Cirurgia bariátrica pode ser aliada no tratamento da hipertensão
Estudo inédito aponta que a pressão alta é controlável com o procedimento – e faz especialistas discutirem o futuro do que já se chama “cirurgia metabólica”
Um dos trabalhos que mais chamou a atenção no último Congresso Americano de Cardiologia, realizado no início do mês na Califórnia, é brasileiro. Não para menos: a pesquisa, feita no Hospital do Coração (HCor), em São Paulo, indica que a cirurgia bariátrica pode ser mais eficaz do que os remédios no combate à hipertensão de difícil controle.
“É a primeira vez que se mostra, com o mais alto nível de evidência, que ela tem efeito específico contra essa doença, assim como já vimos no diabetes tipo 2”, aponta o cirurgião Ricardo Cohen, coautor do artigo e coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na capital paulista.
No levantamento, 100 hipertensos com IMC (índice de massa corpórea) entre 30 e 39,9 – o que os caracteriza como obesos – foram divididos em dois grupos, sendo que todos já usavam pelo menos dois medicamentos. Metade foi submetida à redução de estômago e seguiu tomando remédios, enquanto o restantew combinou as pílulas com orientação nutricional.
A expectativa inicial era a de que a cirurgia diminuísse em 30% o número de drogas ingeridas diariamente. Mas o resultado surpreendeu: um ano depois, 51% dos operados voltou a exibir níveis normais de pressão e parou de engolir os comprimidos, algo que não aconteceu em ninguém da outra turma. Só não se sabe se, depois de mais alguns meses, a hipertensão voltaria a dar as caras (e se as medicações evitariam isso).
“De qualquer jeito, o mais interessante é que a melhora começou a aparecer antes de o peso diminuir, provavelmente por causa das mudanças metabólicas promovidas pelo procedimento”, aponta Carlos Schiavon, cirurgião bariátrico e autor principal do trabalho.
O achado vem pouco tempo depois do uso da bariátrica ser ampliado para diabéticos tipo 2 com IMC acima de 30 – antes, ela só era preconizada para pacientes com esse número na casa dos 35. E chama a atenção, porque a pressão cronicamente alta é mais prevalente no Brasil do que o diabetes.
“Para ter ideia, 80% dos diabéticos são hipertensos, mas só 25% dos hipertensos são diabéticos. Estamos falando de 35 milhões de pessoas, e sabemos que o controle da doença hoje é precário”, expõe o cardiologista Marcus Bolívar Malachias, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
A investigação ainda precisa continuar por muito mais tempo antes de tirarmos conclusões finais. Contudo, ela abre precedente para que a operação de redução de estômago vire uma opção contra a hipertensão. Até mesmo porque a balança tem muito a ver com o distúrbio.
O peso da hipertensão
“Os estudos mostram que cerca de 12% dos hipertensos são resistentes aos tratamentos, sendo que 80% deles são obesos, um grupo que está em risco muito maior de infartos e derrames”, aponta Malachias.
Em outras palavras, emagrecer com medidas mais conservadoras (exercício físico, alimentação saudável…) melhoram demais o quadro. “Dados robustos indicam que dez quilos a menos já reduzem de 5 a 20 milímetros de mercúrio da pressão sistólica”, destaca o cardiologista Luiz Aparecido Bortolotto, diretor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração, em São Paulo. Exemplo: um sujeito com 140 por 80 (ou 14 por 8, considerado um hipertenso hoje) chegaria até aos saudáveis 120 por 80 (12 por 8).
Isso por vários motivos. “No obeso, há uma maior retenção de líquidos e de sódio, além da liberação de substâncias inflamatórias que aumentam a resistência dos vasos. Sem contar que esses indivíduos frequentemente têm apneia do sono, condição que contribui para o quadro”, explica Bortolotto.
Quando recorrer à cirurgia
Antes, a indicação para a redução de estômago era possuir um IMC acima de 40. Ou mesmo acima 35, desde que com comorbidades associadas, a exemplo do próprio diabetes e da hipertensão.
O fato de a barra ter caído para 30 no caso dos diabéticos abre espaço para se pensar em operar também hipertensos com IMC entre 30 e 34,9 – a obesidade de grau 1, como denominam os experts. Cabe lembrar que esse, digamos, excesso de peso menos grave foi incluído na pesquisa do HCor.
“Determinadas pessoas ficam doentes já nessa etapa, e esse é um fator determinante para indicar a cirurgia”, comenta Caetano Marchesini, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica. “Mas ela não deve de forma nenhuma substituir o tratamento clínico, com remédios e outras intervenções”, completa. Segundo ele, o procedimento seria uma opção para quando o indivíduo não responde aos métodos convencionais.
Malachias dá sua opinião: “Acho válido pensar em redução da faixa mínima recomendada, especialmente para o hipertenso grave. Mas é preciso tomar cuidados para que ela não se prolifere sem os critérios adequados”.
Já a médica Maria Edna de Melo, presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), adota um tom mais crítico. “Os dados atuais são insuficientes para recomendá-la nessa situação”.
Por quê? “Os estudos até agora avaliam o desfecho num período que chamo de lua de mel, de um a dois anos depois da cirurgia, quando os pacientes apresentam seus melhores resultados”, opina Maria Edna. “Trata-se de um procedimento invasivo e irreversível, então é preciso muito cuidado na hora de recomendá-la a um paciente que poderia perder peso de outras maneiras”, encerra a médica.
E é inegável: a cirurgia metabólica realmente traz efeitos adversos consideráveis. Daria para destacar a maior dificuldade de absorção de nutrientes, o que pode gerar deficiência nutricionais. E mesmo o risco elevado de desenvolver uma compulsão ou transtorno psiquiátrico.
Ou seja, a cirurgia bariátrica não é o Santo Graal contra a hipertensão. Nem contra a obesidade ou o diabetes. E sua indicação exige critério e acompanhamento de vários profissionais.