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Precisamos falar sobre depressão pós-parto

Expor as angústias e os conflitos que podem vir com a maternidade tem efeito protetor contra a depressão. Além disso, encoraja a busca por tratamento

Por Naiara Magalhães
Atualizado em 16 dez 2019, 11h10 - Publicado em 16 dez 2019, 10h10

Luciana* retrata um típico caso de depressão pós-parto. Aos 24 anos,  engravidou pela primeira vez. Uma gestação desejada e tranquila. O parto também correu bem. No entanto, no dia seguinte ela se sentiu estranha. Natural estar à flor da pele nesse momento, pensou. Mas, semana a semana, o mal-estar continuava. Ela teve dificuldades para amamentar e foi complicado lidar com divergências familiares sobre a questão.

Até se acertar com o aleitamento, dois meses se passaram — e ela se enxergava cada vez mais só e sobrecarregada. Não conseguia dormir, mesmo exausta. A irritação era grande e o choro, constante. Nem a evolução da criança, que no começo a deixava feliz, a alegrava mais. Em seu íntimo, questionou-se: “Por que fui ter um filho?”.

A certa altura, intuiu que a angústia podia estar além da conta. Comentou com o marido na época: “Acho que estou com depressão”. Ele descartou a hipótese. Achava que, se o problema fosse esse, a esposa não sairia da cama.

Ao desabafar com a sogra, Luciana ouviu que, caso estivesse mesmo sentindo “isso”, teria que se afastar da criança. “Ela me apavorou. Passei meses fingindo que aquilo não era comigo. E não falei com mais ninguém a respeito.”

Quando a pequena completou 1 ano, Luciana iniciou a psicoterapia. E ouviu da profissional a confirmação de sua suspeita: estava vivendo uma depressão pós-parto.

Situações como essa são bem mais comuns do que se imagina. No Brasil, o transtorno atinge uma em cada cinco mulheres. O quadro pode se iniciar logo no primeiro mês de vida da criança ou até um ano depois. Cerca de 50% dos casos, na verdade, começam ainda na gestação, só que não são detectados.

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O puerpério é um período naturalmente delicado, em que a mulher encara sua fragilidade física, psíquica e social ao mesmo tempo. O corpo está se recuperando do parto e os hormônios, mantidos em alta durante a gravidez, despencam, prejudicando o humor. Adaptações precisam ser feitas nas relações consigo mesma, com o parceiro e com o filho.

Além disso, é necessário um rearranjo de condições materiais e objetivas que garantam os cuidados da criança. “São pelo menos três situações de fragilidade que trazem sobrecarga e tornam o risco de adoecimento psíquico maior do que em qualquer outra época não patológica da vida”, explica a psicanalista Vera Iaconelli, diretora do Instituto Gerar, em São Paulo.

Para a maioria das mulheres, a soma desses fatores leva a um quadro chamado baby blues, que, embora inclua aspectos depressivos, tende a passar sozinho, como uma fase de adaptação. Mas parte delas evolui para a depressão em si, com sintomas mais numerosos, intensos e duradouros.

Episódios anteriores da doença (especialmente quando não devidamente tratados), contratempos surgidos na gestação, dificuldades conjugais, entre outras questões, podem contribuir para desencadear o distúrbio.

Os indícios centrais do problema no pós-parto são os mesmos de qualquer depressão: perda de motivação e prazer, além de uma sensação permanente de vazio e melancolia. Só que a falta de vitalidade torna a tarefa de cuidar do bebê mais difícil do que já é, causando sofrimento extra.

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Pode haver sensação de incapacidade e até desinteresse pela criança. Em alguns casos, por um tempo, o parceiro, os familiares ou os outros cuidadores terão o importante papel de garantir que o bebê receba atenção e afeto.

Quando há o tratamento, são grandes as chances de a pessoa se recuperar e sair fortalecida. “A depressão nos dá oportunidade de olhar para um sofrimento que não estava sendo visto. É como uma febre, que sinaliza que algo não vai bem. Uma vez que você trata, não precisa repetir”, observa Vera.

A diferença entre depressão pós-parto e baby blues

Esse quadro atinge 70% das mulheres no pós-parto e é caracterizado por sintomas típicos da depressão, mas em menor grau e duração. Falta de energia, choro fácil e irritabilidade costumam surgir no segundo ou terceiro dia após a chegada do bebê, intensificam-se e, em seguida, vão se diluindo. Ao todo, duram, em média, duas semanas.

