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Radiação em prol da saúde: por dentro de um acelerador de partículas

Escondido no Hospital das Clínicas, centro produz moléculas que ajudam no diagnóstico do câncer e outras doenças

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 8 fev 2023, 18h14 - Publicado em 8 fev 2023, 18h13

No último dia 1, cheguei ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) animada para conhecer pessoalmente o Cíclotron. O acelerador de partículas fornece moléculas radioativas para diagnósticos no Sistema Único de Saúde (SUS).

Logo no início da visita, minha primeira surpresa: na busca pelo lugar certo, ninguém sabia me informar onde ficava o CinRad – Centro Integrado de Produção de Radiofármacos. Compreensível, afinal, o HC é o maior complexo hospitalar da América Latina. Uma verdadeira cidade, com joias desconhecidas pelos próprios funcionários. 

O CinRad fica no primeiro prédio a trabalhar com medicina nuclear do país. Desde 1958, naqueles poucos andares, se desenvolvem os mais variados tipos de exames e tratamentos: radioterapia, raio-x, tomografia e etc. 

A sala onde fomos recebidos guarda, inclusive, um museu, com equipamentos antigos e imagens históricas.

museu de medicina nuclear da USP
Esboço do primeiro logotipo do Centro de Medicina Nuclear da USP, pioneiro no Brasil (Chloé Pinheiro/SAÚDE é Vital)

A medicina nuclear

A medicina nuclear, vale explicar, usa moléculas radioativas [que produzem um tipo específico de energia] para analisar o estado de órgãos ou mesmo fazer tratamentos. Essa energia é emitida porque algumas moléculas possuem átomos instáveis em sua estrutura.

Só para lembrar: toda matéria (inclusive nós) é formada por átomos, que, por sua vez, são compostos por minúsculas partículas, com cargas magnéticas diferentes. 

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Átomos instáveis são, por assim dizer, bagunçados. Para se tornarem mais estáveis, vão liberando energia [radioativa] até ficarem “sossegados” de novo. Esse processo é chamado de decaimento, e pode durar minutos, dias ou anos, dependendo do tipo de radiação emitida e do elemento em questão. 

São várias possibilidades de uso. Um feixe de radiação de baixa intensidade atravessa o corpo para fazer uma tomografia computadorizada, marcando com sombra as áreas por onde passa com maior ou menor dificuldade. Uma radiação mais forte e diferente é usada para “queimar” uma célula maligna. 

+ Leia também: Qual é a diferença entre tomografia e ressonância?

Para obter as moléculas radioativas, os aceleradores de partículas bombardeiam átomos com partículas (alfa, beta, próton, nêutrons, etc.) para que esses átomos estáveis passem por um processo de transmutação e se transformem em átomos radioativos de outros elementos químicos.

Como já explicamos aqui no blog, alguns tipos de aceleradores permitem, por exemplo, o estudo de micro-organismos em nível atômico para melhorar o tratamento de doenças. 

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Já o Cíclotron, que conheci no CinRad, produz moléculas que são injetadas no paciente e marcam células específicas do corpo para fazer exames como o PET-CT. Nele, a tomografia enxerga as células marcadas pela radiação. 

Para entender como isso acontece, vamos tomar como exemplo a 18F-Fluordeoxiglicose, ou 18F-FDG, para facilitar. O radiofármaco, fruto da união entre flúor radioativo e glicose, consegue se ligar às células que usam a glicose como fonte de energia, caso dos tumores de pulmão, linfomas e outros tipos de câncer

Ao passar pela tomografia, a energia emitida pelo 18F-FDG é percebida pela máquina e os tumores aparecem em destaque.

Como funciona o acelerador de partículas Cíclotron 

Durante a visita, eu e os outros jornalistas entramos em um vestiário e saímos nas entranhas do laboratório do CinRad devidamente paramentados com roupas de proteção. E com um medidor de radiação pendurado no pescoço, que não apitou em nenhum momento.  

Selado em uma sala com ares de bunker, com paredes de quase 2 metros de espessura e uma porta que pesa mais de 200 toneladas, o Cíclotron é uma versão em miniatura dos grandes aceleradores de partículas, como o LHC, que fica na Suíça, e o brasileiro Sirius, usado para produzir luz síncrotron. 

