova delas, uma pesquisa recém-publicada no periódico do Colégio Americano de Cardiologia em cima de dados de mais de 92 mil pessoas coletados ao longo de 28 anos, registra um elo entre o consumo cotidiano de azeite e o menor risco de morrer precocemente por doenças crônicas como problemas cardíacos, Alzheimer e câncer.
Além de simbolizar longevidade, força e abundância para muitos povos, a oliveira representa a paz, especialmente bem-vinda no mundo de hoje.
Azeite na dieta brasileira
Nossa produção está crescendo cheia de virtudes e sobram motivos para festejar, mas ainda estamos longe de suprir a demanda nacional. Demanda, diga-se, que permanece em alta. “O Brasil é vice-líder em importação de azeite, só fica atrás dos Estados Unidos, em um contexto que exclui os produtores locais tradicionais”, nota o engenheiro de alimentos Paulo Freitas, da plataforma AzeiteOnline.
Mesmo que seja necessário usar o que vem de Portugal, Espanha, Grécia e redondezas, não é preciso ficar trazendo tudo quanto é ingrediente, receita e hábito de outras culturas. Que tal derramar o azeite de oliva no brasileiríssimo arroz com feijão?
Essa foi a proposta do nutricionista Rafael Longhi, da Universidade Federal de Minas Gerais, (UFMG), que comprovou os poderes do produto das oliveiras na redução do processo inflamatório. Sua pesquisa, realizada em parceria com a professora Erika Silveira, da Universidade Federal de Goiás (UFG), e cientistas ingleses e espanhóis, contou com 145 voluntários com obesidade grave que, durante 12 semanas, foram orientados a incorporar o azeite extravirgem no que foi batizado de dieta brasileira.
“É um padrão alimentar que contempla arroz e feijão, carne magra, hortaliças, frutas e laticínios”, resume Longhi. Os participantes usaram o ingrediente sem passar por cozimento, evitando erros culinários e garantindo todo o seu potencial antioxidante e anti-inflamatório.
“Há evidências de décadas de pesquisas mostrando que a composição do azeite ajuda a estabilizar os radicais livres”, comenta Longhi. Em outras palavras, o alimento neutraliza essas moléculas que, livres, leves e soltas, contribuem para inflamações e estragos pelas células.
E o que isso teria a ver com o excesso de peso? O nutricionista explica que a obesidade é uma doença inflamatória por excelência — e aí está um dos motivos pelos quais ela amplia o risco de tantos males, entre eles os cardiovasculares.
Nesse contexto, o óleo da azeitona ainda interfere em outros terrenos do corpo. Já ouviu falar em gordura marrom? Pois esse é um tecido adiposo que se comporta de maneira diferente da gordura mais comum, a branca. Ele aparece em maior quantidade nos bebês e diminui com o passar dos anos.
Por ajudar a regular a temperatura do organismo e a atividade metabólica, há anos é investigado como um possível coadjuvante no tratamento da obesidade. Pois a nutricionista brasileira Milena Pires, pesquisadora da Universidade de Turku, na Finlândia, verificou que o azeite influencia o comportamento do tecido marrom. “Isso nos fornece pistas sobre como aumentar o gasto calórico”, aponta.
O azeite está na mira da cientista faz tempo. Ainda quando estava na Universidade de São Paulo (USP), Milena observou que a inclusão da versão extravirgem no café da manhã — num pacote que incluía maior aporte de fibras e pasta de amendoim — apresentava bons efeitos cardiovasculares.
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No meio, a ideia ficou conhecida como a “mediterranização” de uma refeição brasileira. E outra vez as ondas desse mar batem por aqui. Embora tenhamos que valorizar nossos costumes alimentares, é impossível falar em azeite sem mencionar a dieta mediterrânea.
Conta-se que suas benesses começaram a ser notadas na década de 1950 pelo fisiologista americano Ancel Keys (1904-2004). Cá entre nós, o centenário deve ter degustado o cardápio que andou estudando.
