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Testículos: o manual do proprietário

Eles só vêm à cabeça dos homens na iminência de uma pancada na região. Mas conhecer bem a dupla é essencial para que ela trabalhe em paz ao longo da vida

Por Maurício Brum
Atualizado em 30 abr 2021, 11h30 - Publicado em 29 abr 2021, 10h21
Foto de três bolas de pingue pongue, duas delas cobertas por uma fina rede.
A saúde dos testículos costuma nem passar pela cabeça do homem, mas deveria.  (Foto: Miragec/Getty Images)
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Eternos coadjuvantes e alvos de tantas piadinhas. Pobres testículos, solenemente esquecidos e deixados de lado. Façamos justiça, então: se o pênis é encarado como a estrela dos arredores em matéria de sexo e reprodução, quem atua com protagonismo nos bastidores é a dupla mais embaixo. São os testículos que, abrigados no saco escrotal, tornam os homens férteis e fabricam um hormônio-chave para o apetite sexual.

“Só eles produzem os espermatozoides, e ainda são responsáveis por 95% da testosterona do organismo”, explica o médico Alexandre Pompeo, da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). Pois é, o assunto não é nem um pouco sacal: dar a devida atenção a esse par tem tudo a ver com a felicidade e a qualidade de vida da ala masculina.

Digamos que a batalha para vir à luz pode começar cedo para os testículos. Estima-se que um em cada cinco bebês prematuros nasça com criptorquidia, quando as bolas não descem para a bolsa escrotal. A condição dá as caras em cerca de 3% dos nascimentos em geral, mesmo em bebês de gestação completa. Embora na maioria das vezes se resolva espontaneamente — os testículos migram para o lugar certo até os 2 anos de idade —, alguns casos exigem cirurgia. Permanecer fora do prumo compromete a produção hormonal e a fertilidade depois, e ainda eleva o risco de surgir um tumor ali.

Tem tudo a ver com a temperatura: nosso corpo opera em torno de 36,5 °C, entre 1 e 2 graus a mais que na bolsa escrotal. Sim, os testículos preferem um clima mais fresco para trabalhar. Mas, conforme o menino se desenvolve, outros perrengues podem despontar por lá: infecções, varizes, massas anormais… Fora o risco de um trauma, como a clássica bolada em uma partida de futebol. E essa é uma das razões para o acompanhamento com o pediatra. Mas, depois da adolescência, a gente não deve se esquecer desses companheiros inseparáveis.

Problemas de criança

Desde cedo, pais e mães devem ficar atentos ao que acontece por ali:

Criptorquidia: O testículo não desce para a bolsa escrotal, ficando preso mesmo após o nascimento. Ele pode fazer o trajeto até o segundo ano de vida, mas alguns casos são cirúrgicos.

Testículo ectópico: Relacionado à criptorquidia, ocorre quando o testículo se forma fora do trajeto que deveria seguir. Neste caso, é mais rara uma descida espontânea.

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Hérnia: Quando os testículos atravessam a parede abdominal para descer, nem sempre ela se fecha direito. Aí uma parte do intestino escapa pela brecha. Solução via bisturi.

Se com o avançar da idade a próstata é uma fonte de preocupação para o homem, os testículos merecem entrar no radar mais cedo. E não só porque o câncer nessa região aparece quase sempre em gente nova. “A varicocele é a principal causa de infertilidade no jovem e pode ser assintomática”, observa Pompeo. O urologista se refere a uma dilatação excessiva das veias dos testículos, num processo semelhante ao das varizes das pernas. Isso prejudica o fluxo sanguíneo e acaba causando uma distribuição insuficiente de oxigênio nas células. Com o tempo, a dupla não labuta mais direito e ainda pode atrofiar.

