HMB: suplemento que promete ajudar a ganhar músculos funciona?
Novo consenso internacional afirma isso e diversos outros benefícios. Mas não é bem assim. Entenda a polêmica

Ajudar no ganho de massa muscular é um dos principais apelos dos suplementos esportivos, mercado em alta no país.
Nesse contexto, o novo consenso da Sociedade Internacional de Nutrição Esportiva (ISSN), sobre o β-Hidroxi-β-Metilbutirato, popularmente conhecido como HMB, tem dado o que falar.
Segundo o documento, que afirma ter avaliado mais de 750 publicações, a suplementação de HMB teria um papel crucial na saúde muscular tanto de praticantes de atividade física como também em pessoas que não o fazem e sofrem com algum tipo de sarcopenia. O artigo é uma atualização de uma publicação original de 2013.
Mas isso não quer dizer que você precisa tomar o suplmento. Na verdade, há muita controvérsia envolvida no tema, e diversas revisões sistemáticas contradizem esse consenso. Explicamos tudo a seguir.
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O que é HMB e como ele funciona
O HMB é um derivado natural do aminoácido essencial leucina, um dos mais importantes para a síntese proteica.
Leucina, isoleucina e valina formam os aminoácidos de cadeia ramificada (ou BCAAs, na sigla em inglês, como ficaram famosos), responsáveis por ajudar na construção e reparação muscular.
O organismo naturalmente gera HMB nas células do músculo e do fígado, mas em pequena quantidade: estima-se que apenas 5% da leucina seja transformada nessa substância.
Alimentos como carnes, leguminosas, ovos e leite são fontes naturais de leucina, mas existem aqueles que já fornecem o HMB pronto, como avocado, frutas cítricas, aspargos e alguns peixes, porém também numa dose modesta.
Nessa conjuntura, investigam-se os efeitos da suplementação de HMB (em geral, 3g por dia) para melhora da síntese de proteína muscular e para redução da degradação dos músculos.
No entanto, os estudos são controversos e possuem bastante conflito de interesse.
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Problemas com os estudos sobre HMB
“A qualidade desse consenso é sofrível, os estudos não são de confiança”, afirma o professor da Universidade de São Paulo (USP) Bruno Gualano, membro do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição.
O especialista cita um estudo de 2013 que mostra ganhos extraordinários: 7 kgs de massa magra conquistadas com suplementação de HMB ácido livre (uma das apresentações possíveis da molécula). Apesar do trabalho ter claras falhas metodológicas e obter dados biologicamente implausíveis, ele é citado 12 vezes no consenso, como se fosse uma referência sólida.
“Para você ter uma ideia do quão irreais são os dados desse artigo, um trabalho publicado no The New England Journal of Medicine, a melhor revista científica de medicina do mundo, constatou que os ganhos de massa magra com esteroides anabolizantes seriam inferiores ao que se alega ser obtido com suplementação do HMB, o que é totalmente fantasioso, pois nenhum suplemento alimentar possui essa magnitude de efeito”, detalha o professor.
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Várias revisões sistemáticas de grupos independentes contestam esses possíveis ganhos da suplementação de HMB.
O próprio grupo da USP já refutou essas alegações realizando um estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, liderado pelo pesquisador Guilherme Artioli, com a conclusão de que essa suplementação não melhora a hipertrofia ou reduz o dano muscular em homens treinados ingerindo quantidades ideais da molécula.
Gualano reforça que as supostas vantagens do HMB não conseguem ser replicadas por estudos com boas metodologias.
Além dessas falhas, as publicações que afirmam que a molécula melhora a síntese proteica e a recuperação muscular em indivíduos treinados envolvem pessoas relacionadas com a venda desse suplemento.
Até o consenso da ISSN possui uma lista enorme de conflito de interesses, revelando que o primeiro autor trabalha numa empresa que comercializa HMB.
“É um campo cheio de investigações ruins patrocinadas pela indústria”, resume Gualano.
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HMB serve para idosos ou indivíduos que não treinam?
Outra propaganda do HBM é que ele ajuda no ganho de massa em pessoas sedentárias, idosos sarcopenicos ou até indivíduos acamados.
Mas, de novo, os estudos que chegam a essa conclusão não são bons.
“A gente tem muito estudo com número pequeno de pacientes usando por pouco tempo”, afirma o geriatra Marcelo Valente, da Sociedade Brasileira de Geriatria de Gerontologia (SBGG).
“Muito se fala de HMB para essa faixa etária por conta de uma revisão que fala em idosos frágeis, com sarcopenia, que incluia apenas três estudos, totalizando cerca de 200 pacientes na análise em um período variado. Até se viu um aumento de massa, mas não há provas de aumento de força e função muscular. A massa não é proporcional à força, que é o que mais faz diferença na recuperação desses idosos, para que voltem a fazer atividades do dia a dia”, explica o geriatra.
Ele também pontua que o HMB é um suplemento caro, custando cerca de 300 reais por mês. Ou seja, não vale o investimento.
E tanto Gualano quanto Valente reforçam: começar a treinar regularmente, mesmo dentro das suas limitações, é o que realmente faz a diferença na vida desses idosos e da população geral. Não suplementos. Infelizmente, angariar músculos não é fácil. E os suplementos ajudam pouco.