O que a pandemia ensina sobre a impermanência e a finitude da vida
Psicóloga defende que o coronavírus nos coloca frente a frente com a discussão sobre o fim da vida. E não dá para jogar o assunto para debaixo de tapete
A pandemia de Covid-19 gerou muitos problemas, traumas, dores e sofrimento. Mas é inegável que nos trouxe uma grande lição: somos impermanentes e precisamos aprender a viver encarando de frente nossa finitude.
Saber-se finito não é mórbido, pelo contrário: permite protagonismo. É ter inteligência emocional, pois nos dá consciência sobre as escolhas encarando tal perspectiva.
Todo ponto final estrutura uma frase. A morte dá contorno e sentido à vida. Quantos de nós, ao temer o contágio pelo coronavírus, passaram a valorizar mais a própria vida?
Sob esse aspecto, encarar a finitude como uma certeza sem data marcada nos convida a adotar medidas de proteção contra a Covid-19, que vão do distanciamento físico ao uso de máscaras, sem nos sentirmos culpados ou inadequados.
Tais sensações vêm da ideia de que prevenção parece atitude na contramão numa cultura como a nossa, baseada em uma estrutura capitalista e que não nos prepara para o momento da morte, o que sabota o nosso viver.
E com isso, vivemos ansiosos.
E com isso, delegamos a potência de nossas vidas.
E com isso, morremos ainda vivos, porque não vivemos a vida que nos faz sentido.
Quando percebemos, já é tarde. E nada pior do que morrer com a sensação de uma vida medíocre. A pior morte não é a violenta, tampouco a arrastada por um longo processo de adoecimento. Para quem vai, a pior morte é a de uma vida tragicamente vivida, e não a de uma vida tragicamente morrida.
Entre tantas angústias que estamos vivendo, temos a obrigatoriedade de fazer as pazes com a impermanência. Pense nisso como uma chance para você, e como uma homenagem às milhares de vidas ceifadas nessa pandemia.
Que o medo de morrer nos dê a chance de aprendermos a viver, sustentados em valores e motivações que oferecem dignidade e bem-estar à trajetória de cada um.
Não se trata de viver banalizando sofrimentos, mas de escolher seus caminhos, assumindo a potência real de nossas vidas e abrindo mão da ilusão de controle que nos assola. A vida sempre vai nos apresentar um ponto final.
Quem sabe uma pandemia pode nos dar uma lição cultural? Depende de cada um de nós.
* Gabriela Casellato é doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP, sócia-fundadora do Quatro Estações Instituto de Psicologia e organizadora de livros sobre o tema, sendo o mais recente: Luto por perdas não legitimadas na atualidade (clique para comprar).