Testículos dos idosos, crianças, adolescentes e adultos
(Ilustrações: Kleverson Mariano/SAÚDE é Vital)

Micróbios também ficam à espreita da bolsa escrotal. Infecções na região costumam ser dolorosas e provocam um inchaço visível, o que facilita a identificação. E precisam ser tratadas mesmo, sob pena de comprometer a fertilidade. É o que ocorre, por exemplo, na caxumba: o vírus, que normalmente afeta as glândulas salivares (daí a marca registrada do pescoço inchado), pode descer para os testículos. Mas outros malfeitores virais e bacterianos aprontam por lá: alguns deles envolvidos nas famigeradas doenças sexualmente transmissíveis.

Entre as histórias de dor e terror nessa área tão sensível, poucas assustam mais os homens do que a torção testicular. Ela não é tão comum, mas exige cuidado imediato. Mais frequente até a adolescência, quando os tecidos ainda não estão bem formados, causa uma dor intensa e costuma ocorrer acidentalmente após um movimento durante o sono, como cruzar as pernas ou virar na cama.

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O testículo se torce ao redor do chamado cordão espermático, afetando também o fluxo de sangue e levando a uma necrose em menos de um dia. “Se não operar em até 12 horas, a torção pode levar à perda do testículo. Por ser mais comum antes da idade adulta, os pais devem ficar atentos e procurar um serviço de emergência caso o filho acorde com dor ali”, recomenda o urologista Fernando Meyer, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

O autoexame dos testículos

À parte os acidentes que exigem uma resposta urgente, a maioria dos problemas nos testículos se desenvolve ao longo dos anos. Nesses casos, os médicos são unânimes: a maneira mais rápida de flagrar algo errado é realizar o autoexame. “A orientação é que ele seja feito como a mulher faz o autoexame da mama: uma vez por mês, apalpando a região em busca de nódulos, áreas endurecidas, alguma dor”, resume Meyer.

Se você nunca ouviu falar disso, é justamente aí que está uma dor de cabeça para os urologistas: o preconceito contra os exames preventivos e o desconhecimento de muitos homens sobre o próprio corpo abrem caminho a uma lista extensa de doenças — e nem os testículos, claro, são poupados.

Fazendo o autoexame com frequência, você se familiariza com a anatomia do pedaço e consegue detectar se algo mudou, podendo procurar um médico para confirmar ou descartar eventuais suspeitas. A atitude é particularmente bem-vinda contra o câncer de testículo. “Ter nascido com criptorquidia, sofrer traumas repetidos na região ou ter histórico familiar da doença são os principais fatores de risco”, enumera o professor da PUC-PR. Além da avaliação física, exames de sangue, ultrassom e até ressonância magnética podem ser solicitados para apurar anormalidades — não só o câncer.

Os inimigos testiculares

Eles podem ser dolorosos ou assintomáticos — e exigem o olhar do médico. Veja os principais chabus:

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Orquite: A inflamação no testículo normalmente tem fundo infeccioso (caso da caxumba). O tratamento envolve repouso, analgésicos e compressas frias. Se a infecção tem origem bacteriana, antibióticos são receitados.

Epididimite: É a inflamação do epidídimo, na fronteira com o testículo. Pode ser causada por vírus ou bactérias, incluindo os sexualmente transmissíveis, e levar à infertilidade. No segundo caso, antibióticos entram em jogo.

Câncer: Mais comum em jovens, o risco de desenvolver é potencializado por traumas contínuos, como ocorre em esportes com impacto constante na área. Tem altas chances de cura, mas a detecção precoce faz diferença.

Varicocele: As varizes dos testículos são a principal causa de infertilidade entre jovens e podem ser assintomáticas, embora em alguns casos se sinta um desconforto local. São tratadas com medicamentos ou por cirurgia.

Trauma: Pode ser uma pancada, uma bolada… Causa bastante dor, ainda que temporária, e, em casos mais graves, até a ruptura do testículo. Pode ser necessário checar a área com exames de imagem. Traumas frequentes são a situação mais perigosa.

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Torção: Um movimento anormal pode levar a um estrangulamento dos vasos sanguíneos que abastecem a região. Mais comum na adolescência, causa dor intensa e exige intervenção em poucas horas para evitar a remoção do testículo.

