Meningite bacteriana deixa sequelas neurológicas em 1 a cada 3 crianças
Estudo mostra que consequências como dificuldade de movimentação e problemas auditivos e visuais são relativamente comuns após essa infecção. Como cuidar?
Em um amplo estudo, pesquisadores da Suécia avaliaram impactos da meningite bacteriana para a saúde a longo prazo. As conclusões são preocupantes: uma em cada três crianças afetadas pela infecção convive com deficiências neurológicas permanentes.
Entre as principais consequências do tipo, que podem durar a vida toda, estão problemas cognitivos, déficit motor, diminuição ou perda de visão e audição, além de transtornos psiquiátricos.
A pesquisa foi liderada pelo Instituto Karolinska, um dos mais renomados centros científicos da Europa. Os achados foram publicados no periódico JAMA Network Open.
O fardo da doença recai sobre pacientes e familiares, além de aumentar os custos em saúde com tratamentos e reabilitações. No Brasil, os dados do Ministério da Saúde apontam que, entre 2007 e 2020, foram notificados mais de 393 mil casos suspeitos de meningite.
Entre as infecções com causas confirmadas, mais de 265 mil foram de origem viral (em geral, menos graves), enquanto quase 88 mil foram causadas por bactérias.
Inflamação no cérebro
A meningite bacteriana pode ser tratada e curada com antibióticos. Contudo, em casos graves, quando há o desenvolvimento de inflamação no cérebro, aumentam os riscos de comprometimentos neurológicos. Nesse contexto, temos um quadro chamado meningoencefalite, que é mais perigoso.
“A doença pode atingir qualquer área do cérebro. Quando se fala puramente “meningite”, ela está só na meninge [uma membrana que reveste o cérebro]“, explica a médica neuropediatra Christiane Cobas, do Hospital Sírio-Libanês. “Mas, para haver um comprometimento neurológico, a infecção precisa ter atingido o cérebro, caracterizando uma meningoencefalite”, reforça.
O sistema nervoso central é protegido por uma estrutura chamada barreira hematoencefálica, que não deixa substâncias tóxicas e alguns micro-organismos nocivos chegarem ao cérebro.
Mas não se trata de um mecanismo impenetrável, como explica o neurologista Augusto Penalva, especialista em doenças infecciosas do sistema nervoso central do Hospital Israelita Albert Einstein e professor emérito do Instituto Emílio Ribas.
“A meningite bacteriana causa uma toxicidade intensa para o tecido, que faz com que a inflamação do sistema nervoso central leve a um inchaço grande. Isso aumenta a pressão intracraniana e diminui o fluxo de sangue”, afirma Penalva.
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O que descobriu o estudo sueco sobre meningite
Os cientistas do Instituto Karolinska analisaram dados de registros de saúde sobre meningite bacteriana em um amplo período, de 1987 a 2021.
Foram comparadas informações de mais de 3,6 mil pessoas infectadas ainda na infância com 32 mil indivíduos da população em geral, que não tiveram a doença.
Entre os pacientes com diagnóstico de meningite bacteriana, houve uma maior prevalência de problemas neurológicos, como comprometimento cognitivo e motor, convulsões, deficiência visual ou auditiva, distúrbios comportamentais ou danos estruturais na cabeça.
Os riscos foram significativamente mais altos para lesões estruturais na cabeça, deficiências auditiva e motora. “A sequela vai depender de qual área do cérero foi acometida”, destaca Christiane.
Em relação à incidência, cerca de uma em cada três pessoas afetadas pela doença bacteriana apresentou pelo menos uma deficiência neurológica. Ou seja, mesmo que a infecção seja curada, muitas pessoas sofrem posteriormente algum comprometimento por danos no cérebro.
“Essas sequelas podem ser agudas. Por exemplo, a pessoa tem uma convulsão e, após o tratamento, não evolui para uma epilepsia. No entanto, há quadros em que o paciente infectado de fato desenvolve uma epilepsia”, pontua.
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O tratamento emergencial da meningite bacteriana
Apesar de ter uma função essencial para a saúde do cérebro, a tal barreira hematoencefálica também pode prejudicar a passagem dos antibióticos usados contra a meningite bacteriana.
