Após diagnosticar a depressão, como o psiquiatra elege um medicamento entre dezenas disponíveis? Tradicionalmente, ele confia na experiência e em casos similares. Mas o método é de tentativa e erro”, explica Vladimir Bernik, coordenador da equipe de psiquiatria do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.
Estima-se que 50% dos deprimidos não respondem ao primeiro tratamento. Além disso, as pílulas contra transtornos psicológicos demoram semanas para surtir efeito. Junte as informações e você concluirá que a tarefa de descobrir o caminho ideal para um paciente pode se estender por meses. “É um cenário preocupante, em especial nos casos graves”, diz Bernik.
Uma “mãozinha” da genética
Aí que entram os novos testes farmacogenéticos. Com máquinas que analisam células do sangue ou da parte interna da bochecha, eles rastreiam particularidades no DNA que anteveem o sucesso ou fracasso de diferentes fármacos. “Prevemos se eles vão provocar muitas reações adversas, se a dosagem deveria ser aumentada, se a eficácia será satisfatória”, enumera o psiquiatra Guido Boabaid May, CEO da empresa brasileira Gntech, que oferece uma versão desses exames, e membro do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein.
Em um trabalho da Clínica Mayo, nos Estados Unidos, os 25 voluntários com depressão que receberam um tratamento guiado pela genética exibiram, em média, uma melhora mais acentuada após oito semanas — isso em comparação com 26 participantes que trilharam a rota convencional. Não à toa, várias bulas de dentro e fora do Brasil contam com notas sobre a interação dos remédios com variações do DNA.
Embora o entusiasmo seja justificado, a genética na psiquiatria pede cautela. A ação de um princípio ativo qualquer não é afetada só pelo genoma — o uso de outros comprimidos, a alimentação e até a terapia podem interferir no resultado final. Mais: vários genes determinam como uma droga impacta no cérebro e faltam pesquisas que apontem como a combinação de mutações neles realmente influi no tratamento.
Quando é preciso recorrer ao DNA
“Pelo preço, que passa dos mil reais, e pela falta de validação científica dos testes no mercado, não os recomendaria à maioria da população”, opina a geneticista Mara Helena Hutz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Vladimir Bernik discorda: “Eles ajudariam em qualquer caso. Mas, como são custosos, tendo a pedi-los para quem já passou por duas ou três estratégias sem sucesso”. A arte da psiquiatria — da criação de um elo com a pessoa à interpretação dos sintomas — segue em alta. Mas, ao que parece, ela vem ganhando um aliado e tanto da ciência.
Diagnóstico moderno?
A ciência também busca traços no DNA que indicariam quem sofreria de esquizofrenia, depressão, TDAH… “Vimos que há um monte de genes envolvidos. Mas nenhum é determinante e todos dependem da interação com o ambiente”, revela o neuropsiquiatra Stephen Stahl, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Logo, não há qualquer exame genético capaz de diagnosticar sozinho uma doença psiquiátrica. Quem faz isso é o médico.
Promessas dos testes genéticos
O que eles agregariam na hora de optar por um ou outro remédio
A dose certa
Exemplo: há alterações no genoma que fazem o fígado degradar certos medicamentos depressa. Ao detectá-las, o doutor poderia elevar a dose.
Reações adversas
Outras mutações promovem o contrário. Aí, uma quantidade normal de remédio traz reações adversas fortes. Reduzir a dose às vezes resolve.
Eficácia
Por último, trechos do código genético potencializam ou inibem diretamente a ação do fármaco no cérebro. Isso ajuda a escolher a droga ideal.