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Onda de Covid na China é alerta para o resto do mundo

Em meio a incertezas em relação aos números de contaminados e mortos, cenas de hospitais e necrotérios lotados são lembrete de que a pandemia não acabou

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 23 dez 2022, 15h01 - Publicado em 23 dez 2022, 15h01

Depois de encerrar abruptamente sua política “Covid zero”, a China vive agora uma explosão de casos de coronavírus. Os números oficiais ainda registram poucas mortes e casos, mas os relatos da imprensa, com cenas de UTIs superlotadas e longas filas de carros em necrotérios, apontam para um cenário alarmante. 

De acordo com o governo, o país teve, até agora, 5 241 mortes. A Organização Mundial de Saúde (OMS) conta 31 509, números bem menores do que a média mundial. Porém, com a perspectiva de que 60% da população chinesa (ou 800 milhões de pessoas) se contamine, essa estatística vai mudar rápido. 

Um estudo, ainda não revisado por pares, conduzido por pesquisadores de Hong Kong, aponta para um milhão de mortes nos próximos meses se o país mantiver a postura atual. À revista científica Nature, um epidemiologista da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, calcula que os óbitos podem chegar a 9 mil por dia em março. 

Já uma projeção feita pela empresa de dados de saúde Airfinity aponta que 5 mil pessoas estão falecendo por dia no país. 

Para os especialistas, o momento é delicado e deveria servir de alerta para o resto do mundo. “Estamos vendo, como no início de 2020, uma onda começando na China com muita gente infectada, sem termos todas as informações que precisamos”, aponta a infectologista Rosana Richtmann, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo. 

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O fim da “Covid zero”

Durante a maior parte da pandemia, a China adotou um modelo rígido e bem-sucedido de controle da disseminação do vírus. As medidas incluíam lockdowns severos assim que novos casos eram confirmados numa região, testagem em massa e quarentenas fiscalizadas para infectados.

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Apesar de eficaz do ponto de vista de saúde pública, a estratégia se mostrou insustentável à medida que o mundo ia se abrindo, agora vacinado e com uma variante menos agressiva, a Ômicron, em circulação. Assim, o governo começou a ser pressionado pela população em novembro. 

Com as manifestações, o governo mudou radicalmente de atitude: restringiu os lockdowns a pequenos espaços e deixou de testar pessoas em massa e de exigir o exame para entrada em locais públicos. “A mudança foi irresponsável, pois se passou de 8 para 80”, comenta o infectologista José David Urbaez, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). 

Ou seja, era certo que seria necessário flexibilizar, mas essa transição deveria ter sido planejada. E houve tempo para isso. 

“É bom contextualizar que o país fez a lição de casa, mas era preciso avançar em dois pontos antes de alterar suas regras: aumentar o número de leitos hospitalares e, principalmente, melhorar a vacinação”, aponta o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

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A questão da vacinação na China 

Para os especialistas, um dos motivos para a situação dramática é a baixa cobertura vacinal das doses de reforço, em especial entre os idosos, público mais vulnerável aos quadros graves de Covid. 

Dos 260 milhões de chineses com mais de 60 anos, 70% receberam a terceira dose  — depois de um mega esforço nos últimos meses — e, acima dos 80 anos, a cobertura é de 40%. 

Além disso, a China utiliza, desde o início da pandemia, vacinas de vírus inativado, como a Coronavac, que têm uma eficácia menor do que os imunizantes de RNA mensageiro, como o da Pfizer

+ Veja também: Tudo sobre as vacinas contra a Covid-19 sendo aplicadas no Brasil

Com o surgimento das variantes do Sars-CoV-2, a diferença ficou ainda mais evidente, em especial nos idosos, que já respondem pior às vacinas em geral por terem um sistema imune menos robusto. 

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“A resposta imune diminuiu, e, entre as diversas plataformas, a da Coronavac apresentou a maior queda de efetividade”, comenta Croda, que conduziu estudos pioneiros avaliando a questão. 

No início da pandemia, a estratégia de usar o vírus inativado foi uma solução boa, barata e rápida, que de fato salvou milhares de vidas. “No curto prazo, foi excelente, mas sabíamos que ela teria uma potência mais baixa, e, com o tempo, o modelo de reforço com as vacinas de RNA mensageiro se mostrou mais eficiente”, destaca Urbaez. 

“No contexto da Ômicron, descobrimos que, entre quem recebeu três doses de Coronavac, a proteção ficou em torno de 47% nos primeiros 60 dias, chegando a 20% em 120 dias. Já com o reforço da Pfizer, a taxa foi superior a 60%, e se manteve com o tempo”, comenta Croda. 

A culpa é de uma nova variante? 

Na China, assim como no resto do mundo, circulam subvariantes da Ômicron, a versão mais transmissível do coronavírus que tomou conta do mundo em 2022.

