Sharenting: compartilhamento de imagens de crianças nas redes traz sérios riscos
Exposição dos pequenos na internet por pais ou responsáveis, ainda que seja com boas intenções, representa um perigo que as pessoas não imaginam

As redes sociais se tornaram uma extensão da vida em sociedade mediada pela tela do celular. E o compartilhamento de informações atingiu níveis profundos, variando da imagem de uma refeição aos detalhes mais íntimos sobre a própria saúde mental.
Passamos a nos sentir confortáveis em mostrar fotos e vídeos de momentos em família, ao mesmo tempo em que perdemos a real dimensão do alcance daquilo que é publicado online. Se entre adultos isso já é um problema, quando se trata de crianças pode ser ainda pior.
A exibição de conteúdos dos pequenos na internet por pais ou responsáveis, ainda que seja com boas intenções, pode representar um risco que as pessoas não imaginam. É o que revela um estudo inédito brasileiro sobre a prática do fenômeno conhecido “sharenting”, que faz uma referência em inglês à junção das palavras “share” (compartilhar) e “parenting” (paternidade).
“Publicar fotos e informações pessoais das crianças pode levar a problemas graves como roubo de identidade, exposição ao cyberbullying, exploração comercial indevida e até uso mal-intencionado das imagens em contextos de abuso infantil“, “, resume o cientista social e doutor em ciências médicas Lucas França Garcia, da UniCesumar, e autor da pesquisa.
Além disso, ele ressalta, há implicações psicológicas importantes, já que crianças frequentemente sentem desconforto ou vergonha com conteúdos compartilhados sem o seu consentimento.
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Para ampliar o conhecimento sobre o fenômeno, os pesquisadores realizaram uma ampla revisão da literatura sobre o tema, investigando padrões, diferenças e lacunas. Ao todo, foram incluídos mais de 70 estudos, publicados entre 2016 e 2023, em inglês, espanhol e português. Os achados foram publicados na revista científica Bioética.
Uma das primeiras impressões é de que mais de 80% das crianças em países ocidentais aparecem online antes de completar dois anos de idade.
A seguir, foram analisados os seguintes recortes: privacidade e segurança digital, consequências psicológicas, dinâmica social e familiar e resposta legal e da sociedade.
A forma como os adultos se comportam online influencia também o modo como crianças e adolescentes passam a perceber essa exposição digital. Jovens expostos a esse compartilhamento excessivo desde cedo tendem a normalizar a situação e replicá-la com as próprias crianças.
Outro agravante é a transformação dos pequenos em verdadeiros personagens das redes, o que pode gerar lucro, como campanhas de publicidade, e mais engajamento nas plataformas, mas provoca danos à saúde mental que ainda estão sendo mensurados pela comunidade científica.
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Busca pelo equilíbrio
Segundo o autor, o estudo traz alertas importantes para os pais e a sociedade em geral. O primeiro é que muitos responsáveis não têm noção clara dos riscos à privacidade, segurança e saúde mental das crianças da prática.
“É urgente implementar ações educativas para conscientizar as famílias sobre as consequências dessa prática, especialmente o oversharing [compartilhamento excessivo]. O sharenting pode provocar conflitos familiares e sociais, especialmente quando há quebra das expectativas sobre o que pode ou não ser divulgado sobre as crianças”, alerta Garcia.
O pesquisador defende o equilíbrio entre a liberdade dos pais em publicar conteúdos de seus filhos e a garantia do direito fundamental das crianças à privacidade e segurança digital.
“É importante refletir cuidadosamente antes de publicar qualquer conteúdo sobre crianças, de maneira que essa exposição não traga riscos aos menores e à própria família”, pontua.
Como (e o que) postar sobre seus filhos
Algumas recomendações incluem:
• Sempre pedir permissão às crianças antes de publicar um conteúdo, respeitando sua opinião.
• Não publicar imagens ou informações sensíveis ou que possam servir de constrangimento no futuro.
• Evitar revelar detalhes como localização, escola, horários de rotina e outros dados que possam identificar facilmente a criança, sua rotina e a da família.
• Usar recursos de privacidade das plataformas para restringir quem acessa os conteúdos.
Na dúvida, um recurso simples pode ajudar: restringir quem pode acessar a sua página.
“Manter perfis privados ajuda a controlar melhor quem visualiza as informações compartilhadas. Evitar publicar imagens que identifiquem locais específicos, como a fachada de escolas, placas ou uniformes, também reduz significativamente o risco de exposição excessiva e garante uma camada adicional de segurança e privacidade digital para as crianças”, conclui.
*Com informações da Agência Bori.