Keys percebeu que, entre gregos, espanhóis, italianos e franceses que viviam mais ao sul desses países, as principais fontes de gordura eram azeite e pescados e que, nessas populações, era menor a ocorrência de perrengues cardíacos.
A nutricionista brasileira Juliana Watanabe, que hoje vive na Espanha e faz mestrado na Universidade Internacional de Valência, conta que a origem do menu remonta aos romanos, que, por sua vez, herdaram o modelo da Grécia antiga. “Pão, vinho e azeite de oliva eram considerados símbolos da agricultura, da vida rural, da cultura e da religião”, comenta.
Juliana aponta as gorduras monoinsaturadas e os componentes bioativos (compostos fenólicos, fitosteróis e companhia) do óleo extravirgem como os principais responsáveis pelas bênçãos ao coração. “Aqui na Espanha, o azeite é utilizado em todos os pratos, menos nas frituras por imersão”, relata.
Ela destaca um preparo chamado sofrito, refogado que leva cebola, alho e óleo de oliva, e serve de base para diversas receitas. “Um dos efeitos do azeite é a melhora da biodisponibilidade de substâncias como o licopeno do tomate”, elogia.
Azeitona, a matéria-prima
Ao passear por olivais na Andaluzia, a nutricionista Andrea Esquivel, do Centro de Diagnóstico em Gastroenterologia (Cedig), em São Paulo, arrancou e comeu uma azeitona do pé. “Me arrependi no mesmo instante, era intragável”, recorda.
“Não consigo imaginar quem teve a ideia de espremer aquele fruto para extrair o óleo”, brinca. Quanto mais verde a oliva, maior a concentração de compostos amargos.
Ao amadurecerem, muitas se tornam roxas e o nível dessas substâncias cai. Ainda assim, é difícil comer azeitona sem antes deixá-la em conserva na água com sal.
“Como ela fica bem salgada, hipertensos devem tomar cuidado”, aconselha Andrea.
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A oliveira foi domesticada na costa mediterrânea, mas sua origem na natureza é incerta. Os egípcios diziam que foi um presente da deusa Ísis. Os gregos acreditavam que veio pelas mãos do herói Hércules.
Sobre a extração do óleo, arqueólogos encontraram resquícios de artefatos de pedra usados para esse fim em terrenos habitados por civilizações que viveram na atual Grécia entre 1600 e 1200 a.C.
Artesanal ou industrial, a produção do azeite ainda hoje depende de muito zelo com as árvores e os frutos. Tudo começa com boas práticas no campo — na adubação, na poda e na irrigação. O cuidado na coleta é crucial.
Além de respeitarem o tempo de maturação, de acordo com a variedade de azeitona, os frutos precisam ser protegidos de machucados que favorecem a oxidação. “Até a temperatura no momento da colheita tem que ser amena. Por isso há quem trabalhe na madrugada”, conta a engenheira de alimentos Amanda Neris dos Santos, da UFMG.
As azeitonas devem ser armazenadas por pouco tempo. A rapidez nessa etapa ajuda a evitar a fermentação e outras reações prejudiciais. Daí os frutos são limpos, seguem para a prensa e lá são moídos até que se forme uma pasta. Passam, então, por um equipamento com função de batedeira, quando finalmente sai o óleo, que é filtrado e pronto para o envase.
Amanda avaliou todo esse processo e como alterações em determinadas etapas interferem na qualidade final. Os resultados de sua pesquisa estão ajudando na criação de protocolos e padronizações para a produção nacional.
Por falar em qualidade, os especialistas nunca deixam de alertar sobre o risco de levar mercadorias adulteradas ou falsificadas para casa. Uma dica para não cair em ciladas é evitar o que está muito barato — preço baixo demais merece suspeita.