“Demora um tempo para que o antibiótico aplicado por via sistêmica, através da veia, passe para o cérebro. E isso atrasa a ação desses medicamentos”, detalha Christiane.
Ocorre que a meningite evolui muito rapidamente, então agilidade no diagnóstico e no início do tratamento é a palavra-chave para reduzir os riscos de complicações.
Nesse sentido, o primeiro passo é conhecer os sintomas iniciais dessa infecção. A saber:
- Febre
- Dor de cabeça
- Rigidez de nuca
- Mal-estar
- Náuseas e vômito
- Aumento da sensibilidade à luz
- Confusão mental
O agravamento quadro, especialmente na ausência de tratamento adequado, podem levar a convulsões, delírio, tremores e coma. Para além desses quadros, a meningite aumenta consideravelmente o risco de amputações.
Diante de sinais suspeitos, o médico solicita a coleta de amostras de sangue e do líquor (também chamado líquido cefalorraquidiano). Esse material será processado em laboratório para identificar qual agente está associado à infecção.
A identificação específica é importante para o médico definir o melhor recurso para combater a infecção. No entanto, o especialista pode iniciar a terapia com antibióticos mesmo sem certeza de qual micro-organismo está por trás do quadro, justamente para acelerar esse processo. Na decisão, ele vai considerar a prevalência de agentes relacionados à doença e a faixa etária, por exemplo.
A gravidade do quadro clínico requer que os casos suspeitos de meningite sejam internados em hospitais. O cuidado da doença também é feito em ambiente hospitalar.
Cuidados para lidar com as sequelas da meningite
Um dos principais desafios no manejo da meningite bacteriana é identificar adequadamente as complicações, que podem surgir um tempo após a infecção – mesmo em pacientes que foram curados.
“A deficiência auditiva, por exemplo, pode aparecer seis meses depois, porque, nem sempre que o sistema nervoso é agredido, ele já apresenta o déficit imediatamente”, diz Penalva. “Isso é um grande problema para modelos de atendimento que não fazem o seguimento das crianças a longo prazo”, acrescenta.
Quando há o diagnóstico oportuno de uma sequela, o paciente é encaminhado para diferentes tipos de tratamentos complementares, além de estratégias de reabilitação.
Embora sejam considerados de difícil recuperação, os problemas auditivos, por exemplo, podem ser driblados com diferentes métodos.
“Hoje, o déficit auditivo e os neurossensoriais contam com mais tecnologias, como aparelhos e implantes”, pontua o especialista. Não há uma recuperação do cérebro propriamente, porém é como se essas estratégias contornassem as sequelas.
Já as eventuais limitações de movimentação causadas pelo quadro podem ser corrigidos com acompanhamento em fisioterapia. Apesar de ser bastante complexto, o sistema motor pode ser consideravelemente recuperado.
Como se prevenir da meningite
As vacinas são as principais formas para evitar a meningite bacteriana. O calendário de vacinação da criança do Programa Nacional de Imunizações (PNI) inclui:
- Vacina meningocócica C (Conjugada): contra a doença meningocócica causada pelo sorogrupo C
- Vacina pneumocócica 10-valente (conjugada): contra as doenças causadas pelo Streptococcus pneumoniae, incluindo meningite
- Pentavalente: proteção de doenças causadas pelo Haemophilus influenzae sorotipo B, como meningite, e também contra a difteria, tétano, coqueluche e hepatite B
- Meningocócica C (Conjugada): prevenção contra a doença meningocócica causada pelo sorogrupo C
- Meningocócica ACWY (Conjugada): protege contra a doença meningocócica causada pelos sorogrupos A,C,W e Y
As bactérias que causam a meningite são transmitidas de uma pessoa para outra por meio de gotículas e secreções presentes no nariz e na garganta. Em casos específicos, como as bactérias Listeria monocytogenes e Escherichia coli, a transmissão pode ocorrer por meio de alimentos contaminados.
“O principal fator para prevenir as sequelas da meningite seria, na verdade, a prevenção”, destaca Penalva.
Ele lembra de dados daquele estudo sueco, apontando que 55% das meningites bacterianas foram causadas por três micróbios: o Haemophilus influenzae, Neisseria meningitidis e o pneumococo. “Para os dois primeiros, a vacinação começa nos primeiros meses de vida”, conclui Penalva.