Ajuda familiar, orientação profissional e suporte de grupos de mães podem contribuir para a adaptação às mudanças drásticas dessa fase. Se as coisas não começam a melhorar após esse período, é o caso de avaliar a evolução para uma depressão propriamente dita.

Como tratar e superar a depressão pós-parto

A psicoterapia ajuda a ganhar recursos internos para lidar com o que causa sofrimento. Ioga, meditação e outras práticas integrativas podem atenuar sintomas de estresse e ansiedade. Já medicamentos antidepressivos são indicados em quadros graves ou moderados.

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“Devemos ponderar os riscos de medicar e de não medicar”, explica o médico Joel Rennó Jr., diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Se não tratada, a depressão pode se tornar crônica e mais grave, abalando a saúde da mulher e de seu filho. Crianças de mãe com a doença têm maior risco de nascer com baixo peso, além de apresentar déficit no crescimento e desenvolvimento cognitivo e motor.

Quando a medicação é indispensável, seleciona-se uma opção entre aquelas consideradas seguras na gestação e no aleitamento. Recentemente, foi aprovado nos Estados Unidos o primeiro medicamento específico para a depressão pós-parto, a brexanolona.

Aplicada no hospital, diretamente na veia, ela começa a agir em três a cinco dias (os antidepressivos costumam levar duas semanas). Mas seu custo é alto e mais estudos são necessários para saber se a eficácia se mantém. Os efeitos colaterais incluem boca seca, sonolência e súbita perda de consciência.

Ainda que dê para tratar, o grande desafio é criar condições para que as mães consigam buscar apoio. Um estudo publicado no periódico americano Maternal and Child Health Journal avaliou mulheres que deram à luz nos três anos anteriores e perguntou se elas tocaram no assunto com doulas, consultoras de amamentação, enfermeiros ou médicos.

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Metade das participantes teve sintomas depressivos. E uma em cada cinco não buscou auxílio. Metade disse ter encontrado empecilhos que tornaram isso “extremamente difícil” ou até “impossível”.

A psicóloga e educadora perinatal Simone Cortez, de São Paulo, analisa: “Além de sentir culpa e vergonha de não estar feliz, há o medo do que está por vir, como a possibilidade de tomar remédio e a influência na amamentação. Às vezes, as mulheres não sabem se terão dinheiro para o tratamento e se a família achará frescura… São muitas dúvidas”.

Os achados da pesquisa enfatizam a importância de abrir um canal de comunicação para que elas possam dividir angústias e conflitos, já que, socialmente, a partir do momento em que engravidam, só são autorizadas a demonstrar felicidade, completude e gratidão — as queixas devem ser, no máximo, sobre enjoo, azia e dor nas costas.

Uma estratégia bacana é alguém próximo entregar à mulher uma carta para ser aberta no pós-parto, oferecendo-lhe um relato com o qual possa se identificar. Nessa linha, a pediatra Debora Kalman, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, costuma dividir sua experiência pessoal com as pacientes.

Um dos papéis do pediatra, ela acredita, é trazer para um território de normalidade certos questionamentos considerados ruins. Ou seja, deixar claro que é comum se perguntar “O que eu fiz da minha vida?” diante dos enormes desafios enfrentados na maternidade — e isso não significa que o filho é menos amado ou que ela é péssima nesse papel.

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Dá para evitar a depressão pós-parto?

Estudos mostram que o aconselhamento precoce reduz em 39% a probabilidade de surgir depressão durante a gravidez ou depois. Não à toa, o US Preventive Services Task Force, nos Estados Unidos, publicou recomendações para que médicos encaminhem para acompanhamento psicoterápico as pacientes grávidas ou no pós-parto que apresentem risco aumentado de depressão, como mulheres jovens, de baixa renda, numa gravidez indesejada, sem apoio familiar e social, com histórico de depressão ou que estejam mostrando indícios da doença.

A ginecologista e obstetra Helga Marquesini, que atua em São Paulo, costuma conversar com suas pacientes sobre os desafios do pós-parto ainda na gestação. Tudo para que elas não sejam pegas de surpresa por situações muito diferentes do roteiro idealizado — sobretudo no caso das mães de primeira viagem. “Pouco se fala do puerpério, e ele não é um comercial de margarina”, justifica.

Após o nascimento da criança, a médica pergunta ativamente como está a rotina. Se há queixas quanto ao sono, por exemplo, busca entender se a paciente se refere à redução normal das horas de descanso ou se ela não está conseguindo relaxar nem quando o neném está dormindo ou sob os cuidados de outra pessoa — um sinal de alerta.

