Como enganar a si mesmo faz mal à saúde
A mente humana faz de tudo para manter nossas crenças, mesmo que elas não sejam verdadeiras. Um estudioso do assunto destaca os riscos disso
Em janeiro de 1997, membros do culto Heaven’s Gate pagaram 3 600 dólares por um telescópio, com o intuito de enxergar a salvação. Seu líder acreditava que uma nave espacial, que estava colada a um cometa que orbitava próximo à Terra, iria coletar suas almas e transformá-los em seres super evoluídos. Para isso, todos deveriam livrar-se de seus “receptáculos terrestres.”
Curiosamente, alguns dias depois os membros voltaram à loja para devolver o telescópio. Quando a gerente do local perguntou pelo motivo, um deles afirmou: “O telescópio está com defeito. Conseguimos enxergar o cometa perfeitamente, mas não a nave espacial que está atrás dele”.
Dias mais tarde, os 39 membros do culto foram encontrados mortos, vítimas de suicídio coletivo.
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O fenômeno que fisgou os membros do Heaven’s Gate é conhecido como dissonância cognitiva – o desconforto causado quando somos expostos a cognições conflitantes. Veja:
“Eu acredito que uma nave espacial viajando atrás do cometa vai coletar a minha alma e me transformar em um ser mais evoluído.”
É conflitante com:
“Eu comprei um telescópio, procurei a nave espacial, mas só enxerguei o cometa.”
Para reduzir o desconforto e voltar a se sentir bem, a pessoa tem duas opções:
- Deixar de acreditar no culto.
- Usar algum subterfúgio para manter sua crença: “o telescópio está com defeito.”
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Décadas de evidências científicas revelam que, para mantermos uma imagem de que somos inteligentes, honestos e bons decisores, fabricamos as mais bizarras justificativas.
O lendário cientista Kurt Lewin demonstra em suas pesquisas que o ser humano é expert em construir narrativas para ficar de bem consigo mesmo.
Um exemplo: todos nós temos um amigo que acumula louças sujas, que usa roupas manchadas de gordura e por aí vai.
Você pode definir esse seu amigo como relaxado, mas, se perguntar como ele define a si mesmo, verá que ele se define como um cara zen, que não liga para o que os outros pensam. Nas mais variadas circunstâncias, as pessoas interpretam seus comportamentos de modo a proteger a autoestima.
A fome constante de manter uma imagem positiva de nós mesmos ainda nos leva a um outro comportamento. Uma vez munidos de uma crença, nossa tendência é procurar exclusivamente por informações que confirmam que estamos certos. Esse fenômeno é conhecido como viés da confirmação.
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O viés de confirmação é forte dentro daqueles grupos de aplicativos compostos somente por pessoas que comungam as mesmas opiniões e que consomem informações apenas de veículos que satisfazem suas preferências, e geram medo.
O problema é que essa dieta de informação composta por medos fabricados por manipuladores aumenta constantemente a liberação do neurotransmissor epinefrina e do hormônio cortisol, que elevam os batimentos cardíacos, o fluxo dos vasos sanguíneos e o açúcar no sangue.
Se o seu objetivo é escapar de predadores, nada melhor do que um sistema que detecta ameaças, gera energia e direciona esforços para preencher os músculos das suas pernas. Mas se a meta é escapar da verdade, o acionamento desnecessário desse mecanismo pode sobrecarregar o sistema circulatório e gerar condições como AVC, aterosclerose, diabetes e obesidade.
Enganar a si mesmo traz alívio e aumenta a autoestima no curto prazo, enquanto ser sincero consigo mesmo é dolorido e expõe friamente suas imperfeições. Mas essa segunda opção também vai te transformar verdadeiramente em um ser mais evoluído e saudável. Qual é a vida que você quer?
*Luiz Gaziri é autor de A Arte de Enganar a Si Mesmo e outros três livros, professor de pós-graduação na Unicamp e FAE Business School, palestrante e consultor empresarial.