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Com prescrição proibida, anabolizantes podem causar efeitos irreversíveis

Em abril, Conselho Federal de Medicina proibiu médicos de receitarem hormônio sintético para fins estéticos ou competitivos; uso de hormônios requer cautela

Por Patrícia Figueiredo, da Agência Einstein*
15 jun 2023, 18h03
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  • Infarto, impotência sexual, ansiedade, acne e até hepatite: o uso de anabolizantes para fins estéticos pode causar todos esses efeitos colaterais, e alguns danos à saúde podem ser irreversíveis. Mas, apesar da gravidade dos resultados, a prescrição de hormônios sintéticos para melhorar a aparência se tornou muito comum entre médicos de diversas especialidades no Brasil. 

    A disseminação desta prática levou o Conselho Federal de Medicina (CFM) a proibir a prescrição médica de terapias hormonais “com finalidade estética, para ganho de massa muscular e/ou melhora do desempenho esportivo”.

    A resolução, publicada no mês de abril no Diário Oficial da União, veta os médicos de receitar essas medicações para quem não tem nenhum problema de saúde e usa anabolizantes apenas para melhorar a fisionomia ou o rendimento físico. O médico que descumprir a regra pode ser alvo de denúncia e processo no CFM, e corre o risco até de perder o registro profissional. 

    + Leia também: O que são anabolizantes e quais seus efeitos na saúde?

    Para a maioria dos profissionais, a decisão do CFM foi um acerto, já que a disseminação dos anabolizantes foi além do mercado ilegal e passou a ganhar também os consultórios médicos nos últimos anos.

    “Como muitos médicos estavam prescrevendo, isso gerava uma sensação de segurança para o paciente, quando na verdade não existem níveis seguros para o uso [de anabolizantes] com fins estéticos e competitivos”, explica Henrique Cardoso Cecotti, endocrinologista do Hospital Israelita Albert Einstein.  

    Um dos principais especialistas no tema, o médico do esporte e endocrinologista Clayton Macedo, lembra que, além dos anabolizantes prescritos nos consultórios, há ainda uma série de hormônios usados sem acompanhamento médico, comprados no mercado paralelo e muito populares entre frequentadores de academias. 

    Em alguns casos, os usuários compram produtos clandestinos ou destinados para uso veterinário, e as dosagens podem chegar a ser 100 vezes maiores do que a indicada para o tratamento de doenças para as quais os hormônios são, de fato, indicados, de acordo com o endocrinologista. 

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    Não existe segurança: os efeitos colaterais são imprevisíveis porque se o indivíduo tem algum tipo de predisposição ele pode ter efeitos colaterais graves mesmo com doses teoricamente baixas. Com doses maiores, os efeitos também vão aumentando”, afirma o médico, que é presidente do Departamento de Endocrinologia do Exercício na Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). 

    + Leia também: Proibir indicação de anabolizantes para fins estéticos é decisão acertada

    A popularização desses medicamentos está relacionada a uma cultura estética que valoriza corpos musculosos e exerce pressão especialmente entre frequentadores de academias, que buscam padrões estéticos cada vez mais extremos. 

    “O que a gente vê nas redes sociais é uma premissa de que corpo musculoso é sinônimo de corpo saudável, e esta é uma analogia errada, porque músculo não é sempre sinal de saúde”, explica Karina Hatano, médica do esporte do Hospital Israelita Albert Einstein. 

    Como funcionam os anabolizantes

    Os esteroides anabolizantes e androgênicos (EAA) são hormônios sintéticos criados para tratar uma deficiência na quantidade de testosterona ou de outros hormônios andrógenos produzidos nos testículos

    Entre as condições que podem ser tratadas com anabolizantes estão puberdade tardia, hipogonadismo (produção insuficiente de hormônio sexual), micropênis neonatal (condição rara na qual o tamanho do pênis é menor do que o padrão) e caquexia (perda extrema de tecido adiposo, osso e músculo, comum em pacientes oncológicos). 

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    “O anabolizante foi criado para tratar doenças, e existem condições que podem, sim, ser tratadas por hormônios sintéticos. O problema é que o uso para fins estéticos está tão disseminado que o anabolizante está ficando mais conhecido pelo malefício do que pelo benefício”, avalia a médica do esporte Hatano. 

    Para além das doenças em que existe consenso científico para o seu uso, os anabolizantes também são usados por pessoas saudáveis para estimular o ganho de massa muscular e a quebra de gordura. Isto porque a testosterona tem a capacidade de promover o crescimento celular e em tecidos do corpo, como o ósseo e o muscular. 

    + Leia também: Alimente os músculos: a dieta ideal para brecar a sarcopenia

    “Os anabolizantes promovem o aumento da síntese de proteínas. Isso acontece por meio de um mecanismo pelo qual ele entra na célula e regula a síntese daquele gene. Cada célula tem uma função, produz uma proteína, e os esteroides fazem a modulação dessa produção”, explica o endocrinologista Macedo. 

    Os anabolizantes podem ser consumidos de forma oral, em comprimidos ou cápsulas, em soluções injetáveis, ou até mesmo em gel. Em comum, todos eles têm efeitos colaterais similares, mas a prevalência e até mesmo a duração desses eventos adversos podem variar de acordo com a dosagem e o tipo de medicamento utilizado. 