Quando é o caso, encaminha para um psicólogo ou psiquiatra. E isso vai além de recomendar um profissional de saúde mental. Helga costuma ligar para o parceiro ou um familiar enfatizando a necessidade de auxiliar a paciente nesse processo. Imersa na tormenta emocional, ela pode não conseguir ir atrás de um especialista por conta própria.

Simone Cortez também defende a importância de um “pré-natal psicológico” — um trabalho individual ou em grupo voltado especificamente para as questões psíquicas relacionadas à gestação, ao parto e ao pós-parto.

A médica de família Maria Alice Ogasawara, que trabalha em um posto de saúde na zona sul de São Paulo, conta que o tema da saúde mental é naturalmente o que causa maior envolvimento nas rodas de gestantes promovidas mensalmente na unidade — até porque mulheres que vivem na periferia são expostas a fatores como violência e falta de apoio, que as tornam ainda mais vulneráveis à depressão.

Só vale fugir de “grupos pregadores”, que despejam mais exigências sobre a mãe, como a maneira correta de amamentar ou fazer a criança dormir.

Luciana, cuja história abre esta reportagem, reencontrou o eixo após meses de psicoterapia, ioga e recursos da medicina ayurvédica. Quando a primeira filha estava perto dos 2 anos, engravidou novamente. Desta vez, não teve depressão.

“Eu sabia que podia acontecer mais uma vez e não tinha como controlar. Mas poderia minimizar o risco”, conta. “Continuei na ioga durante a gravidez e estabeleci limites: não recebi visitas na maternidade e, em casa, só após um mês”, relata.

A criança nasceu prematura e ficou na UTI. Objetivamente, o cenário era mais complicado. Mas ela se fortaleceu com a experiência e o tratamento: “Foi totalmente diferente. Eu tinha uma sensação de clareza das coisas. Consegui viver tudo de forma mais lúcida”.

De fato, encarar a maternidade com seus altos e baixos pode ajudar a viver os momentos difíceis com mais leveza e aproveitar as alegrias com maior intensidade.

Como familiares podem ajudar

Pergunte: em vez de oferecer algo, questione: “O que posso fazer?”. Para algumas mulheres, receber almoço da sogra todos os dias é um sonho. Para outras, passa um recado sobre sua incapacidade.

Encoraje: é importante que o companheiro, especialmente, dê apoio às decisões tomadas pela mulher no pós-parto. Assim, a segurança dela para cuidar do bebê acaba fortalecida.

Escute: falar menos e ouvir mais é essencial, principalmente no caso das mães de primeira viagem. Se ela recebe críticas e sugestões de todos os lados, pode achar que está fazendo tudo errado.

Informe-se: disseminar mitos, como o de que toda mãe com depressão deve se afastar do bebê, pode ser extremamente danoso. Essa hipótese, aliás, é considerada somente em situações extremas.

Fique atento: comentários bem-intencionados podem ferir. Ouvir “Não vai desistir de colocar o bebê no berço!” justamente no dia em que se encontrou a calmaria no sling pode desanimar.

Não ignore: nada de subestimar a possibilidade de a mulher ter depressão. Antes de dizer que o pós-parto “é assim mesmo”, procure escutar mais e sugira o aconselhamento com um profissional.

Homens têm depressão pós-parto?

Cerca de 10% dos pais desenvolvem depressão logo depois de ter filho. Quando a esposa está deprimida, a frequência dobra. Os gatilhos se relacionam ao aumento de responsabilidades e mudanças na relação, entre outros.

Além dos sintomas clássicos, podem aparecer comportamentos como trabalhar demais para escapar da vida doméstica, exceder-se na bebida e ser impulsivo — há quem inicie um caso extraconjugal justo nessa fase, por exemplo.

Prevenção pelo celular

Pesquisadores da Universidade de São Paulo desenvolveram um aplicativo que identifica sinais de alerta para depressão em grávidas e mulheres no puerpério. Trata-se do Motherly, que ainda propõe intervenções específicas para evitar que o quadro evolua.

A tecnologia, ainda em testes, se baseia numa técnica da psicologia chamada ativação comportamental. O pesquisador Daniel Fatori, um dos criadores, explica: “Ela tem o mesmo efeito de alguns antidepressivos. E, como é simples, conseguimos automatizá-la”.

*O sobrenome foi omitido para preservar a identidade da entrevistada

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