Quando vale a pena alongar?
Cientistas se propuseram a resolver essa polêmica de uma vez por todas. Saiba quando e como usar o estica e puxa a favor dos exercícios físicos
Alongar antes de suar a camisa previne lesões? Ou é verdade que piora o desempenho no esporte? Afinal, por quanto tempo fazer isso? Se ficou embaralhado com essas perguntas, calma. Uma nova pesquisa de várias instituições ao redor do globo promete esclarecer essas e outras difíceis questões sobre o tema. Para atingir a meta, os cientistas reuniram estudos publicados entre 1989 e 2014 sobre como a prática interfere na atividade física. Aí, analisaram todos os resultados em conjunto a fim de mostrar se, no mundo dos esportes, o protagonista da reportagem está mais para mocinho ou vilão.
Primeiro achado: o alongamento estático (aquele em que sustentamos uma mesma posição por um determinado período) pode, sim, prejudicar a performance. Entretanto, essa consequência só dá as caras quando a pessoa exagera no tempo que passa parada encompridando uma parte específica do corpo. “A redução na força ocorre quando um músculo é esticado por mais de um minuto. Caso contrário, a piora será insignificante”, afirma Anthony Blazevich, um dos autores do trabalho e professor de biomecânica da Universidade Edith Cowan, na Austrália.
O segredo para contornar quedas no desempenho é abreviar o tempo gasto em cada posição e, por outro lado, contemplar mais regiões. “Você pode alongar o quadríceps [coxa] três vezes por 20 segundos ou quatro vezes por 15 e, em seguida, fazer o mesmo com os outros grandes grupos musculares”, exemplifica o cinesiologista David Behm, que assina o artigo em nome da Memorial University, no Canadá. Outra coisa importante é associar essa tática a uma sessão de aquecimento. Em outras palavras, antes do apito do árbitro ou da largada já é necessário mexer o corpo, subindo a intensidade aos poucos. Nesse contexto, procure simular situações da modalidade que está prestes a ser iniciada.
Mas convenhamos que se submeter a tudo isso só para “não piorar o desempenho” – ou seja, para ficar na mesma – faria pouquíssimo sentido. Ainda bem que aquele levantamento revela um potencial anticontusão dos alongamentos estáticos. Eles protegem especialmente contra as lesões musculares agudas, aquelas derivadas de uma pancada ou sobrecarga. “Isso porque os músculos e tendões tornam-se mais complacentes. Assim, absorvem melhor o choque dos movimentos vigorosos”, diz Behm.
Para escapar de dolorosos chabus musculares, dados daquela revisão indicam que a sessão inteira de estica e puxa precisa durar no mínimo cinco minutos. “Quanto mais alongado, forte e coordenado o atleta, menor o risco de lesões”, descreve o ortopedista André Pedrinelli, chefe de Medicina Esportiva do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas de São Paulo. Lembre-se, no entanto, de não ultrapassar os 60 segundos em cada posição.
O grau de proteção, é bom que se diga, parece variar de uma modalidade para outra. Nas que envolvem uma diversidade enorme de movimentos – como futebol, basquete, vôlei, handebol e tênis -, o alongamento estático chega a diminuir em 54% o risco de uma contusão. “Contudo, não temos informação suficiente para saber se o método impede danos em outros tipos de esporte”, ressalta Blazevich, referindo-se a exercícios como o ciclismo e a corrida.
Um dos possíveis motivos para tal diferença está no perfil do esforço. “Indivíduos que realizam contrações musculares muito vigorosas e velozes ou práticas que necessitam de amplitude máxima das articulações podem se beneficiar mais”, esclarece Luciano Mercadante, profissional de educação física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista. “Já em atividades caracterizadas por movimentos repetitivos, a influência do alongamento estático na prevenção de lesões diminuiria”, pondera Ricardo Munir Nahas, especialista em medicina esportiva e diretor da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE). “Mas isso não significa que ele deve ser dispensado”, opina.
Um alongamento pra chamar de seu
Se o efeito dele depende do esporte de preferência, é natural imaginar que cada pessoa deve estender seus músculos de forma individualizada. “Um bom programa de alongamento considera toda a cadeia motora que será utilizada, além da velocidade de execução dos movimentos”, informa Pedrinelli. “Se for o caso, ele inclusive vai levar em conta a função específica do atleta. No futebol, por exemplo, um goleiro não se mexe como um atacante”, completa. Resumindo, é fundamental identificar as partes do corpo mais exigidas e, a partir daí, desenvolver um regime de alongamentos que as deixe bastante flexíveis.
Mas aí que está. Pensando em efetividade e, acima de tudo, em segurança, não dá para nós mesmos decidirmos como espichar a musculatura. Até porque alguns cuidados fogem da nossa cabeça. “É imprescindível contar com a orientação de um profissional de educação física, principalmente em relação à postura, ao número de repetições e ao controle do tempo. Tudo para não se machucar”, recomenda Nahas. Se você não tenta alcançar a ponta dos pés com as mãos sem dobrar os joelhos desde as aulas de educação física – ou se apenas dá uma esticadinha de modo aleatório -, essa é uma boa hora para rever seus conceitos. As vantagens disso, agora mais do que nunca, são inegáveis.
E depois?
Até aqui, falamos só do alongamento antes do exercício. Mas vale apostar nele após a malhação? A resposta é… com certeza! “A estratégia colabora com a recuperação muscular, atenuando possíveis dores”, justifica o educador físico Luciano Mercadante, da Unicamp. “Isso, aliás, é importante para melhorar a condição física geral”, arremata. Dedicar um tempinho para se alongar depois do apito final também faz as fibras musculares voltarem ao comprimento original – elas tendem a encurtar durante o esforço físico.