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Exercício à noite: prós e contras dessa tendência

Enquanto a cidade dorme, muita gente treina dentro e fora das academias. Conheça os benefícios dessa onda – e os ajustes vitais para não prejudicar o sono

Por Vand Vieira
Atualizado em 5 Maio 2020, 10h46 - Publicado em 7 jan 2018, 08h55
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  • Concedido aos cientistas americanos Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young, o Prêmio Nobel de Medicina de 2017 esquentou uma discussão de longa data: a influência dos movimentos da Terra no organismo dos seres vivos. As pesquisas desse trio, desbravadas no começo da década de 1970, foram essenciais para entender no nível molecular como funciona o nosso relógio biológico. E ainda mostram por que existem momentos mais propícios para descansar ou, pelo contrário, fazer exercício físico.

    Ocorre que nosso ritmo circadiano (o nome técnico do reloginho interno) parece não ter sido ajustado para a rotina de boa parte da população mundial. E não estamos falando apenas daqueles que se sentem cansados só de imaginar o despertador tocando ao nascer do sol ou não conseguem dormir antes da meia-noite. Com a agenda cheia, muita gente precisa fazer o tempo render e, na impossibilidade de encaixar os exercícios no horário comercial, a solução é deixá-los para as altas horas.

    Tanto que a primeira academia 24 horas do Brasil surgiu em 2006, a partir das necessidades de universitários que também trabalhavam. “Até então, esses alunos mal conseguiam terminar o aquecimento antes do soar do alarme que indicava o fechamento da unidade, em Guarulhos”, lembra o educador físico Eduardo Gusmão, gerente da Academia Gaviões 24h – Paulista.

    Pois é, quase não rolava malhar direito no dia a dia, o que fazia o fluxo no estabelecimento aumentar de 30 a 40% nas férias, quando o público conseguia seguir um treino com mais facilidade. A saída? Ampliar a jornada de trabalho na sala de ginástica.

    “Graças ao crescimento do movimento em horários alternativos, é comum encontrar unidades que abrem as portas às 5 horas da manhã e encerram o expediente por volta de 1 hora da manhã”, nota Richard Bilton, presidente da rede de academias Cia Athletica e diretor da Associação Brasileira de Academias. “Se pensarmos nos anos 1990, o horário de funcionamento mais comum era das 7h às 21h, e só de segunda a sexta”, completa Bilton. Sim, hoje tem cada vez mais gente suando aos finais de semana e partindo para o treino noturno.

    Só que essa procura levantou alguns questionamentos. O primeiro foi o suposto impacto negativo no sono. Afinal, atividade física faz liberar adrenalina e outros estimulantes naturais, o que renderia insônia e cansaço no dia seguinte. Estudo após estudo, porém, o temor não parece se concretizar. O exercício pode até favorecer o repouso.

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    Em uma experiência com 17 homens saudáveis, o professor de educação física Marco Tulio de Mello, da Universidade Federal de Minas Gerais, constatou que o exercício moderado, mesmo feito depois que o sol se põe, promove a liberação de um monte de substâncias relaxantes. “Só que o corpo leva até duas horas para voltar ao ritmo e à temperatura normais”, avisa.

    Um time de pesquisadores da Universidade de Jyväskylä, na Finlândia, foi ainda mais longe: segundo eles, nem sequer modalidades vigorosas prejudicariam as horas na cama. E olha que 11 voluntários de ambos os sexos foram induzidos a intercalar noites de descanso total e sessões intensas de bicicleta ergométrica duas horas antes de irem para o quarto. Ao final do acompanhamento, as pedaladas não fizeram diferença significativa, embora tenham elevado momentaneamente os batimentos cardíacos em repouso  o que poderia afetar a profundidade do sono.

    “Mesmo assim, o coração só tem a ganhar na ausência do sedentarismo. A atividade física ajuda a controlar a pressão arterial e a ansiedade, sendo uma aliada dos tratamentos convencionais”, incentiva a cardiologista Fátima Cintra, professora livre-docente da Universidade Federal de São Paulo. No entanto, um hábito saudável não deve servir como moeda de troca para outro. “A privação do sono é comprovadamente um fator de risco para eventos cardiovasculares e outros problemas”, arremata Fátima.

    Manual do treino noturno

    O mandamento a ser respeitado aqui é que dá pra treinar à noite, desde que o sono não seja negligenciado. Esse é um preceito básico geral, mas que deve ser seguido à risca se já existe um problema crônico no pedaço, caso do diabetes.

