A esquizofrenia é uma doença, não uma sentença!
Conscientização sobre o problema marcado por episódios de psicose e acesso a tratamento precoce podem mudar a realidade da esquizofrenia no país
Preconceito pode ser definido como uma “atitude emocionalmente condicionada, baseada em crença, opinião ou generalização, determinando simpatia ou antipatia para com indivíduos ou grupos”. Trata-se de um “conceito ou opinião formado antes de ter os conhecimentos necessários sobre um determinado assunto”.
Ele está inserido de diferentes formas na sociedade, podendo ser racial, de gênero, religioso, cultural, físico e mental. Normalmente, acontece frente ao diferente e ao desconhecido, e pode ter um impacto nefasto nas relações familiares e sociais e até mesmo em políticas públicas.
Atualmente, fala-se muito sobre saúde mental, mas pouco sobre os efeitos do preconceito na vida de pessoas que sofrem de algum transtorno mental (e em suas famílias).
O próprio vocabulário popular distorce diagnósticos médicos, como esquizofrenia e retardo mental, e utiliza-os para rotular e segregar . Um bom exemplo é justamente a esquizofrenia, uma doença que acomete 1,6 milhão de brasileiros, sendo considerada a terceira condição que mais afeta a qualidade de vida entre a população de 15 a 45 anos de idade, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
É uma doença que suscita diversos estereótipos e uma das que mais sofrem discriminação. Pessoas acometidas por ela são consideradas loucas e estão condenadas à insanidade para o resto da vida.
Na verdade, a esquizofrenia pode ter diferentes evoluções, desde uma remissão completa dos sintomas psicóticos, uma estabilização do quadro, até uma cronificação e incapacitação para uma vida independente. Além da gravidade, o principal fator que determina a progressão é a adesão a um tratamento multidisciplinar, que inclui medicações e psicoterapia.
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Grande parte das pessoas com esquizofrenia, quando tratadas efetivamente desde o início da doença, consegue evitar episódios psicóticos e ter uma evolução favorável. É preciso dizer que muitos profissionais, tais como médicos, advogados e engenheiros, que são portadores de esquizofrenia têm uma boa vida familiar e laboral. Basta cuidar do tratamento, como se fosse qualquer outra doença crônica.
No entanto, o estigma se impõe como uma enorme barreira para o tratamento. Muitas vezes, a família ou a pessoa acometida sabem que tem a doença, mas não conseguem aceitar, retardando o início da terapia e piorando o quadro. A visão preconceituosa de que não há cura gera um desestímulo a aderir ao tratamento, aumentando o risco de episódios psicóticos, agravamento da doença e hospitalização.
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Esse triste círculo vicioso se completa, levando a novas crises psicóticas, acompanhadas de desesperança e abandono de tratamento, isolamento social, abuso de drogas, perda da capacidade de vida independente e até mesmo a violência. Cria-se, assim, a profecia autoproferida de que a doença tem um mal prognóstico.
A partir da observação de que os pacientes pioram quando apresentam quadros psicóticos, passou-se a implementar serviços específicos para lidar com as fases iniciais da doença em todo o mundo. Atualmente, está mais do que claro que o tratamento intensivo nessa fase está relacionado a menos recaídas, menor número de internações e melhor retorno à vida social e profissional.
Esses serviços de intervenção precoce se provaram custo-efetivos, uma vez que evitam as despesas de hospitalizações, mitigam o sofrimento e a cronificação da doença. Nas últimas décadas, países como Austrália, Reino Unido e Dinamarca adotaram essa estratégia como política pública.
Infelizmente, isso não ocorre no Brasil. A assistência para o tratamento da esquizofrenia se restringe aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), desenvolvidos para pacientes crônicos e institucionalizados com altos níveis de incapacitação.
Por mais que seja consenso em todo mundo, não temos nenhuma política pública de intervenção precoce no nosso país. Contamos somente com alguns serviços ligados a universidades, como a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e que mostram a viabilidade dessa abordagem.
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Sabemos que a falta de conhecimento leva ao preconceito, e isso impacta a vida de pacientes e familiares e gera custos para toda a sociedade. A discriminação é perniciosa e vem até de governantes e formuladores de políticas públicas.
Por isso, é necessário disseminar informações confiáveis sobre a doença, por meio de iniciativas como a campanha de conscientização Ouçam Nossas Vozes, que, neste ano, leva a discussão sobre a linguagem inclusiva com o lançamento do Dicionário Anticapacitista em Saúde Mental. O capacitismo, convém lembrar, é uma forma de preconceito contra pessoas com alguma deficiência (física ou mental).
Esperamos que iniciativas como essa ajudem a sociedade e sensibilizem os governantes a criar estratégias amparadas cientificamente para o tratamento precoce da esquizofrenia. Assim podemos reverter aquela profecia e deixar mais claro que esquizofrenia definitivamente não é coisa de louco!
* Rodrigo Bressan é psiquiatra, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do King’s College London, na Inglaterra, e Presidente do Instituto Ame Sua Mente; Cristiano Noto é psiquiatra, professor e líder do GAPI – Grupo de Atenção às Psicoses Iniciais da Unifesp