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O novo guia da introdução alimentar de bebês

Organização Mundial da Saúde (OMS) acaba de atualizar suas recomendações. Tem novidade (e polêmica) no meio: agora o leite de vaca pode ser dado mais cedo

Por Daniella Grinbergas (texto) e Laura Luduvig (design e ilustração)
15 dez 2023, 14h31
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Especialistas ponderam que é preciso ter um olhar mais amplo do documento da OMS sobre introdução alimentar (Foto: pinstock/Getty Images | Ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)
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Do suco de laranja-lima na chuquinha à ordem de raspar o prato todo para a mamãe ficar contente, muita coisa mudou no universo da introdução alimentar a partir dos 6 meses da criança.

A começar pela clareza de que a nutrição logo no início da vida é determinante para a nossa saúde. São os tão falados mil dias do bebê — que vão da gestação ao segundo ano de idade. O conceito abre uma janela de oportunidades para o desenvolvimento do pequeno e a prevenção de doenças crônicas em curto e longo prazo.

Como tudo que envolve ciência, as orientações para a nova rotina dietética da criança, até então restrita ao aleitamento materno, também são passíveis de revisão de tempos em tempos.

E foi depois de avaliar um montante de dados e pesquisas a respeito que a OMS atualizou suas diretrizes gerais de introdução alimentar. O documento chacoalhou a comunidade de pediatras e nutricionistas infantis.

A verdade é que nem tanta coisa mudou — a amamentação exclusiva até os 6 meses continua ponto pacífico e a comida sólida segue entrando a partir daí —, mas o novo guia antecipou a possibilidade de oferecer leite de vaca aos bebês. Se antes ele só estava liberado após 1 ano de idade, agora não teria problema entrar no dia a dia ao fim do primeiro semestre de vida.

+ Leia também: Introdução alimentar: o que fazer para ter sucesso

Para entender melhor o bafafá, os especialistas ponderam que é preciso ter um olhar mais amplo sobre o papel e as ideias contidas no documento da OMS.

“Essas orientações são um ponto de partida, mas os cuidadores devem consultar um profissional de saúde para obter direcionamentos que levem em conta a situação financeira da família, a condição de saúde dos bebês, entre outros fatores”, explica a nutricionista Giliane Belarmino, fundadora da plataforma De Mãe em Mãe.

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As diretivas da entidade são um norte para políticas e campanhas públicas, pois procuram contemplar crianças de países de baixa, média e alta renda, incluindo as necessidades de bebês amamentados ou não — só estão fora do escopo prematuros e nascidos com baixo peso, bem como aqueles com alguma deficiência grave, desnutrição aguda ou em situação de emergência.

De qualquer forma, o manual chama a atenção da sociedade para aquele que seria um padrão mais adequado de alimentação, algo no qual o Brasil precisa melhorar.

+ Leia também: 12 passos para uma introdução alimentar de sucesso

Segundo o Projeto Pipas – Primeira Infância para Adultos Saudáveis, recém-divulgado pelo Ministério da Saúde e a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, mais de 40% dos bebês com menos de 6 meses por aqui não estavam em aleitamento exclusivo.

O mesmo levantamento escancara a carência de comida fresca e natural e a alta disponibilidade de produtos ultraprocessados nos primeiros anos de vida.

Assim, 10% das crianças com menos de 3 anos encaram um risco de não atingir seu pleno potencial de desenvolvimento. Ou seja, há todo um trabalho de conscientização e revisão de hábitos que precisa ser feito para transformar essa realidade.

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A seguir, entraremos, uma por uma, nas diretrizes atualizadas da OMS.

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Clique para ampliar (Foto: pinstock/Getty Images | Ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)

Bem-vinda, comida sólida

A OMS não mexeu numa regra básica: a amamentação exclusiva segue recomendada até meio ano de vida. A partir daí, podem entrar os alimentos — exceto em casos específicos, em que o processo pode ser antecipado ou postergado sob indicação médica.

