Entrevista: nos bastidores cerebrais do desejo
Novo livro se debruça sobre as influências da dopamina, a molécula do prazer, sobre nossos comportamentos e compulsões. Conversamos com o autor
Quem assistiu à série de TV Seinfeld deve se lembrar do personagem George Costanza. Melhor amigo do protagonista, ele se apaixona em quase todos os 180 episódios. Mas basta ter seu amor correspondido para querer pular fora da relação. Não por acaso, passa uma temporada inteira tentando se livrar da noiva. Quando ela morre, George não chora de tristeza; suspira de alívio.
Sua trajetória tem tudo a ver com a dopamina, um dos mais importantes mensageiros cerebrais. É o que afirma o psiquiatra Daniel Z. Lieberman em Dopamina – A Molécula do Desejo (Sextante), escrito ao lado do roteirista Michael Long.
A série ilustra o ciclo de busca de uma recompensa — e o que acontece assim que ela é atingida —, algo mediado pelo neurotransmissor. Muito além das paixões, os autores elucidam como a substância está envolvida numa série de atividades e necessidades diárias. E mantém conexão com a criatividade e o sono. Precisa resolver um problema? Procure transformá-lo em imagens e pense nele antes de dormir. A dopamina ajuda a achar a solução.
Confira a entrevista exclusiva de Daniel Lieberman a VEJA SAÚDE.
Dopamina - a molécula do desejo (Sextante)
VEJA SAÚDE: Por que a dopamina é tão essencial à nossa vida?
Daniel Lieberman: Recebemos uma descarga de dopamina toda vez que compramos algo, vencemos uma competição ou nos apaixonamos. Mas dar prazer é apenas uma parte do que ela é capaz de fazer. Sua função principal é maximizar os recursos futuros.
É mais sobre a expectativa do prazer do que sobre o prazer em si. Vemos isso quando nos arrependemos de algo que compramos.
Experimentamos uma excitação quando pensamos na compra, mas ela vai logo embora quando a expectativa se torna realidade. Isso porque a dopamina só é ativada quando pensamos em coisas no futuro.
E é desligada, e outros neurotransmissores assumem o controle, quando pensamos em coisas que estão acontecendo agora.
Mas existem outros neurotransmissores ligados à sensação de bem-estar, caso de serotonina e endorfina. Como a dopamina se diferencia deles?
A serotonina e a endorfina atuam no momento presente. Gosto de chamá-las de neurotransmissores “aqui e agora”.
A serotonina modula o humor e a endorfina dá prazer, mas, veja bem, é um prazer diferente do da dopamina. Imagine como você se sentiria se, um dia, descobrisse que tem 1 milhão a mais na sua conta do que o esperado.
Receberia, com certeza, uma descarga e tanto de dopamina. Caso isso acontecesse, sentiria que sua vida seria um pouco melhor do que tinha imaginado antes.
Agora vamos à endorfina. Uma atividade que estimula sua produção é o exercício físico, que faz você se sentir bem naquele momento. É um sentimento de contentamento e satisfação. Tudo está bem e nada precisa mudar. A excitação da dopamina é substituída pela satisfação da endorfina. Usamos a mesma palavra para descrever dois prazeres diferentes.
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O que nos faz liberar dopamina?
Para nossa vida melhorar, algo inesperado precisa acontecer. Se eu como uma rosquinha todo dia no café da manhã, por mais gostosa que ela seja, isso não vai liberar dopamina, porque eu já sabia que isso ia acontecer. Não há novidade nisso.
Agora, se minha mulher resolve fazer uma surpresa e me prepara um café da manhã delicioso, isso vai produzir dopamina.
Outro exemplo: lembra da última vez que recebeu um aumento? Na primeira vez que abriu seu contracheque, recebeu uma descarga de excitação. Era uma novidade que poderia mudar sua vida. Mas, seis meses depois, as coisas voltam ao normal. A dopamina só é liberada quando as coisas são melhores do que pensávamos que seriam.