    Efeitos colaterais

    Diversos estudos científicos já comprovaram os efeitos colaterais do uso de anabolizantes para fins estéticos, e muitos deles foram citados pelo CFM na decisão recente em que a prescrição passou a ser contraindicada. Além dos efeitos mais conhecidos, outros ainda estão sendo estudados.

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    De forma geral, o uso de anabolizantes gera efeitos colaterais como acne, queda do cabelo, distúrbios da função do fígado e aumento da pressão arterial, além de outros problemas ligados à circulação, como trombose, infarto e arritmias. Esses medicamentos também têm efeitos colaterais psicológicos, e podem levar a comportamento agressivo, ansiedade, paranoia e até alucinações.

    Nas mulheres, os eventos adversos mais comuns estão relacionados ao surgimento de características sexuais secundárias masculinas. Essas características incluem, por exemplo, crescimento de pelos no rosto, engrossamento da voz, pele mais grossa e oleosa, diminuição dos seios e aumento de apetite. Além disso, podem ocorrer ainda aumento do tamanho do clitóris e irregularidade nos ciclos menstruais

    “Muitos dos efeitos colaterais que são verificados em mulheres, como o engrossamento da voz e o aumento do clitóris, são irreversíveis, ou seja, vão continuar mesmo após a interrupção do uso”, diz o endocrinologista Henrique Cardoso Cecotti, do Hospital Israelita Albert Einstein.

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    Já nos homens os efeitos têm relação com a menor produção de testosterona natural pelo organismo. Isto porque o corpo entende que há uma sobrecarga e diminui a produção natural nos testículos com o consumo do hormônio sintético. 

    “Os efeitos colaterais não vêm apenas durante o uso, mas são cumulativos, porque o uso de hormônio artificial bloqueia a produção própria. A função do testículo fica muito reduzida [com o uso de anabolizantes] até que, depois de meses ou anos [após a interrupção], ela vai retornando. Mas, em alguns casos, a produção de testosterona pode ficar comprometida para sempre”, explica Cecotti. 

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    Em adolescentes, as consequências podem ser ainda piores. Isto porque os jovens ainda estão em fase de crescimento, e o desequilíbrio hormonal nesta fase pode comprometer o desenvolvimento, levando a uma maturação óssea acelerada que pode levar a baixa estatura.

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    Ilustração aponta principais efeitos colaterais observados pelo uso de esteroides anabolizantes (Rodrigo Cunha/Agência Einstein/Reprodução)

    Discussão do CFM

    Apesar da abundância de evidências científicas contra o uso de anabolizantes, a resolução do Conselho Federal de Medicina que decidiu pelo veto à prescrição de esteroides para fins estéticos não ocorreu sem polêmica. 

    O processo teve início em agosto do ano passado, segundo o endocrinologista Macedo, que foi um dos principais nomes envolvidos nas discussões realizadas no CFM. “Foi criada uma câmara técnica de endocrinologia no CFM em agosto, unindo especialistas em endocrinologia, medicina do esporte, urologia e ginecologia, já por conta dessa prevalência de prescrições, e por um aumento no número de endocrinologistas relatando mais atendimentos a pacientes com complicações após uso de anabolizantes”, explica o médico. 

    Ao longo de vários meses, a câmara técnica montou um esboço da resolução, e o texto foi discutido entre diversos porta-vozes e conselheiros no CFM. A resolução foi aprovada, finalmente, nos últimos dias de março, e publicada em 11 de abril. 

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    Em uma carta conjunta enviada ao CFM, as sociedades envolvidas na resolução relataram um aumento no número de “jovens médicos recém-formados que, seduzidos por promessas de altos rendimentos, diferenciação e colocação rápida no mercado de trabalho, acabam por seguir esses caminhos, que se apresentam como fáceis atalhos”. 

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    “Eles pegam dois ou três esteroides juntos e vão misturando, e aumentando a dose, e vão somando ainda outras medicações para tratar os efeitos colaterais mais comuns, mas que também têm seus próprios efeitos colaterais”, conta Macedo. 

    Segundo a médica do esporte Karina Hatano, profissionais ligados à confederações esportivas podem ser punidos se prescreverem anabolizantes para os atletas sem finalidade comprovada. 

    “O anabolizante é proibido no esporte de alto nível, configura doping. Então, se o médico do esporte ligado a uma confederação prescreve uma medicação dessas com fins estéticos ou esportivos ele pode ser punido e até suspenso do esporte, assim como atleta”, explica Hatano. 

    Diversos profissionais da área de endocrinologia também apoiaram a decisão do CFM, e defendem que a resolução é importante para coibir um problema de saúde pública. 

    “Os pacientes não têm conhecimento técnico, não têm como discernir o que é certo e o que é errado. Então, é preciso coibir esse tipo de prática por parte dos médicos. Uma das funções do CFM é proteger a sociedade da má prática médica, da ação dos médicos que pode ser lesiva às pessoas, e é um caso em que estava ocorrendo essa ação”, completa Cecotti. 

    *Esse texto foi publicado originalmente na Agência Einstein.

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