Praticamente todas elas são tratáveis. Uma infecção costuma sair de cena após repouso e antibiótico. A varicocele regride com remédios ou cirurgia. E o tumor pode ser curado com a remoção do órgão afetado e/ou sessões de radio e quimioterapia — vai depender da gravidade. “O câncer de testículo é raro no idoso, mas é o mais comum nos homens até os 40. Na faixa até os 20 anos, só perde para a leucemia”, destaca Pompeo. Identificando cedo, porém, a taxa de cura é altíssima — chega a 98%. Então já sabe: incorpore o autoexame, incentive os colegas e dê mais valor aos testículos.

Como funcionam os testículos
(Ilustrações: Kleverson Mariano/SAÚDE é Vital)

Perguntas frequentes

As dúvidas dos proprietários 

Tomar uma bolada ou pancada ali é sinônimo de problema depois?

Não necessariamente. Um trauma de intensidade leve em geral só causa dor na hora — se ela persistir, vá ao médico. Mais perigosos são os impactos crônicos na região, comuns em esportes como ciclismo e taekwondo. Eles aumentam o risco de câncer.

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Tem perigo deixar o celular ou o notebook perto da região?

Ainda não há provas que confirmem esse temor, que se originou do fato de que o aumento da temperatura naquela área pode levar à infertilidade. No caso desses aparelhos, o efeito térmico não seria significativo.

Dor nos testículos é sinal de câncer?

Pode até ser, mas há outras razões mais prováveis, como infecções e a varicocele. A propósito, é mais frequente um tumor ser indolor do que doloroso. Mas, na dúvida, o ideal é consultar um urologista mesmo.

Olho neles!

Em casa ou no consultório, dá para checar as coisas lá embaixo.

Passo a passo para o autoexame:

Relaxe: Para sentir melhor alguma alteração ali, é importante que a região esteja relaxada. Fazer durante ou após um banho quente é uma boa, de preferência em frente ao espelho.

Identifique: Segure os dois testículos para se habituar ao tamanho — é normal que um seja um pouco maior. Mexa devagar nas regiões ao redor para não confundir as estruturas com algum problema.

Apalpe: Um por vez, coloque o testículo entre o dedo indicador e o médio e pressione levemente com o polegar, em busca de nódulos, áreas endurecidas ou dor. Se sentir algo estranho, procure o médico.

Repita: Não adianta realizar a operação muito raramente. Fazendo o autoexame uma vez por mês, você conhecerá melhor a região e se lembrará mais facilmente se alguma coisa mudou de fato.

No consultório, o médico lança mão das seguintes táticas:

Avaliação física: É o exame mais básico que o urologista faz em consulta. Tendo o mesmo raciocínio do autoexame, o médico apalpa e visualiza os testículos e adjacências para verificar se estão ok.

Ultrassom: Caso haja dor ou seja encontrada alguma massa anormal, o médico pode pedir um exame de imagem para identificar as causas do incômodo — pode ser um nódulo, um tumor…

Exames de sangue: Infecções e tumores na região costumam produzir substâncias que podem ser identificadas em uma amostra de sangue. Isso ajuda o especialista a definir a gravidade e a planejar o tratamento.

Ressonância: Em casos de câncer, se restarem dúvidas após o ultrassom e os exames de sangue, a ressonância magnética provê imagens mais detalhadas do volume do tumor e inspeciona se a doença se espalhou.

A infertilidade masculina

Quando se suspeita dela, os especialistas também investigam como andam os testículos. E podem até se antecipar a situações com reflexos ali. Exemplo: alguns tratamentos para o câncer podem levar à azoospermia, a ausência de espermatozoides na ejaculação. A necessidade de cercar e antever o problema tem ainda mais a ver com o tumor de testículo. A remoção dos órgãos e a radio ou a quimioterapia são capazes de afetar a capacidade reprodutiva. “Por ser um câncer que afeta mais os jovens, muitas vezes sem família constituída, chegamos a recomendar em alguns casos que congelem e armazenem os espermatozoides”, conta Pompeo.

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