Oferecer pedacinhos de frutas e legumes ao bebê é um processo rico, porém desafiador. Por isso a iniciação deve ser gradual e respeitar o tempo do bebê e da família.

“A alimentação é um aprendizado, uma construção. É preciso alinhar as expectativas de todos os envolvidos”, diz a nutricionista Mariana Del Bosco, colunista de VEJA SAÚDE.

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Sobre a idade, ela reforça que o ponto de corte coincide com a prontidão neurológica, imunológica e do aparelho digestivo, apto a processar os sólidos. “Além disso, o bebê já é capaz de se relacionar com a comida, o que é fundamental para seu desenvolvimento”, diz.

Então sem neura — só bom senso! Uma coisa é oferecer maçã; outra, bem diferente, um salgadinho industrializado. A introdução é feita em paralelo à amamentação, que deve seguir até os 2 anos.

+ Leia também: Método BLW: prós, contras e cuidados na alimentação do bebê

Leite de vaca pode entrar mais cedo

Aqui mora a grande polêmica: a OMS passou a liberar a oferta de leite animal a partir dos 6 meses de vida para os bebês que não recebem aleitamento materno. O ponto é que essa orientação pode ou não ser vantajosa levando em conta a condição de cada criança.

“Sabemos que o leite de vaca tem muita proteína e que, se você der mais de 600 ml por dia a um bebê bem nutrido, ele poderá ficar acima do peso. Porém, há benefícios se oferecermos essa quantidade a quem não tem uma alimentação complementar adequada e que partiria para um composto lácteo”, analisa o pediatra José Nélio Cavinatto, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

Por outro lado, o especialista atesta que o leite de vaca não contém a quantidade necessária de DHA, um tipo de ômega-3 importantíssimo para o cérebro, tampouco oferta ferro e vitamina D na medida certa — questão que poderia ser contornada com a alimentação complementar e suplementos.

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“De forma geral, pode–se dar o leite de vaca integral, sem ultrapassar a medida diária, contanto que se ofereça peixe duas vezes por semana e se faça a suplementação de vitamina D e ferro”, orienta.

Vai depender, portanto, da criança e da dinâmica familiar. No entanto, no impedimento da amamentação, boa parte dos médicos, assim como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), priorizam o uso de fórmulas infantis premium quando há condições.

O pediatra Renato Kfouri, da SBP, justifica: “Temos estudos mostrando benefícios em termos imunológicos e neurológicos”. Agora, a partir de 1 ano de idade, se a criança estiver com um bom padrão alimentar, a fórmula pode ser dispensada — e o leite de vaca, entrar na rotina.

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Clique para ampliar (Foto: pinstock/Getty Images | Ilustração: Laura Luduvig/Veja Saúde)

Amamentação segue com tudo

Sim, o leite da mamãe continua o todo-poderoso. Ele fornece os nutrientes indispensáveis para o desenvolvimento do bebê nos primeiros meses de vida, e, comprovadamente, protege e prepara o organismo para um futuro mais saudável.

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Nesse sentido, as orientações da OMS foram mantidas. “As diretrizes reforçam a importância do aleitamento materno exclusivo até os 6 meses, e complementar até, no mínimo, 2 anos”, resume Giliane, que é pós-doutora pela USP.

O documento ainda destaca que, para que seja possível cumprir tal meta, é fundamental garantir condições às lactantes, a exemplo de ambientes propícios e horários flexíveis às mulheres que trabalham fora de casa, aconselhamento sobre os desafios envolvidos, informação para que as mães não sejam atraídas pelos produtos substitutos de leite materno quando não há necessidade e apoio da família e do entorno.

+ Leia também: Alimentação infantil: como lidar com o desejo das crianças por açúcar?

Viva a diversidade

A partir de agora, a recomendação é abrir o leque, variar o cardápio desde cedo e não mais limitar o início da alimentação às frutinhas. A OMS sugere apresentar ao bebê todo tipo de alimento — de preferência, comida fresca e mais natural.

