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Varíola dos macacos: o que sabemos (e não sabemos) sobre o monkeypox

Subida de casos chama a atenção, mas a situação deve ser diferente da do coronavírus, explicam especialistas. Conheça os sintomas, a transmissão e mais

Por Chloé Pinheiro
26 Maio 2022, 11h28

O surgimento da varíola dos macacos em diversos países onde ela não ocorre acendeu uma preocupação entre especialistas e entre a população, que passou a se preocupar com a transmissão, os sintomas e a severidade do quadro. Até o dia 25 de maio, 219 casos foram confirmados em cerca de 20 países fora da África. 

Os primeiros registros da doença, provocada pelo vírus monkeypox, começaram a ser feitos na segunda semana de maio, e o sequenciamento genético do vírus atual foi feito no dia 19. Ou seja, é cedo demais para fazer afirmações precisas sobre a disseminação, a letalidade e os possíveis rumos do patógeno.

De qualquer modo, como aponta a revista científica Nature, o número de casos detectados fora do continente africano nos últimos dias já ultrapassou o acumulado dos últimos 50 anos. Daí a necessidade de monitorar a situação e pensar em políticas de contenção. 

“Com o alerta mundial que foi dado, e por ser uma doença de fácil identificação e bloqueio, a tendência é que tenhamos um aumento de notificações seguido por uma estabilização”, comenta o infectologista Alexandre Naime, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). 

Apesar do cenário novo, a varíola dos macacos é conhecida e monitorada há décadas. Vamos, então, ao que sabemos com mais certeza e o que ainda é dúvida.  

Varíola dos macacos é menos perigosa do que a “humana” 

Ela é uma parente mais branda da varíola humana. “A maior parte dos infectados tem um quadro inicial com mal-estar, dor de cabeça, dor no corpo e febre. Alguns dias depois, aparecem as lesões na pele”, aponta o infectologista Gerson Salvador, da Universidade de São Paulo (USP)

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Nesta fase, pode ocorrer um inchaço dos gânglios – os linfonodos localizados no pescoço, axilas e virilha. “As feridas em geral começam vermelhas e planas, depois viram pústulas [bolhas com pus] e, por fim, cicatrizam”, destaca Naime. É na fase purulenta que a transmissão é maior. 

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Como costuma ocorrer com as doenças virais, a maioria dos casos se resolve em poucas semanas (de duas a quatro, em média). “No entanto, ela pode ser fatal”, pontua Salvador. Estão em maior risco indivíduos com comprometimentos no sistema imune, como idosos e portadores de doenças crônicas. 

Existem dois principais subtipos do monkeypox: 

  1. O que acomete a África Central, com destaque para o Congo, tem uma letalidade de 10% – um índice elevado
  2. O mais comum no oeste africano, causador do surto atual, que possua uma letalidade de 2 a 3%, semelhante à Covid-19 

Para ter ideia, a versão mais grave da varíola humana matava até 30% dos infectados. Estima-se que a doença, erradicada do planeta em 1977 graças à vacinação em massa, tenha vitimado cerca de 300 milhões de pessoas ao longo da história. 

O vírus é mais estável e menos transmissível que o Sars-CoV-2 

A bem da verdade, são coisas difíceis de comparar. O monkeypox é um vírus feito de DNA, molécula mais estável e complexa que o RNA, principal componente genético do coronavírus. 

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Os vírus de RNA têm menos mecanismos para conter erros na hora de duplicar seu material genético. Por isso, sofrem mais mutações que dão origem a variantes imprevisíveis – como vimos com o coronavírus

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É claro que os patógenos de DNA também sofrem mutações, mas elas são mais discretas e menos frequentes. “As primeiras análises mostram pequenas diferenças entre a linhagem original, mas não sabemos o que isso muda no comportamento do vírus”, aponta o virologista Fernando Spilki, integrante do CâmaraPox, comitê de acompanhamento da varíola dos macacos instaurado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

Além disso, por ser mais pesado e maior, o monkeypox parece não conseguir ficar tanto tempo suspenso no ar ou viajar em partículas menores, como as gotículas nas quais o Sars-Cov-2 pega carona. Ou seja, sua capacidade de se disseminar seria menor por essa via.

Varíola dos macacos não é uma doença nova 

Ela foi descoberta em 1958, em uma colônia de macacos que viviam num laboratório na Dinamarca. A primeira infecção em humanos foi diagnosticada em 1970 no Congo, país que até hoje concentra o maior número de casos da doença. 

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A África convive com a varíola do macaco há bastante tempo – ela é considerada endêmica em 11 países. Isso, aliás, chama a atenção para a questão das doenças negligenciadas, que atingem países pobres e recebem menos investimentos em pesquisas para tratamento e prevenção.  

Esse não é o primeiro surto fora do continente. Em 2003, 70 casos ocorreram em uma mesma região dos Estados Unidos, depois que roedores importados de Gana infectaram esquilos de estimação. 

Macacos podem nem ter a ver com isso 

A doença é uma zoonose – ou seja, ela passa dos animais para o ser humano. Mas, claro, também é transmitida diretamente entre nós, como estamos vendo agora. 

Apesar do nome, a teoria mais bem aceita é a de que os roedores são os principais vetores da doença. “O contágio ocorre mais facilmente no contato com o animal doente, por meio de mordidas, secreções ou ingestão de carne contaminada”, explica Salvador. 

Como diversas espécies são hospedeiras, incluindo as domésticas, diminuir o contato com esses animais é importante para conter o surto. “Se um humano contaminar uma espécie da cidade, doméstico ou de zoológicos, eles podem se tornar reservatórios para o vírus”, afirma Spilki. 

