Miséria hereditária: a exclusão social contra a ordem e o progresso
Professor discute como problemas de origem socioeconômica, como desnutrição e falta de educação e atividade lúdica, comprometem gerações de brasileiros
A exclusão na sociedade atual atinge diversos níveis e formas. E o fato é que o desenvolvimento tecnológico não alcança todas as camadas sociais, assim como as oportunidades de trabalho qualificado.
O acesso a educação e a qualificação ocupacional tem relação direta com melhores salários e perspectivas de ascensão profissional. E o domínio de novas tecnologias se mostra essencial nesse processo.
Entretanto, os efeitos da desigualdade e da exclusão social são complexos. Eles não afetam apenas indivíduos isolados, comprometem grupos por gerações.
Uma sociedade moderna deve considerar a inclusão como algo sério. Não existe margem para negociação quando falamos de diferenças de acesso, de oportunidade e de desenvolvimento humano. Por que não? Vamos pensar juntos.
A desnutrição na infância compromete a riqueza de conexões entre os neurônios. Em outras palavras, reduz o número e a eficiência desses contatos. Mas não é apenas a falta de alimento que pode afetar o desenvolvimento cerebral. Brincadeiras e jogos também são estímulos fundamentais para a organização adequada do cérebro.
E o que dizer do afeto? Este tem um papel crítico na maturação dos sistemas imunológico e nervoso.
Uma criança malnutrida pode apresentar dificuldades de aprendizado e tornar-se um adulto menos qualificado para o mercado de trabalho. Um trabalhador mal remunerado e, por consequência, menos satisfeito.
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É muito provável que sua família não tenha uma boa alimentação e que não exista tempo para carinhos e brincadeiras em casa. Isso sem considerar aqueles casos em que sequer existe trabalho e a exclusão social é total. As consequências para as crianças são gravíssimas.
O resultado da exclusão é uma herança de exclusão. Apesar de não haver nenhuma base genética conhecida para a miséria, ela pode, sim, ser herdada. Passar de pais para filhos. Eis a miséria hereditária.
Refiro-me a algo tão grave que não será resolvido com vitaminas e dietas especiais, nem com professores particulares ou cotas sociais. Falamos de cidadãos que não puderam atingir o pleno desenvolvimento cerebral porque foram desnutridos na infância, porque não tiveram atividades lúdicas, nem o afeto dos pais.
A questão exige políticas públicas eficazes com a máxima urgência. Não se trata de solidariedade, mas de humanidade.
* Marcos Emílio Frizzo é pós-doutor em neurociências e professor titular do Departamento de Ciências Morfológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autor do livro As Veias Escuras do Saara (Almalinda), na literatura aborda questões sociais e existenciais