O nome técnico disso é “erro de previsão de recompensa”. Nosso cérebro está constantemente fazendo previsões sobre recursos disponíveis. Quando as coisas são melhores do que o esperado, ou você comete um erro de previsão, há uma descarga
de dopamina.
Qual foi sua descoberta mais surpreendente após estudar a natureza da dopamina?
Essa molécula só é liberada em situações inesperadas. E, na maior parte das vezes, está fora do nosso controle.
Você pode ter recebido uma dose de dopamina na primeira vez que ligou sua TV nova de não sei quantas polegadas, mas não pode tornar a sentir toda vez que assistir à TV. Da mesma forma, pode ter recebido uma grande dose quando conheceu aquela pessoa especial. Mas, depois de um tempo de namoro, não importa o que faça, o relacionamento se torna rotina.
Uma vida em busca de dopamina está fadada à insatisfação. Devemos aprender a aproveitar as coisas que temos sem buscar sempre mais e mais.
Mas tem gente que se diz viciada em adrenalina… Dopamina não vicia também?
São coisas diferentes. A adrenalina é liberada quando estamos sob estresse. No caso mais extremo, uma situação de vida ou morte. Ironicamente, quando enfrentamos risco de morte em potencial, é quando nos sentimos mais vivos.
Os paraquedistas costumam descrever sentimentos quase transcendentais quando saltam de avião. Isso faz parte do apelo dos esportes radicais.
A dopamina, por outro lado, vem da busca por algo mais: mais fama, mais dinheiro, mais curtidas nas redes sociais, mais roupas, mais carros, mais drogas, mais sexo… A dopamina pode nos motivar a superar obstáculos e a alcançar objetivos, mas também pode nos escravizar.
Afinal, é melhor ter muita ou pouca dopamina na cabeça?
Como quase tudo na vida, muita e pouca dopamina são ruins. Precisamos encontrar um meio-termo. Alguém com pouca dopamina não tem interesse na vida. Nada dá prazer e não vale a pena trabalhar.
Tem baixa motivação e dificuldade para superar até os obstáculos mais banais. Em muitos casos, isso leva à depressão. Ter muita dopamina, por outro lado, leva uma pessoa a querer mais e mais, sem nunca aproveitar os frutos de seu trabalho. Pode levar, em último caso, até mesmo ao vício.
E também a uma vida de infelicidade.
Imagina um futuro com pílulas de dopamina sintética?
Não podemos consumir dopamina diretamente, porque ela não pode passar da corrente sanguínea para o cérebro. Mas alguns medicamentos, para o tratamento do TDAH e da depressão, foram desenvolvidos para otimizar os níveis de dopamina no cérebro, e eles são bastante populares.
Algumas pessoas chegam a tomar essas drogas na tentativa de funcionar em um nível além do normal, mas, infelizmente, isso não acontece.
Podemos tratar alguns distúrbios com sucesso, mas, quando tentamos acelerar o cérebro e forçá-lo a trabalhar de maneira não natural, simplesmente não dá certo.
Há especialistas defendendo uma espécie de “jejum de dopamina” com o objetivo de melhorar a vida pessoal e profissional. Faz sentido para você?
Na sociedade moderna, é fácil ficar obcecado por picos de dopamina. Mas, depois de um tempo, o sistema dopaminérgico torna-se insensível e funções importantes da dopamina, como a motivação e o entusiasmo, começam a enfraquecer.
Ao evitar as emoções da dopamina, você pode resetar o sistema. Isso levou à história do “jejum de dopamina”. Porém, não sou fã dele.
É como fazer dieta ioiô. A pessoa faz esforços hercúleos para perder peso. Chega a abrir mão de seus alimentos favoritos. Mas, quando a dieta acaba, volta a consumi-los em excesso e a engordar. Não é melhor fazer pequenas mudanças na alimentação e desenvolver uma moderação consciente?
O importante é você tentar assumir o controle de sua dopamina. E não ser controlado por ela.