Vacina para Covid-19 e trombose: faz sentido ter receio?
Tem gente evitando o imunizante da AstraZeneca e usando o medo de trombose como justificativa. Investigamos essa história
Diante de relatos de trombose após a aplicação da Covishield, vacina da AstraZeneca contra a Covid-19, há pessoas evitando esse imunizante. Mas o risco ao deixar de tomar a vacina é muito maior do que o de ter alguma reação adversa grave, alertam médicos e autoridades.
As ocorrências registradas até agora são de trombocitopenia, um tipo bem específico e incomum de trombose, associada à queda no número de plaquetas no sangue. Como a trombose clássica, o fenômeno é caracterizado pela formação de um coágulo no sangue (ou trombo) que obstrui ou dificulta a circulação de um vaso sanguíneo.
Mas o mecanismo é diferente. Ou seja, ter tido um problema circulatório no passado não necessariamente é um impeditivo para tomar essa vacina. Ainda assim, tem médico dando atestado para que seus pacientes não a recebam, com a justificativa de que eles estariam em risco de desenvolver o tal quadro.
Para evitar essa falha na comunicação, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou uma nota informando que tais casos são raros e que os benefícios superam o risco do produto. No texto, a entidade recomenda a continuidade da vacinação de acordo com as orientações descritas na bula.
“Não tomar qualquer imunizante aprovado por causa de seus riscos é como não andar de avião porque ele pode cair. É mais importante se proteger da Covid-19, que pode ser fatal e deixar sequelas, do que ficar escolhendo vacina”, afirma Bruno Naves, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV).
As bulas das vacinas da AstraZeneca e da Janssen – as duas têm tecnologia similar – chamam esse evento de “trombose em combinação com trombocitopenia associado a vacinas contra Covid com vetor de adenovírus”, e o classificam como “muito raro”.
De acordo com o Ministério da Saúde, a incidência nos países europeus, onde os casos foram descritos, é de 1 a 8 casos por milhão de indivíduos vacinados (menos de 0,008%). Agora, se esse mesmo milhão pegasse Covid-19 no Brasil, teríamos 2 278 mortes a mais, entre os mais de meio milhão de vitimados pela doença.
Diferenciando as situações
A trombose relacionada à vacina é diferente daquelas normalmente tratadas em consultórios médicos. “São mecanismos distintos. Uma pessoa pode ter a tendência à trombose e, ao ser exposta a fatores de risco, como tabagismo e anticoncepcionais, seu sistema de coagulação se altera e forma o coágulo”, comenta Naves.
“No caso da vacina, ela ocorre nos seios cavernosos, no cérebro, ou no meio da barriga e é uma resposta imunológica”, continua o médico. A hipótese principal em investigação (ainda não confirmada) é a de que as doses poderiam desencadear uma reação do próprio sistema imune a uma molécula específica das plaquetas do sangue.
É preciso procurar um médico se, depois de tomar a vacina, aparecerem problemas como falta de ar, dor abdominal persistente, membros inchados, borrão na visão, confusão mental, ou manchas vermelhas.
“Reações adversas são comuns, mas, na presença de sintomas fortes após a primeira dose, o ideal é procurar um médico para saber se é recomendado tomar a segunda”, avalia o angiologista e cirurgião vascular da SBACV.
A bula diz ainda que pessoas com trombocitopenia, distúrbios da coagulação ou em terapia anticoagulante podem ter sangramentos e hematoma após a injeção intramuscular. Para evitar isso, basta pressionar a região do braço por cinco minutos e usar gelo. “Todas as unidades que estão aplicando as vacinas possuem um médico-assistente à disposição, que pode esclarecer qualquer questão e oferecer atendimento”, acrescenta a cirurgiã vascular Fátima El Hajj, também membro da SBACV.
E as grávidas?
Recentemente, a Anvisa reforçou que a vacinação da AstraZeneca em grávidas permanece suspensa. Como a fórmula da Janssen tem a mesma plataforma, ela também não é indicada a elas.
A decisão foi tomada por precaução em maio, a partir da morte de uma gestante. Mas a reação à vacina não ocorreu por causa da gravidez. Na verdade, os primeiros resultados da vacinação entre elas têm sido animadores, tanto do ponto de vista de segurança quanto de eficácia.
“Os fenômenos tromboembólicos clássicos acontecem com maior frequência na gestação ou com uso de anticoncepcional relacionado ao cigarro, por exemplo, mas o que aconteceu foi uma triste coincidência, um caso de trombocitopenia associado à vacina, em uma mulher que estava grávida”, explica Juarez Cunha, presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
A Comirnaty, dose da Pfizer, ou a CoronaVac, do Butantan, são as melhores opções nesse público. “O Ministério da Saúde recomenda as duas para grávidas e puérperas [mulheres no período de 45 dias após o parto]”, reforça Agnaldo Lopes, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Para as gestantes que já tomaram a primeira dose da AstraZeneca, a orientação é aguardar o nascimento do bebê para receber a segunda.
A Prefeitura do Rio de Janeiro passou a sugerir que grávidas nessa situação completem seus esquemas com uma segunda dose da Pfizer, “mediante avaliação dos riscos e benefícios com seus médicos”, mas ainda não há consenso sobre o tema.
“Estudos sobre combinações de vacinas estão avançando, mas não há nada confirmado sobre grávidas. Queremos mais gestantes imunizadas, mas é preciso ter cautela para tomar cada decisão”, opina Juarez Cunha.