“Essa mudança, que já estava presente em outras diretrizes publicadas mais recentemente, é decisiva para assegurar que a criança receba todos os nutrientes necessários e desenvolva preferências alimentares saudáveis”, afirma Giliane.

A OMS se respalda em “forte evidência” para recomendar o consumo de alimentos de origem animal, incluindo carne, peixe ou ovos diariamente, bem como legumes e frutas.

E ainda indica que não seja adiado o processo de exposição a alimentos com potencial alergênico, já que há provas de que atrasar essa introdução pode até mesmo favorecer as alergias, em vez de preveni-las.

Entre fórmulas e suplementos

De forma geral, nos casos em que as necessidades nutricionais não podem ser satisfeitas apenas com a alimentação (e o aleitamento materno), a OMS recomenda que crianças de 6 a 23 meses recebam suplementos nutricionais ou produtos alimentares fortificados.

Mais uma vez, as diretrizes se aplicam a um grupo muito amplo, sendo necessária a indicação principalmente a regiões em que há risco de insegurança alimentar ou quando a criança possui algum déficit específico.

“De toda forma, qualquer suplementação deve ser sempre prescrita por um profissional de saúde após a avaliação das necessidades de cada paciente”, reforça Giliane.

+ Leia também: Onde estamos errando na alimentação infantil?

Há ainda a questão da profilaxia: o Brasil tem uma política pública de suplementação preventiva de ferro e vitamina D para a população geral, por exemplo.

Ela estimula os pediatras a receitarem gotinhas desses nutrientes do sexto mês de vida até o segundo ano de idade. “Cada país segue uma determinação de acordo com sua realidade”, diz Mariana.

Dentro do universo das fórmulas, fora os preparos que visam suprir o leite materno na impossibilidade de fornecê-lo, existem produtos vendidos em farmácias que atendem públicos pontuais, como alérgicos ou portadores de doenças raras que dificultam o processamento de nutrientes.

Ultraprocessados: um grupo para evitar

“Os produtos ultraprocessados são o maior desafio por aqui, já que no Brasil há uma oferta precoce desses alimentos”, contextualiza Mariana.

A nutricionista expert em infância se refere a uma categoria que abrange de bolacha recheada a macarrão instantâneo, passando por itens com “boa reputação”, como sobremesas lácteas, gelatinas e outros redutos de açúcar, corantes e aditivos.

Segundo ela, a alta exposição atrapalha a formação de um hábito alimentar equilibrado. Não à toa, a OMS reforça ações públicas, como políticas para rotulagem e educação dos cuidadores sobre os prejuízos ligados a ultraprocessados. Mas o que causou barulho no documento foi a liberação do suco 100% de fruta de forma limitada antes do primeiro ano de vida.

“Isso é emblemático, porque antigamente era comum fazer a introdução com suco de laranja-lima, prática que caiu por terra. Hoje evitamos suco no primeiro ano, dando preferência a frutas in natura”, avalia Mariana.

Pitada de autonomia

A OMS advoga a favor de “práticas que incentivam a criança a comer de forma autônoma e em resposta às necessidades fisiológicas e de desenvolvimento, o que pode encorajar a autorregulação na alimentação e apoiar o desenvolvimento cognitivo, emocional e social”.

O argumento evoca a teoria das responsabilidades, que prega que cada um tem seu papel no processo de alimentação infantil: de um lado, o cuidador precisa prover a comida, em porção, local e horário adequados; do outro, o bebê vai decidir quanto e o que vai comer.

“Criando essa relação de respeito mútuo, é possível prevenir dificuldades alimentares no futuro”, afirma Mariana.

A ideia de que só pode sair da mesa com o prato vazio, a prática de distrair a criança para que ela coma e até mesmo negociar benefícios em troca das refeições são contraindicados, pois perturbam a relação do pequeno com a alimentação.

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