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    “A atividade física auxilia no controle da glicose no sangue”, afirma o endocrinologista Rodrigo Lamounier, da Sociedade Brasileira de Diabetes. “Mas, sobretudo entre pacientes com tipo 1 ou tratados com insulina, é preciso ter um cuidado maior porque tanto o exercício como o período noturno em si podem propiciar episódios de hipoglicemia”, completa.

    O fato é que nem tudo são flores a quem prefere malhar com a Lua no céu. O desempenho, por exemplo, tende a ser comprometido, ainda mais se as atividades realizadas ao longo do dia exigem muita energia ou se a última refeição aconteceu há muito tempo.

    “Nesse sentido, o ideal é treinar quando a temperatura corporal está mais elevada, antes ou depois do almoço e entre o início da noite até a faixa das 22 horas”, orienta Marco Tulio de Mello. Novamente: de nada adianta pegar pesado na academia e passar madrugadas em claro.

    Ao dormirmos, aumenta a produção de testosterona e do hormônio do crescimento, essenciais para a manutenção dos músculos. Sem contar que é quando fabricamos melatonina, que entra em cena na calada da noite para reparar o efeito do estresse, da poluição e de outros sabotadores.

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    Mas é possível minimizar eventuais prejuízos se malhar pela manhã ou à tarde não é uma possibilidade. “Uma boa dica é diminuir o ritmo do treino quando a aula estiver chegando ao fim, preparando o corpo para descansar”, ensina o médico Ivan Pacheco, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, no Rio Grande do Sul.

    Dito isso, dá para investir em qualquer modalidade. “Diante de índices tão alarmantes de pessoas obesas e sedentárias no país, o esporte ideal é o que se mostra mais prazeroso e sustentável”, crava Pacheco. O segredo, então, é observar a adaptação, ficando atento ao que funciona ou não para fazer ajustes na rotina de acordo com as necessidades.

    A dieta também conta

    Outro ponto-chave é a alimentação. Independentemente do horário de treino, não vale chegar em casa e comer tudo o que se encontra pela frente. Porém, quando ingerimos uma grande quantidade de comida à noite, o sistema digestivo padece e o organismo entende que é um momento do dia em que precisamos de bastante energia.

    “O jantar de quem se exercita muito tarde pode ser mais caprichado, mas deve servir de pré-treino”, esclarece a nutricionista e doutora em cronobiologia Ana Harb, professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. “Arroz, pães, carnes magras, frutas e vegetais estão liberados”, indica. Já no pós-treino, batata inglesa e outras fontes de carboidrato de rápida absorção são boas escolhas para a recuperação de glicogênio, nosso combustível reserva.

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    Como nem sempre é fácil seguir as recomendações ao pé da letra, vale apostar nas marmitas e em outras atitudes que economizam tempo. Assim, é possível fazer as refeições no momento certo e garantir mais horas de sono.

    Até porque o descanso noturno é fundamental para o controle do peso. Uma nova pesquisa americana identificou que passar apenas cinco horas na cama chega a alterar os níveis de grelina e leptina, hormônios associados ao apetite e à saciedade.

    E quanto às evidências de que trabalhadores noturnos estão mais expostos a obesidade e diversas doenças? Quem treina à noite deve se preocupar? Segundo a endocrinologista Maria Edna de Mello, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica, as situações são diferentes. “As alterações hormonais geradas pelos exercícios tendem a ser benéficas. Logo, os resultados dessas pesquisas não se aplicam ao pé da letra nesse contexto”, interpreta. Em se tratando de atividade física, a expressão “antes tarde do que nunca” não poderia ser mais apropriada.

    Opções para quem deseja malhar à noite

    Academia: mais comuns em São Paulo e no Rio de Janeiro, há estabelecimentos fitness que funcionam 24 horas por dia – fecham apenas no Natal e no Ano-Novo.

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    Corrida: provas noturnas despertam cada vez mais interesse. A Night Run, maior da categoria, tem 22 etapas e chega a reunir mais de 150 mil atletas de 11 estados brasileiros.

    Ciclismo: grupos que se reúnem após as 19h estão ganhando as redes sociais. O Saia Na Noite, por exemplo, é o primeiro formado apenas por ciclistas mulheres na capital paulista.

    Balada fitness: música alta, luzes piscando e uma pista de dança cheia de gente fazendo exercício. É sucesso no exterior e já juntou quase 3 mil pessoas no Parque do Ibirapuera (SP).

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