A pesquisadora Daniela Freitas de Sá, da Embrapa Agroindústria de Alimentos, realizou um estudo com 95 consumidores habituais e observou uma preferência por azeites de sabor mais sutil, nem amargos nem picantes.
“Existem critérios de qualidade definidos por normas internacionais, que consideram o processo de produção e os aspectos sensoriais, por exemplo”, explica. Conceitos como aroma e sabor frutados, que remetem a tomate, amêndoas e hortaliças como couve e rúcula, são considerados e mencionados pelos experts.
Outro fator que conta pontos é o amargor. “Ele entrega a quantidade de compostos fenólicos do produto. Quanto mais amargo, maior a concentração”, resume Daniela. A sensação de picância, que pega a garganta e até pode provocar tosse em desavisados, também é indicador da presença dessas substâncias.
E aquela história de acidez? Saiba que não tem nenhuma relação com pH ou sabor ácido. Trata-se de uma medida voltada aos ácidos graxos livres do óleo e tem relação com a oxidação das gorduras. Papo de especialistas, que sugerem privilegiar os azeites que estão abaixo de 0,8.
Para desenvolver a percepção, o melhor é se lançar à experiência da degustação. De maneira simplificada, os seguintes passos podem servir para a iniciação: despeje o óleo em um copinho de vidro e esquente o recipiente com as mãos; sinta o aroma; beba um pouco e puxe o ar pela boca; deixe o azeite repousar nas papilas; depois engula. Anote suas sensações para que, na próxima vez, existam parâmetros de comparação.
A nutricionista paulista Andrea Esquivel defende variar marcas e origens até encontrar as de sua preferência. “O melhor é o do seu gosto”, frisa. Também chef, Andrea ensina que pratos mais marcantes como a bacalhoada pedem óleos de sabor intenso.
Ainda na cozinha, há quem diga que o azeite não deve ser aquecido e o melhor é acrescentar só no final das preparações. O motivo é que, sob altas temperaturas, perdem-se os antioxidantes. Mas o uso em fogo brando e por pouco tempo permite conservar os ingredientes benéficos.
Aliás, outro conselho para a hora do mercado, os compostos fenólicos estão presentes de fato no tipo extravirgem, aquele que não é misturado a outros óleos nem passa por refinação.
Outra dica: priorize os produtos de envase recente. “A vantagem, aqui no Brasil, é que conseguimos coletar a oliva, extrair, engarrafar e colocar o azeite à disposição em um período muito curto”, comenta Moura.
Esse frescor traz mais sabor e benesses à saúde. São motivos para celebrar, tanto é que, na cidade mineira de Maria da Fé, houve festa em abril em torno da boa safra. Com música, palestras dos técnicos e produtores e, claro, “ouro líquido” à mesa.
Muito além de um tempero
Versátil, o azeite pode aparecer do café da manhã ao jantar
Em saladas: de mix de folhas verdes a pratos com queijos e frango, regar sempre dá um toque especial.
Em refogados: junto da cebola e do alho, entra no refogado que serve de base a arroz, verduras, sopas…
Em molhos: indispensável no pesto, ainda incrementa molhos com tomate, queijos e ervas.
Em sobremesas: dá mais textura a massa de bolo e realça mousses, caldas e até sorvetes caseiros.
No pote de creme
Escavações arqueológicas no Egito revelaram um dos segredos da beleza de Cleópatra: dentro de ânforas, uma mistura de mirra, cardamomo, canela e óleo de oliva. Relatos históricos dão conta de que os gregos antigos também se valiam do azeite em seus rituais de higiene.
Atualmente, o ingrediente aparece na fórmula de cosméticos. “Diferentes compostos ativos podem ser obtidos a partir das folhas ou dos frutos das oliveiras”, diz Claudia Coral, farmacêutica da Galena, que tem uma linha baseada no vegetal.
O efeito sobre a pele das formulações especificamente feitas para essa finalidade também vem do grupo dos fenólicos, com sua ação antioxidante e anti-inflamatória.