Perdi o chão, mas ganhei uma nova chance: minha saga contra o câncer
O revisor de VEJA SAÚDE conta sua experiência com o linfoma, um tipo de câncer no sangue, e as angústias e alegrias no meio do caminho
“É um tumor. Manda para o histoquímico.” O médico estava longe de mim e acabara de analisar o material que um colega havia colhido da minha garganta. Não sei se era para eu ouvir. Então o chão me faltou. O diagnóstico, embora não defnitivo, botava fim a um longo período de indefnição e dois dias de internação em um hospital público no Recife.
Mas voltemos no tempo… Comecei a sentir dor na garganta em janeiro de 2023, e a tratei como todo mundo: pastilha, anti-infamatório, antigripal… Só que nada de melhorar.
Era o sintoma de algo estranho ali. Na realidade, um ultrassom feito anteriormente para investigar gordura no fígado já apontava uma possível lesão no abdômen. Por causa disso, fiz uma endoscopia no fim de dezembro de 2022. Resultado: gastrite e infecção pela bactéria H. pylori.
No laudo da biópsia, havia a sugestão de fazer um estudo imuno-histoquímico “para avaliação de infltrado linfoide a fm de excluir doença linfoproliferativa”. E aí surgiram as dores absurdas na garganta.
Uma tomografia indicou lesão provavelmente neoplásica, o que me levou a correr atrás do tal imuno-histoquímico. Começava, assim, um périplo por hospitais, e, fora as dores, um gânglio cresceu no lado esquerdo do pescoço. A coisa só piorava.
Passei por uma nova tomo, e me internaram. Foram os piores dias da minha vida. Fiquei dois dias esperando sentado numa cadeira de hospital ao lado de outras 15 pessoas — aguardava uma maca no corredor.
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Mesmo com toda a deficiência de infraestrutura, fui muito bem atendido pela equipe médica. Finalmente, recebi o pré-diagnóstico, ainda a ser confrmado por biópsia: devia ser um tipo de câncer do sistema linfático.
Tive alta e voltei para casa com uma receita de analgésicos fortes. Ao retornar para uma consulta dez dias depois, a médica que me acompanhava sugeriu que fosse internado para agilizar a realização dos demais exames.
Ansioso para ter os laudos da biópsia da garganta e do imuno-histoquímico do estômago, fui hospitalizado de novo. Já havia emagrecido 10 quilos em três meses, não conseguia me alimentar direito e as dores só pioravam.
Me viraram do avesso e só podia comer refeições pastosas, e ainda assim utilizando um spray anestésico antes — cheguei a levar mais de uma hora para tomar um copo de vitamina. Água, só com espessante ou mel. Comprimidos, dissolvidos.
A biópsia do linfonodo no pescoço trouxe a confrmação: linfoma difuso de grandes células B. Acostumado que estou com termos médicos — são 15 anos de trabalho aqui na revista —, a partir daí comecei a conviver com uma realidade que só via na literatura científca.
Fui encaminhado a um hematologista e submetido a um PET-CT, exame que apura a extensão da doença. As imagens assustavam: havia focos espalhados, com dois mais pronunciados na garganta e no abdômen.
O escore de gravidade era o mais alto. O médico não me prometeu cura, mas disse que eu teria o melhor tratamento e o resto dependeria da resposta do meu corpo.
Fortalecido por uma corrente de orações e mensagens de familiares, amigos e colegas de trabalho, rapidamente fiz os exames pré-quimioterapia. Ver o André, meu amigo de longa data que divide apartamento comigo em Jaboatão dos Guararapes, no Grande
Recife, um evangélico ajoelhado na beirada da cama rezando uma novena, tradição católica, me deixou esperançoso e emocionado.
Foram programadas seis sessões, a cada 21 dias — e fui preparado para as reações adversas. No dia 9 de maio de 2023, passei pela primeira prova.
Cheguei às 6 da manhã e só saí do hospital às 4 horas da tarde. Durante o procedimento, tive um pouco de taquicardia e tremores. Senti muito frio.
Entre os componentes do tratamento, o primeiro da lista era o anticorpo monoclonal rituximabe, sobre o qual tanto lera nas páginas de VEJA SAÚDE. Nos quatro dias após a sessão, tomava comprimidos de corticoide, e, na sequência, injeções para melhorar a imunidade.
Nos dias seguintes à químio, acordava com enjoo e fraqueza nas pernas e nas mãos. Me olhava no espelho e não me reconhecia. Mas não desanimava: em todo esse período, não fiquei um único dia na cama.
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Só me deitava no começo da madrugada, após tomar o último remédio do dia, e, por algum mistério que nunca vou decifrar, conseguia dormir pelo menos seis horas, sem sentir dor.
Continuei trabalhando e atualizei as séries de TV e as leituras. Tive a sorte de trazer de São Paulo a mãe do André: dona Maisa ficou conosco quase dois meses, preparando minha comida e aguentando alguns momentos de mau humor. Uma semana após a primeira sessão, tive febre e corri para o hospital, respeitando o conselho médico.
A imunidade estava lá embaixo. Recebi antibióticos, e o quadro se normalizou sem ter de ir à UTI. Pálido e 20 quilos mais magro, não tinha coragem de me ver no espelho. Contudo, no segundo dia de internação, aconteceu o que eu chamo de milagre: não senti dor alguma para comer.
Chorei copiosamente, sem vergonha dos sem sobressaltos. Como os cabelos já me são raros, tentava administrar a queda dos fios da barba.
Os exames apontavam melhora a cada dia. E o ganho de peso estava a todo vapor, em média 3 quilos a cada três semanas. O linfonodo, que havia diminuído 80% até a terceira sessão, não desapareceu por completo, um motivo de apreensão.
Então perguntei ao médico quais seriam as opções se, ao fim do tratamento, o problema não tivesse cedido. Resposta: um novo tipo de químio e a entrada na fila de transplante de medula.
Que angústia! No fim de setembro, um mês depois da última sessão, refiz o PET-CT. Quando peguei o resultado, relutei em abrir o envelope.
Outro amigo, Adauto, e uma prima, Margarida, foram essenciais em momentos assim, para não deixar desgovernar minha sanidade mental. Enfim, criei coragem e espiei o resultado: “Estudo sem evidências de lesões hipermetabólicas indicativas de processo linfoproliferativo em atividade”.
Chorei de novo. Quando levei os resultados ao hematologista, ele confrmou que não havia mais nada, tirando as alterações esperadas nos exames de sangue e um ligeiro desconforto na garganta.
Agora é cumprir o protocolo de testes e consultas regulares por um período de cinco anos. E agradecer cada mensagem de carinho e de incentivo. Cada um, à sua maneira, tem uma explicação para a minha recuperação: Deus, santos, orixás, orações e a ciência, claro.
Aceito todas. De alguma maneira, me fizeram chegar até aqui e acreditar que me foi dada uma nova chance.
*Ronaldo Barbosa é jornalista e revisor com quase 40 anos de carreira. Atua em VEJA SAÚDE desde 2008.