Metanfetamina, cristal ou tina: consequências do vício e reabilitação
A dependência é associada a um conjunto de problemas de saúde, como danos cerebrais, cardiovasculares, dentários e psicológicos
O uso de metanfetamina cresce no mundo. Em 2021, cerca de 30 milhões de pessoas usaram substâncias da classe das anfetaminas, da qual o composto faz parte, de acordo com o último Relatório Mundial sobre Drogas, produzido pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).
Conhecida popularmente como cristal, tina, rebite, bola e crack dos ricos, a metanfetamina é um estimulante do sistema nervoso central. O composto age diretamente no cérebro, aumentando os níveis de neurotransmissores como a dopamina e noradrenalina.
Entre os efeitos iniciais estão uma sensação intensa de euforia, aumento de energia e alerta. Porém, há risco de dependência, que é associada a um conjunto de problemas de saúde, como danos cerebrais, cardiovasculares, dentários e psicológicos. Além do risco de overdose e morte.
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Origem da metanfetamina
A metanfetamina foi desenvolvida no início do século XX, a partir de modificações químicas da anfetamina, que já era usada como estimulante. Ela foi usada por militares durante a Segunda Guerra Mundial para aumentar o estado de alerta e reduzir o cansaço.
A droga se popularizou em alguns países para tratamento de condições como a narcolepsia e até para perda de peso, mas devido ao alto potencial de abuso e dependência, o uso terapêutico foi sendo restringido.
“Atualmente, alguns derivados anfetamínicos são comercializados como emagrecedores e para manter-se alerta, uso muito comum entre motoristas, muitas vezes comprados de maneira ilegal, sob nomes como bolinha, bola ou rebite. Um dos poucos vendidos legalmente no país é a lisdexanfetamina, usada para controlar os sintomas do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade“, pontua o farmacologista Lucas Gazarini, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Hoje, a metanfetamina é utilizada de maneira ilegal e “recreativa” no mundo, impondo graves riscos à saúde. De acordo com a ONU, os mercados da droga continuam a se expandir no Leste, Sudeste e no Sudoeste da Ásia. Dados sobre águas residuais mostram que o consumo tem aumentado a longo prazo em algumas regiões, em particular na Europa Ocidental e Central e no Sudeste da Europa.
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Como a metanfetamina é utilizada
A metanfetamina pode ser consumida de várias formas: fumada, inalada, injetada ou ingerida em comprimidos. Normalmente, é vendida como cristais transparentes para uso inalado ou injetável, depois de dissolvida em líquido.
“A forma cristalina também pode ser fumada, sendo uma das maneiras mais comuns de uso. Em comprimidos, a droga fica bastante parecida com qualquer outra pílula, sendo bastante difícil a identificação visual”, diz Gazarini.
O farmacologista explica que as vias de uso influenciam a rapidez com que a droga entra na corrente sanguínea e atinge o cérebro.
“As formas injetáveis e fumadas são as que causam efeitos mais rápidos e intensos, por uma maior disponibilidade no cérebro. O uso oral, em comprimidos, pode ter efeito que demora mais para surgir, mas tende a ser mais duradouro”, resume.
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Efeitos imediatos após o uso da metanfetamina
Independe da via de administração, o composto induz a liberação de dopamina e noradrenalina, transmissores que têm efeitos estimulantes no cérebro. Além disso, ele também impede o metabolismo dessas substâncias, o que causa uma ação prolongada.
Após o uso, os efeitos surgem rapidamente, especialmente se a droga for fumada ou injetada. Os principais efeitos imediatos incluem euforia intensa, redução do apetite e aumento da frequência cardíaca.
Pela liberação maciça de dopamina no cérebro, a pessoa experimenta uma sensação intensa de prazer e bem-estar e aumento de energia e alerta. O aumento da confiança favorece o aparecimento de comportamentos impulsivos e de risco, devido aos prejuízos no processo de tomada de decisão.
A supressão do apetite é induzida pela redução de mecanismos do hipotálamo, além de efeito indireto na sensação de energia e disposição. Por esse efeito, os anfetamínicos ainda são muito procurados de maneira equivocada e perigosa por quem quer perder peso.
Já o aumento na liberação de noradrenalina ativa centros de controle cardiovasculares, promovendo elevação da pressão arterial e alterações no ritmo cardíaco. Essas consequências podem ser arriscadas, especialmente para quem tem já convive com problemas no coração.
Efeitos colaterais da metanfetamina a curto prazo
Os impactos negativos da droga podem aparecer mesmo após uma única exposição, embora costumem piorar com o uso repetido.
• Agitação e ansiedade
• Insônia
• Agressividade e irritabilidade
• Dores de cabeça e boca seca
• Alucinações e paranoia
Mesmo no curto prazo, o uso intenso pode causar distorções da realidade e aumento da desconfiança. Esse efeito pode ser ainda mais forte em pessoas que tem histórico familiar de transtornos mentais, como a esquizofrenia.