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Vacina e remédios contra outras doenças podem ajudar 

A vacina contra a varíola humana oferece proteção cruzada. Segundo dados anteriores da África, a eficácia em prevenir a infecção chega a 85%. Só que esse imunizante não é usado há mais de 40 anos. 

Novos lotes até poderiam ser produzidos. Mas, por conter o vírus vivo de uma doença que desapareceu do planeta, provavelmente essa vacina seria usada com muita parcimônia, em pessoas do grupo de risco ou altamente expostas ao patógeno. 

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Já a questão do tratamento é controversa. Não há medicamentos aprovados para a varíola do macaco, mas antivirais usados contra outros patógenos foram testados em animais.

Por exemplo: a combinação de cidofovir e brincidofovir, que tratam citomegalovírus e varíola humana, respectivamente, já demonstrou ação contra a versão do macaco em estudos preliminares. A droga tecovirimate, também para a varíola clássica, seria outra opção. 

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Cabe dizer que os três fármacos não estão registrados no Brasil – todos foram aprovados nos Estados Unidos. E que pesquisas em seres humanos seriam necessárias para garantir a eficácia e a segurança dessas alternativas diante da varíola dos macacos.

“Por fim, existe ainda a opção de dar a imunoglobulina da varíola, que seriam anticorpos já prontos, para indivíduos infectados em alto risco de agravamento do quadro”, conta Naime. 

Transmissão da varíola humana parece ocorrer pelo contato pele a pele 

De acordo com a OMS, a principal via de transmissão é o contato próximo com alguém infectado, por meio de gotículas respiratórias e fluidos corporais. A via sexual ainda está sendo estudada, mas parece ser mais uma questão de proximidade física do que do sexo em si. 

“Se sabe que é um vírus que resiste por muito tempo no ambiente. Daí a preocupação com compartilhamento de objetos e materiais contaminados, como roupa de cama”, comenta Spilki. 

O período de incubação da doença pode variar entre 5 e 21 dias, o que ajudaria a explicar sua disseminação pelo mundo. Alguém que viajou infectado, por exemplo, só seria diagnosticado em outro país. Mas a transmissão, como dissemos, é mais comum na fase sintomática.

Infecção não está restrita a homens que fazem sexo com outros homens 

Apesar de a maioria dos casos ter sido diagnosticada em homens jovens que afirmam fazer sexo com outros homens, não foram só eles os acometidos. E não se trata de uma doença sexualmente transmissível “entre homossexuais”, um conceito infundado, que lembra a época do auge do HIV

“De forma nenhuma devemos estigmatizar essa questão, porque qualquer pessoa que mantenha contato com alguém infectado pode se contaminar”, pontua Naime. 

É possível, por exemplo, que o primeiro infectado por um animal tenha comparecido a um evento frequentado por um número alto de homens que fazem sexo com outros homens. Daí a doença se espalhou entre eles. 

Dá para conter o surto 

Como a transmissão ocorre mais na fase sintomática, é simples treinar profissionais de saúde e orientar a população para que o diagnóstico precoce aconteça. “Precisamos isolar e receber adequadamente os primeiros pacientes, além de rastrear seus contatos”, aponta Spilki. 

Também é importante manter a vigilância epidemiológica contínua e seguir estudando os casos já confirmados, até para responder dúvidas em aberto. Destacamos duas principais: 

Por que a varíola dos macacos está se espalhando agora? 

Algumas teorias estão em estudo. Uma postula que a população está mais suscetível agora, já que praticamente todos os menores de 50 anos não foram vacinados para a varíola humana, que garantia proteção cruzada no passado. 

Outra é a possibilidade de um evento super espalhador, como uma festa. “Há eventos do tipo em investigação no Canadá e na Espanha. Nesse cenário, uma pessoa infectada teria entrado em contato com muitas outras, que viajaram para outros países”, diz Naime. 

Isso seria mais fácil no momento atual, de retomada intensa de deslocamentos internacionais, retorno de aglomerações e relaxamento de medidas preventivas como o uso de máscaras

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Há de se destacar ainda que é normal que doenças emergentes surjam. Nas últimas décadas, a circulação de pessoas entre países cresceu consideravelmente, o que facilita o espalhamento de agentes infecciosos.

No mais, com a pandemia, as autoridades passaram a monitorar novas infecções com mais atenção. Qualquer novo surto, então, ganha mais visibilidade, inclusive da imprensa. 

“Temos dois desses agora, a varíola dos macacos e a hepatite de origem desconhecida. Além da questão da circulação maior, também diagnosticamos e identificamos o patógeno mais rápido hoje em dia”, comenta Salvador.

Por fim, as mudanças climáticas e a perda de vegetação natural facilitam o contato entre animais silvestres e espécies que interagem com o homem. Se espera um aumento das doenças infecciosas para os próximos anos por conta disso. 

Qual deve ser o tamanho do problema? 

Considerando tudo isso, a chegada da doença ao Brasil parece uma questão de tempo, embora não seja possível prever quando e com que intensidade. Mas isso não deve ser motivo para pânico. “A princípio, a varíola do macaco não se espalha tão rápido como a Covid”, ressalta Salvador. 

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sugere uso de máscaras e reforço no distanciamento para adiar a chegada do patógeno e seu possível espalhamento. De resto, não é preciso tomar nenhuma medida extra de proteção até o momento. “É mais um problema dos estudiosos e dos profissionais de saúde, que devem agir justamente para evitar um problema de saúde pública”, completa o infectologista da USP. 

Por fim, não custa reforçar: médicos e autoridades estão aprendendo a lidar com a questão, que apareceu no cenário internacional há menos de um mês. Desconfie, portanto, das certezas que encontrar por aí.

 

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