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Escritor usa literatura fantástica para refletir sobre doença autoimune

Brasileiro se inspirou na própria condição para criar o protagonista de um universo repleto de aventuras, feitiços e seres como elfos e dragões

Por Diogo Sponchiato
Atualizado em 14 jul 2021, 16h14 - Publicado em 14 jul 2021, 16h09

Um mago com alergia à… magia! Esse é Ravel, o protagonista do mundo criado pelo escritor baiano Flavio A.S. Fernandes. Um sujeito que, a cada feitiço conjurado, sofre com dores que se espalham pelo corpo inteiro. Mesmo sendo um mago dos bons, Ravel tem uma condição que ataca seu próprio organismo quando sai fazendo aquilo que mais sabe fazer, magia.

É impressão minha (e sua) ou essa história remete a alguma doença autoimune? Não é impressão, não. O criador de Ravel se inspirou na sua própria experiência para verter nas páginas as aventuras e os sofrimentos psíquicos e físicos do personagem. Flavio A.S. Fernandes convive com a policondrite recidivante, um distúrbio autoimune que agride sobretudo as cartilagens (das articulações, das orelhas, do tórax etc).

Assim, muitas das atribulações que vivenciou com a sua condição são transpostas para o herói de Contos de Awnya: Ravel. O romance, claro, não se resume à luta interna do protagonista com a “alergia à magia”. Há vilões de sobra, companheiros, flertes e referências que soarão familiares aos apreciadores de Senhor dos Anéis, The Witcher ou Harry Potter (orcs, anões, elfos e muito feitiço).

No bate-papo abaixo, Fernandes conta suas inspirações literárias, até que ponto o diagnóstico da doença influenciou sua imaginação, como a escrita ajuda a lidar com a condição e de que forma aprender a ter controle emocional faz diferença para os êxitos na ficção e na vida real.

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foto da capa do livro RAVEL
(Divulgação/Divulgação)

Contos de Awnya: Ravel
Autor: Flavio A.S. Fernandes
Páginas: 426
Editora: Independente

 

VEJA SAÚDE: Como surgiu a ideia de escrever uma obra de literatura fantástica tendo como um dos pilares de inspiração sua relação com a doença autoimune?

Flavio A.S. Fernandes: Eu amo escrever e a literatura fantástica é a minha favorita. Sou muito fã das obras de Tolkien [autor de O Senhor dos Anéis] e Andrzej Sapkowski [criador da série The Witcher]. Desde os 15 anos eu crio histórias, talvez até antes, se considerar as invencionices de criança. Então estou sempre pensando em histórias. A inspiração para elas vem de uma imagem, uma música, uma viagem, sempre são coisas que me cercam. Quando recebi o diagnóstico da doença e começou todo o processo de aceitação e superação, não poderia ser diferente. Eu tinha que falar sobre o tema. E, como minha mente teve um papel fundamental nessa jornada, nada como usar um mago para transmitir a mensagem.

Quais experiências diante da doença autoimune e das dores que ela pode provocar, em todos os sentidos, foram adaptadas e trabalhadas em Contos de Awnya: Ravel?

As dores que Ravel sente toda vez que conjura o feitiço são as dores que eu senti. Dores nas cartilagens dos joelhos, dos dedos, das orelhas, do esterno, da traqueia. No livro eu fiz uma progressão para representar um gradual agravamento da doença, de dores nas articulações até culminar em um ataque fatal no coração. Na realidade, as dores são aleatórias, desconheço uma escala de evolução. Eu tive medo de morrer ou, de repente, a doença piorar de forma irreversível. E esse sentimento de medo e incerteza eu quis passar para o personagem.

Quais são os principais paralelos que traçaria em torno das condições que você e Ravel enfrentam? Na obra, notamos um conflito com o “diagnóstico” por parte do protagonista e depois o impacto da autoaceitação para lidar melhor com as situações.

Isso se espelha muito em minha vida, sim. Na história, Ravel é um mago muito ciente e seguro de suas capacidades que se recusa a admitir que está doente, chamando aquilo de “condição”. Acho que eu tive um pouco desse comportamento. A policondrite recidivante é uma doença rara cujo diagnóstico é clínico, ou seja, não existe um exame que diga que você tem a doença. Foi inevitável me questionar: será que eu tenho isso mesmo? Não podem os médicos estarem equivocados? Por que eu? A negação foi uma autodefesa que não se sustentou a longo prazo. O que passou a funcionar para mim foi aceitar e, a partir disso, compreender o que fazia a doença ativar e o que a fazia regredir, e assim viver em paz.

O lema da escola de magia de Ravel é “nossa mente, nosso poder”. Entre pacientes e médicos, fala-se muito sobre o impacto da saúde mental no controle de doenças autoimunes. Como isso se traduz em sua vivência e no desenvolvimento do personagem?

Nossa mente é um instrumento muito poderoso, se ele vai ser útil ou não depende do uso. É como um martelo, ele serve para bater de forma eficaz o prego, mas, se você não usa bem, acerta o dedo e se machuca. Somos responsáveis pelo que pensamos e o que cultivamos em nossa mente. Muitas vezes guardamos pesos que nem sabemos, mas nossa mente sabe e isso repercute em nosso corpo, seja com uma dor de cabeça ou de barriga, por exemplo. Durante um ano lidando com a doença eu senti na pele como nossa mente é capaz de nos ajudar e também nos prejudicar. O estresse, a ansiedade e a raiva agiam direto em minhas cartilagens, ativando terríveis crises de dor. Quando compreendi isso, passei a lidar melhor com a dor e a antecipar crises evitando a piora. Assim, dentre todos os personagens de fantasia, creio que o mago é o que mais representa o poder do conhecimento e da mente. Então, não foi difícil imaginar que um mago seria o personagem perfeito para passar por esse problema e carregar essa mensagem.

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foto do escritor em noite de autógrafos de um livro
(Acervo pessoal/Divulgação)

Hoje se fala bastante em escritaterapia… Até que ponto transmitir ideias e criações para o papel auxilia você a não só superar desafios ligados à doença mas também as dificuldades do dia a dia?

Eu amo escrever! Fazer o que a gente gosta é um maravilhoso remédio, não esquecendo, claro, as recomendações médicas. Acredito muito que só isso já me ajuda bastante, pois é como se, no momento da escrita, minha mente não estivesse no corpo. Eu me desligo completamente do mundo que me cerca e foco na história que está sendo criada. Penso que, com isso, meu corpo descansa, aliviando eventuais estresses, ansiedades e outros problemas. No caso específico deste livro, eu tive que fazer uma autoanálise para perceber como tudo começou e isso me ajudou não só na construção do personagem como também no aprendizado para lidar com a doença.

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Tem planos para escrever novos livros dentro e fora desse universo temático?

Sim, Contos de Awnya terá novos títulos. No meu site, coloquei um mapa completo do mundo de Awnya. O mundo é extenso e diverso. Tem muitas histórias para serem contadas, muitos temas para serem discutidos e muitos lugares para serem explorados. A maravilha da fantasia é que podemos superlativar fatos da realidade de modo que fiquem mais claros para serem entendidos e debatidos.

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