O que precisa avançar (e ser resgatado) na Reforma Psiquiátrica
Lei que mudou a forma de tratar a saúde mental no Brasil faz 21 anos, mas estudiosos veem lacunas em sua implementação
Direito ao melhor tratamento de saúde, com humanidade, respeito e da forma menos invasiva possível. Esses são apenas algumas das conquistas das pessoas com transtorno mental que estão previstos na Lei da Reforma Psiquiátrica, promulgada há mais de 20 anos e que ainda encontra desafios para sua plena implementação, devendo ser retomada e aprofundada.
Na tentativa de reconhecer e resgatar os avanços realizados, identificar os consensos possíveis e avançar na garantia e ampliação dos direitos das pessoas em sofrimento ou com transtorno mental, compilamos algumas propostas para as políticas de saúde mental.
Isso inclui reforçar e potencializar o protagonismo dessas pessoas e incorporar a avaliação de resultados que guiem todas as fases do ciclo de políticas públicas de saúde mental, tendo como pressuposto que internações involuntárias de caráter coercitivo devem ser exceção e de brevíssima duração.
Ao mesmo tempo, o direito ao asilo deve ser ampliado quando e sempre que alguém necessitar de abrigo e proteção. Mas, em nenhum dos casos, isso deve ocorrer em instituições segregadoras.
O protagonismo passa pela promoção da autonomia das pessoas com transtorno mental por meio da inserção social através de ações como a geração de emprego e renda, reajuste e implementação do auxílio financeiro do Programa de Volta para Casa (PVC) e oferta de cursos profissionalizantes.
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Na mesma linha, são fundamentais ações que garantam a participação e o controle social, como a implementação de Conselho Gestor nos serviços de saúde mental, com a representação de pessoas com transtorno, familiares, trabalhadores, gestores do serviço e representantes de movimentos sociais, e a viabilização, pelo Ministério da Saúde, da realização periódica da Conferência Nacional de Saúde Mental, que deveria ter ocorrido ainda em 2022 e não acontece há mais de dez anos.
Em termos de avanço nas políticas, destacamos a necessidade de priorizar crianças e adolescentes, tanto como público-alvo quanto potenciais protagonistas da formulação. Eles representam uma das parcelas da população que mais sofre com os impactos da pandemia e é extremamente importante falar sobre escolas educadoras voltadas para o desenvolvimento das crianças, onde a pedagogia seja também instrumento de prevenção.
Dessa forma, os educadores também precisam ser priorizados, ao passo que as crianças e adolescentes devem ter suas especificidades contempladas na Política Nacional de Saúde Mental.
Mais de 20 anos se passaram desde a promulgação da Lei da Reforma Psiquiátrica e é importante resgatarmos suas conquistas, além de progredirmos com as discussões tendo em vista o contexto e as demandas atuais. Ainda dá tempo de fazer valer a Reforma, tão fundamental para as pessoas com transtorno mental e seus familiares.
Na realidade, ainda dá tempo de olhar para frente e trazer um olhar ampliado para o sofrimento mental e pensar em políticas de promoção de saúde, de forma irrestrita e indiscriminada. Ao garantir o respeito às diferenças e aos direitos humanos, nos aproximamos de uma sociedade menos estigmatizante e preconceituosa.
* Dayana Rosa é administradora pública, doutora em saúde coletiva pela UERJ e pesquisadora do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS); Luciana Barrancos é graduada em Direito e Administração de Empresas pela FGV, com MBA pela Universidade Stanford (EUA) e gerente executiva do Instituto Cactus; Roberto Tykanori é médico, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e ex-coordenador geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde (2011-2015)