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Efeitos colaterais a longo prazo
O uso crônico de metanfetamina causa prejuízos duradouros ao organismo:
• Danos ao cérebro: a exposição prolongada leva a uma adaptação do sistema nervoso, com redução nos níveis de neurotransmissores, levando a problemas de memória, aprendizado, planejamento e coordenação motora. Alguns estudos apontam morte de neurônios com o tempo.
• Problemas de saúde mental: é comum o desenvolvimento de sintomas psicóticos, incluindo alucinações, paranoia e delírios. Em alguns casos, esses sintomas podem persistir mesmo após a interrupção do uso, com a droga servindo como “gatilho” para o desenvolvimento de esquizofrenia. Durante a abstinência, é comum o humor deprimido e o cansaço extremo, que facilitam a busca pela droga como forma de “contornar” esses problemas.
• Perda de peso extrema e desnutrição: Devido à supressão do apetite e falta de autocuidado.
• Problemas dentários graves: Conhecida como “boca de metanfetamina”, essa condição inclui cáries severas, gengivas danificadas e perda de dentes, causada pela redução de saliva, alimentação inadequada e má higiene bucal. A metanfetamina também causa bruxismo, aumentando o desgaste dentário e risco de fraturas.
• Impactos no sistema cardiovascular: pelo aumento da pressão e taquicardia, há um aumento do risco de problemas sérios, como ataque cardíaco, hipertensão crônica e insuficiência cardíaca.
• Alterações na aparência física: o uso prolongado leva ao envelhecimento precoce, com pele desgastada e aparência abatida.
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Uma pessoa pode sofrer overdose de metanfetamina?
Sim. Aliás, uma das consequências mais graves do uso de metanfetamina é a overdose, que pode ser fatal.
“Muitos usuários tomam doses cada vez maiores para sentir os efeitos desejados. Esse aumento progressivo eleva o risco de overdose. Algumas vezes, o uso repetido de uma dose menor também pode representar o mesmo risco”, resume Gazarini.
O especialista explica que o risco aumenta com o uso de metanfetamina pura ou potente. “Como produtos de fabricação ilegal podem variar muito em pureza, uma dose considerada ‘habitual’ pode acabar sendo muito mais potente do que o esperado”, pontua.
Outro ponto crítico é a combinação do composto com drogas estimulantes, como a cocaína, ou substâncias depressoras, como álcool e opioides. A mistura sobrecarrega o organismo, potencializando alterações fisiológicas.
“Os principais sintomas de overdose de metanfetamina incluem o aumento extremo da frequência cardíaca e pressão arterial. acidente vascular cerebral, convulsões, febre extrema, confusão, delírios e agitação severa. O quadro requer atenção médica imediata, que se baseia no controle dos sintomas e estabilização cardiovascular e de convulsões, que representam o maior risco ao usuário”, pontua o farmacologista.
Como acontece a dependência
O risco de dependência é extremamente alto, um dos maiores entre as drogas ilícitas
O aumento maciço na liberação de neurotransmissores, responsável pelos efeitos imediatos de prazer, induz a um ajuste no sistema nervoso, que naturalmente passa a liberar menos neurotransmissores como forma de “freio”.
“Por isso, o uso contínuoleva a uma necessidade crescente de doses maiores para sentir o efeito, o que aumenta o risco de overdose e intensifica os danos físicos e psicológicos”, alerta o professor da UFMS.
No processo, o cérebro começa a depender da droga para sentir prazer, já que ele não libera mais quantidades suficientes dos neurotransmissores sem a presença da substância, podendo desencadear um ciclo de uso compulsivo.
“Isso resulta em uma ‘espiral da dependência‘, que começa com a obtenção de prazer imediato, segue com neuroadaptação e incapacidade de se sentir bem e culmina no uso compulsivo e escalonado da droga”, frisa.
Tratamentos para dependência de metanfetamina
O tratamento para dependência de metanfetamina envolve diferentes abordagens, que idealmente devem ser combinadas, em um formato de atenção multiprofissional.
“Não existem medicamentos específicos, o propósito da abordagem medicamentosa é controlar sintomas de abstinência e tratar comorbidades psiquiátricas, como ansiedade e depressão, durante a fase de desintoxicação”, explica Gazarini
A terapia cognitivo-comportamental ajuda o indivíduo a identificar e modificar hábitos e pensamentos relacionados ao uso de drogas, oferecendo estratégias para lidar com gatilhos e desenvolver habilidades de enfrentamento. Outras estratégias de psicoterapia também podem ser eficientes, embora essa abordagem seja a mais estudada.
“Para muitos, a reabilitação em clínicas especializadas é uma opção que oferece um ambiente seguro e estruturado, onde o paciente recebe apoio intensivo e reduz a chance de recaída, por acesso dificultado à droga. Participar de grupos como Narcóticos Anônimos, pode ajudar o paciente a manter a motivação para a recuperação e encontrar uma rede de apoio”, acrescenta.
A recuperação da dependência de metanfetamina é um processo gradual e desafiador que requer apoio contínuo e um plano de tratamento personalizado.
Atenção: os Narcóticos Anônimos oferecem linhas de ajuda em todos os estados e no Distrito Federal. Consulte aqui.