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Basicamente, como explicamos, seu objetivo é bagunçar moléculas já existentes na natureza para que se tornem radioativas. Quem contou essa história foi o físico Rubens Abe, que conduz o Cíclotron e está na USP desde 1971. 

acelerador de partículas
O físico Rubens Abe abrindo a sala do bunker onde fica o Cíclotron (Chloé Pinheiro/SAÚDE é Vital)

Para fazer isso, moléculas chamadas de alvo são inseridas na máquina em formato líquido, sólido ou gasoso. Ali, entram em contato com íons negativos [um tipo de partícula subatômica] de hidrogênio, que são acelerados em uma bobina de formato circular para gerar um feixe de prótons [outra partícula] que desestabiliza a estrutura do alvo em questão. 

Tomando o 18F-FDG como exemplo novamente, o flúor radioativo é feito no Cíclotron tendo um tipo especial de oxigênio como alvo. Depois da passagem do feixe de prótons, esse oxigênio sofre uma reação em seu núcleo e se transforma em flúor. A partir daí, tem 120 minutos de meia-vida – tempo para que sua energia comece a decair.  

acelerador de partículas
Os jornalistas convidados conhecendo o Cíclotron. A espiral onde as partículas são aceleradas é a peça com cor de cobre, ao centro do equipamento (Divulgação USP/Reprodução)

O isótopo radioativo formado no acelerador é colhido e enviado para outras máquinas, que fazem a síntese entre ele e a molécula em questão. O resultado é um líquido a ser injetado na veia dos pacientes, que precisa ser mandado rapidamente às instituições que o CinRad atende. 

Cada dose é transportada em pesadas cápsulas de tungstênio ou chumbo, que podem pesar até 20 quilos e impedem qualquer vazamento de radiação. 

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medicina nuclear
Cápsulas onde são transportados os radiofármacos (Chloé Pinheiro/SAÚDE é Vital)

Elas ficam guardadas em um cofre, cuja senha só é liberada após os testes de qualidade, que são conduzidos no próprio CinRad enquanto o produto viaja ao seu destino. 

Tecnologia em prol da saúde pública 

O Cíclotron, em operação desde 2010, é fruto de uma parceria público-privada com o Hospital Sírio Libanês, que doou os equipamentos. “É o único centro acadêmico do país a produzir radiofármacos para assistência e pesquisa”, comenta o médico especialista em medicina nuclear Carlos Alberto Buchpiguel, professor da USP que apresentou o CinRad a mim e a outros jornalistas. 

Hoje, o sistema fabrica cinco compostos aprovados pela Anvisa e já distribuiu mais de 50 mil doses deles. Suas boas práticas foram reconhecidas por entidades internacionais como a Agência Internacional de Energia Atômica

Além do PET-CT mais clássico, graças a ele é possível realizar gratuitamente tipos do exame hoje não cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como o PET-CT PSMA, para avaliar metástases do câncer de próstata, e o teste conhecido como PET Amiloide, que busca por placas no cérebro relacionadas ao Alzheimer. 

+ Leia tambémExames de imagem ajudam a desvendar doenças psiquiátricas

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“Mais de 6 mil usuários do SUS puderam fazer exames aos quais não teriam acesso normalmente”, aponta Buchpigel. Hoje, o CinRad atende instituições próximas, como o Instituto do Coração (InCor) e o Instituto de Radiologia (InRad), no próprio complexo do HC, e o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). 

A ideia é aproveitar o know-how para expandir a produção. “Poderíamos nos tornar referência para toda a rede de hospitais públicos do estado de São Paulo”, conta o médico. Apesar do tempo geralmente curto de vida dos radiofármacos, alguns conseguem viajar num raio de 500 km. 

O CinRad pesquisa ainda novas moléculas, que poderão auxiliar no diagnóstico de problemas psiquiátricos, neurológicos e cardíacos. De lá, já saíram mais de 180 artigos científicos, além de soluções para facilitar a produção de compostos cuja demanda é alta. 

Para ter ideia, a pequena equipe do CinRad, composta por 13 pessoas, desenvolveu sua própria metodologia para a produção de gálio, mineral que faz parte do PSMA e outros exames, a partir de uma moeda de zinco.  

Por fim, a estrutura do CinRad pode ser usada também para uma área promissora da medicina, a teranóstica: a ideia de localizar e, ao mesmo tempo, destruir um tumor. As negociações para captação de recursos e parcerias para isso já começaram. 

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