Como o burnout começa
A jornalista Izabella Camargo, de 38 anos, não vai esquecer o dia 14 de agosto de 2018. Logo pela manhã, quando fazia a previsão do tempo em um telejornal em rede nacional, sofreu um apagão no ar e não se lembrou do nome da capital do Paraná, onde nasceu.
“Durante seis anos e meio, trabalhei de madrugada. Tentava dormir às 5 da tarde para acordar meia-noite. No final, tomava remédio para dormir e para acordar”, recorda. Nesse mesmo dia, já no consultório médico, Izabella caiu no choro ao receber o diagnóstico: síndrome de burnout. Ela havia ultrapassado a linha, tantas vezes tênue, em que o cérebro começa a pifar.
De origem inglesa, a palavra burnout pode ser traduzida como “queimar-se por completo”. O termo foi criado pelo psicanalista alemão Herbert Freudenberger (1926-1999) em 1974. Nessa época, ele trabalhava 12 horas por dia e, à noite, chegava a atender até dez usuários de drogas por hora numa clínica para dependentes químicos. Vítima de esgotamento físico e mental, caiu de cama.
“Dormir pouco ou mal contribui para o surgimento ou o agravamento do burnout”, explica a neurologista Dalva Poyares, vice-presidente da Associação Brasileira de Medicina do Sono. Que o diga Izabella. “O sono é como uma conta-corrente. Se você gasta mais do que ganha, seu saldo fica devedor”, ela compara.
Como a síndrome do esgotamento profissional não exige notificação compulsória, o Ministério da Saúde não consegue dizer quantos brasileiros a encaram hoje. Mas uma pesquisa da International Stress Management Association (Isma-BR) calcula que 32% dos trabalhadores no país padecem dela — seriam mais de 33 milhões de cidadãos. Em um ranking de oito países, ganhamos de chineses e americanos e só ficamos atrás dos japoneses, com 70% da população atingida.
“A sensação de quem sofre de burnout é a de ter passado dos limites. E não dispor de recursos físicos, psíquicos ou emocionais para fugir daquele beco sem saída”, descreve a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Isma-BR.
Qualquer um está suscetível
Dois anos. Esse foi o tempo que a publicitária Roberta Carusi, de 48 anos, levou para descobrir do que sofria. Até receber o diagnóstico, peregrinou por 13 médicos, de endócrino a cardiologista. O que eles diziam? De tudo um pouco: estresse, depressão, pânico… Houve até quem atribuísse os sintomas — visão turva, dores no corpo e cabeça pesada — à idade!
“Cheguei a trabalhar de 18 a 20 horas por dia, sem direito a folga, férias ou sábado e domingo. Perdi as contas de quantas festas de aniversário cancelei ou de quantos telefonemas, de chefe ou cliente, atendi de madrugada. Não tinha opção: ou entrava no jogo ou era mandada embora”, relata.
Detectar o burnout, admitem os especialistas, pode ser mais complexo do que parece. Não existem exames de sangue e de imagem ou testes de resistência física para flagrá-lo. O diagnóstico vem de uma escuta atenta do paciente e de uma avaliação minuciosa de suas condições de trabalho. Isso é determinante para não confundi-lo com outras desordens mentais.
“Burnout é um estresse ocupacional”, sublinha a psicóloga Marilda Lipp, presidente do Instituto de Psicologia e Controle do Stress, em São Paulo. “O indivíduo começa a enfrentar a síndrome quando sair para o trabalho se torna um sacrifício, desconfia que sua função não tem a menor importância ou sente que a dedicação ao que faz é maior do que a satisfação que tira dele”, dá as pistas.
Por se tratar de um tilt nervoso ligado a atividades profissionais, há quem diga que estudantes, donas de casa e desempregados estão imunes. Será? “Infelizmente, o trabalho doméstico não é reconhecido como trabalho. Hoje muitas donas de casa andam estressadas e ninguém sabe o motivo”, reflete o sociólogo do trabalho Ângelo Soares, da Universidade do Quebec, no Canadá.
Para cravar a presença do burnout, a pessoa deve apresentar três características. A primeira é exaustão. Não estamos falando daquele cansaço que evapora após o fim de semana. “Exaustão é um esvaziamento físico e mental que não passa com folga, férias ou licença médica”, esclarece Ana Maria.
A segunda característica é o ceticismo. “Quem tem burnout queimou todas as pontes atrás de si. Está sem perspectivas”, aponta a psicóloga.
A terceira e última é a sensação de ineficácia: por mais que você seja o primeiro a chegar e o último a sair da empresa, não produz o que gostaria.”O sujeito está presente fisicamente, mas ausente emocionalmente. As luzes estão acesas, mas não há ninguém em casa”, arremata a presidente do Isma-BR.
Roberta não esperou ser mandada embora. Pediu demissão antes. Mas já era tarde. Três dias depois, em maio de 2014, passou mal em um restaurante e foi parar no pronto-socorro. Cinco anos depois, agradece por ter tido burnout.
“Trabalhadores são vistos como peças de engrenagem. Se dão defeito, são trocados. Muitos amigos publicitários sofreram infarto ou AVC por trabalhar tanto quanto eu. Diante disso, não encaro o burnout como castigo ou fracasso, e sim como uma segunda chance”, afirma Roberta, que conta sua história no livro [amazon_textlink asin=’B07K5QNP96′ text=’No Limite do Stress — Tudo Que Aprendi com Meu Burnout e Que Pode Ser Útil para Você’ template=’ProductLink’ store=’v0858-20′ marketplace=’BR’ link_id=’c6ac5a45-fb58-4d2c-b884-8d7bfc7b208e’].
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