Ansiedade em tempos de Covid-19: será que ela vai embora após a vacina?
A vacinação pode acalmar o estresse da pandemia com o tempo, mas não vai resolver problemas mentais de antes. Veja técnicas para lidar com a ansiedade
Durante a pandemia de Covid-19, você sentiu que sua ansiedade aumentou? Se sim, saiba que não está sozinho. O número de pessoas com sintomas de ansiedade, depressão e insônia praticamente dobrou durante o período de quarentena e isolamento no Brasil. Diante disso, a vacina carrega a promessa do retorno à normalidade. Mas será que, ao recebermos a imunização, ficaremos mesmo livres da ansiedade? Teremos de volta a saúde mental?
O Brasil já era o país mais ansioso do mundo antes da pandemia — 8,6 milhões de brasileiros sofrem com esse transtorno, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). O que a Covid-19 fez foi agravar o quadro. Em abril e maio, o termo “insônia” foi o mais pesquisado no Google. Além disso, as vendas de calmantes, antidepressivos e estabilizadores de humor aumentaram, em média, 80%.
Ou seja, uma vacina ajuda, mas não vai trazer de volta, de forma automática, a saúde da nossa mente. E seus efeitos podem levar um tempo para serem sentidos. Como é possível afirmar isso? Olhando para o passado. Se analisarmos outras epidemias – Sars, H1N1, ebola, entre outras –, notaremos que a quantidade de pessoas com sintomas de ansiedade e depressão aumenta conforme as doenças se espalham. E esse cenário se mantém, pelo menos, durante um a dois anos passada a fase aguda do surto.
Uma forma simples de entender a ansiedade é pensar nela como um sistema de alerta do corpo. Um alarme que o corpo emite para apontar uma ameaça desconhecida no ambiente. O problema é que, muitas vezes, esse alarme dispara na hora errada ou não desliga, mesmo depois que o perigo já passou. E isso rouba a nossa energia. Sofremos e não conseguimos colocar a atenção em outras coisas.
Três causas aumentam nosso nível de ansiedade nesse momento de pandemia. A primeira é o trauma. Muita gente adoeceu, passou dias na UTI ou conhece alguém que vivenciou isso ou até mesmo morreu. E isso pode deixar o circuito de alerta do cérebro ativado por muito tempo depois do trauma.
A segunda razão está ligada a uma situação de indefinição. Nosso cérebro não gosta de sentir que não temos um plano ou o controle do que vai acontecer. A verdade é que nós não possuímos mesmo controle sobre diversas coisas do mundo, mas é importante ter a sensação que algo está nas nossas mãos.
E a terceira: um desequilíbrio entre fatores que protegem a nossa mente e os que a estressam. Exemplo de hábitos protetores: alimentação saudável, exercício físico, luz do sol, conexão com as pessoas, senso de propósito. Exemplo de estressores: perigo financeiro e instabilidade de saúde.
A falta de fatores protetores e o excesso de estressores faz com que o corpo produza adrenalina em excesso. E aí começa a ansiedade, que traz sintomas e sensações como: palpitação, respiração ofegante, músculos tensos, pele suada, pupila dilatada, tremores, intestino solto, dor de estômago, refluxo, desligamento da realidade… Nossa atenção fica em túnel, focada no medo do que vai acontecer. Hipervalorizamos essa sensação e, com isso, deixamos de aproveitar coisas prazerosas.
A boa notícia é que existem ferramentas para lidar com a ansiedade (além da questão medicamentosa, claro). Uma das dicas mais importantes é não tentar expulsar a ansiedade da mente. O segredo está em mudar o objetivo. Quando você se sentir ansioso, diga para si mesmo: “Eu não preciso fazer a ansiedade ir embora, e sim convidar a calma para sentar junto com ela”. A ansiedade é igual àquele vizinho chato: quanto mais você tenta mandar embora, mais ele toca a campainha da sua casa.
Adotar uma técnica de respiração que controle a adrenalina é outra tática valiosa. Se nunca fez isso, comece com respirações mais simples. Não foque em respirar fundo se você já não treina essa técnica no dia a dia. Isso pode inclusive te deixar mais ansioso. Concentre-se apenas em soltar o ar devagar, como se tivesse assoprando um canudo, até sair a última gota de ar. Isso ajuda a “resetar” o ritmo da respiração, acalma e sinaliza para o seu corpo que o ambiente está tranquilo.
Outra sugestão: adote “As Caixas de Pensamentos”. Se você está com muitas preocupações, pegue papel e caneta e escreva tudo o que está pensando. Aí separe os pensamentos em duas caixas: a primeira para os acontecimentos que estão ocorrendo agora e a segunda, para o que vai acontecer no futuro. Aí, imagine-se tampando a caixa do futuro e determine um horário para reabri-la. Até chegar esse horário, você não dará bola para a preocupação futura.
Esse é um método simples e pode ser que, isolado, não faça a ansiedade ir embora imediatamente. Mas ele pode começar a acionar o circuito de relaxamento e ajudar você a sair dessa bola de neve que a crise de ansiedade causa, devolvendo a qualidade de vida e promovendo um reequilíbrio para a saúde da mente.
*Marco Antonio Abud é médico psiquiatra e fundador do Canal Saúde da Mente