Recentemente, uma em especial, chamada BF.7, foi apontada como responsável pela explosão de casos no país asiático. “Ela é uma derivada da BA.5, que está circulando por aqui, provavelmente com maior capacidade de transmissibilidade”, destaca Rosana. 

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Urbaez ressalta, contudo, que, independente da variante por trás do surto em questão, qualquer uma poderia provocar um cenário parecido. “O fator biológico é mínimo. O vírus está esperando como uma bola de futebol, a ser conduzida pelos jogadores, que somos nós”, compara. 

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Imunidade híbrida 

Fora a diferença na campanha de imunização, os chineses tiveram pouco contato com o vírus. “A ciência já demonstrou que a melhor forma de estar protegido, inclusive contra outras doenças, é combinar a vacinação com, entre aspas, um reforço natural pelo contato com o vírus depois da imunização”, comenta Rosana. 

Isso não quer dizer, nem de longe, que bastaria. então. que todos se infectassem, como apostam por aí os disseminadores da desinformação anti-vacina. “No Brasil, tivemos essa exposição desprotegida e os resultados foram desastrosos”, lembra a infectologista. 

+ Leia também: O que significa a tal da imunidade de rebanho?

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A ideia da vacina é justamente apresentar o vírus para o organismo para que, nos próximos encontros, a resposta imune já esteja montada, o que acaba funcionando também como uma “reativação” das defesas. E ocorre, ainda, uma espécie de junção de forças. 

“A infecção leve gera uma resposta menor e menos duradoura, em especial frente às novas variantes, enquanto a vacina gera uma resposta sistêmica efetiva, que protege de casos graves e mortes. Porém, o contato natural com o vírus gera uma imunidade na mucosa das vias aéreas, que é importante para reforçar a proteção contra a infecção”, comenta Croda. 

Apostar na infecção em massa da população, como parece estar fazendo a China, é perigoso mesmo no contexto da Ômicron. De fato, ela tem provocado menos casos graves, mas boa parte disso é resultado da vacinação. 

“São 1,4 bilhões de pessoas vulneráveis, então, mesmo que ela seja menos virulenta e uma porcentagem pequena de pessoas tenha casos graves, ainda assim estamos falando de centenas de milhares, quiçá milhões, de óbitos”, alerta Urbaez. 

As repercussões globais 

O país asiático passou a maior parte da pandemia fora do circuito planetário de disseminação. Vale dizer que 60% da população chinesa é o equivalente a 10% da população mundial. “Tudo o que vimos até agora em relação ao vírus circulou apenas do lado de cá, que não adotou regimes rígidos como a China”, diz Urbaez. 

Além de demonstrar que a pandemia está longe do fim, a alta transmissão em uma população gigante, virgem de contatos com o vírus, é um cenário perfeito para o surgimento de novas variantes

Isso porque, quanto mais indivíduos suscetíveis, sem nenhuma imunidade prévia, mais o vírus se replica. E, a cada replicação, sobe o risco de uma mutação que confira alguma vantagem a ele. “E não temos como garantir que estas mutantes serão menos agressivas”, complementa Urbaez. 

Por aqui, o cenário é um pouco mais otimista, dada a tragédia que vivemos no passado e o avanço da vacinação. “O impacto [de uma nova onda da China] seria menor, mas já estamos enfrentando nossa própria onda da subvariante BQ.1, com mais de 100 óbitos por dia, concentrados em pessoas imunocomprometidas e idosos com o esquema vacinal incompleto”, pontua Croda.

Outro trunfo nosso é que a maioria dos idosos recebeu doses de reforço de outros imunizantes que não a Coronavac.

Croda ressalta, contudo, outras possíveis consequências indiretas para nós. “Somos dependentes da China para a maior parte dos insumos de saúde, como seringas, agulhas e insumos para medicamentos”. 

Quando a pandemia começou, os chineses cancelaram a maioria das suas exportações para atender o mercado local. Com receio de que algo do tipo ocorra novamente, algumas farmácias dos Estados Unidos já estão racionando itens básicos, como remédios para febre e dor.  

A vacinação daqui para a frente 

Para nos prepararmos para o cenário que for, é muito importante reforçar a campanha de imunização — atualmente, a cobertura da dose de reforço está em 50%. A expectativa de que a partir de janeiro o governo brasileiro intensifique esforços e passe a usar vacinas bivalentes, que protegem contra o Sars-CoV-2 original e a Ômicron, anima os especialistas.

Na China, cientistas correm para acelerar a vacina inalável, que poderia ser mais eficaz em barrar a transmissão do vírus por atuar diretamente nas mucosas. “Seria a salvação da lavoura. Precisamos torcer, porque é muito preocupante que a China agora tenha entrado nesse jogo”, encerra Urbaez. 

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