Ovo, café, leite. De tempos em tempos, circulam comentários sobre benefícios e supostas contraindicações de alguns dos alimentos mais populares mundo afora.
Em relação ao leite de vaca, pelo menos, a sua importância para a saúde é consenso entre médicos e nutricionistas. É o que reforça um novo posicionamento da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) e da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN).
Em documento lançado nesta segunda-feira, 25, as instituições afirmam que o leite é um alimento historicamente consumido pelo ser humano, que se adaptou do ponto de vista evolutivo para utilizá-lo na obtenção de nutrientes. O mesmo vale para laticínios, como iogurtes e queijos.
O cálcio, por exemplo, tem na categoria sua principal fonte, o que torna a ingestão fundamental para prevenção de doenças que afetam os ossos, como a osteoporose, e os dentes.
“Ele é um alimento praticamente completo. Além de proteínas, carboidratos e gordura, ele tem substâncias e compostos bioativos extremamente importantes, inclusive com ações benéficas antibacterianas, antivirais e que reduzem o risco do desenvolvimento de câncer”, afirma o presidente da Abran, o médico nutrólogo Durval Ribas Filho.
O documento atende a uma solicitação de esclarecimentos feita pela Associação Brasileira da Indústria de Lácteos Longa Vida (ABLV). Para a elaboração, os especialistas analisaram evidências científicas a partir da revisão criteriosa de pelo menos 114 artigos publicados em periódicos.
Disponível para consulta online, o texto aborda diversos pontos, incluindo os diferentes tipos de leite, benefícios para a saúde, a intolerância à lactose e importância do aleitamento materno.
O mito da inflamação é um dos tópicos de destaque. “O leite entra inclusive em dietas que são consideradas anti-inflamatórias. Além de esclarecer esse boato, queremos mostrar para a população a importância do seu consumo”, afirma a médica nutróloga Eline de Almeida Soriano, diretora da Abran.
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Benefícios para a saúde
O consumo de leite caiu nos últimos anos no Brasil e no mundo, de acordo com estimativas da ABLV. Entre os motivos estão aumento da inflação e do preço dos produtos, mudanças de comportamento, além da circulação de desinformação.
A presidente da SBAN, a nutricionista Sueli Longo, afirma que a comunidade médica e científica acompanha atentamente as alterações dos hábitos alimentares dos brasileiros. E que a exclusão de um grupo pode impactar na saúde dos indivíduos a curto e longo prazo.
“Essas exclusões chegam para a população por conta de modismos alimentares ou de informações veiculadas que não têm base em evidências científicas. A redução do consumo de cálcio na dieta tem consequências muito importantes na infância, adolescência, fase adulta e envelhecimento”, diz Sueli.
Entre as vantagens estão o auxílio no crescimento e estrutura óssea na infância e adolescência, diminuição do risco de osteopenia (perda de massa nos ossos) e osteoporose, redução no risco de doenças crônicas como diabetes e obesidade, de problemas cardiovasculares e auxílio na prevenção de quadros de sarcopenia (perda progressiva de massa muscular) com o envelhecimento.
Em tempos de polarização, Sueli esclarece que não se trata de uma apologia ao consumo do leite.
“Estamos mostrando que, dentro de uma matriz alimentar saudável, há espaço para ele e seus derivados, e que esse grupo tem um papel importante para a saúde. Não estamos endeusando o leite como melhor ingrediente do mundo, só queremos trazê-lo de volta para o hábito da população”, afirma Sueli.
Quem deve tomar?
Os laticínios são recomendados em diferentes fases da vida, segundo diretrizes e guias alimentares nacionais e internacionais.
Começa com o aleitamento materno. “O leite humano é o alimento exclusivo até o sexto mês de vida. Depois, entra a alimentação de transição. Pode-se manter a amamentação se assim for possível até os dois anos ou mais para a criança continuar a ter acesso à oferta de proteína e cálcio”, afirma Sueli.
O consumo de leite de vaca é indicado para crianças a partir de um ano de idade (na impossibilidade do aleitamento materno) e ao longo de toda a vida.
“Até a adolescência, há o pico de formação da estrutura óssea. Ao deixar de oferecer esses nutrientes, compromete-se a formação dos ossos da criança e do adolescente e isso pode ter impactos na vida adulta e, depois, no envelhecimento”, afirma a especialista.
De acordo com as instituições, a inclusão do alimento na rotina alimentar dos brasileiros, quando não houver contraindicação, deve ser encorajada pelos profissionais de saúde.
Um copo de leite contém, aproximadamente, 244 mg de cálcio e 6,4 g de proteína. Segundo o documento da SBAN e da Abran, isso equivale a mais de 10% da ingestão diária recomendada dos dois nutrientes para todas as faixas etárias.
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Qual a relação entre leite de vaca e inflamação?
O documento aborda um dos principais mitos envolvendo o leite, destacando que não existem até o momento evidências científicas de que o produto e seus derivados sejam “inflamatórios”.
Pelo contrário, diversos estudos indicam que a ingestão de laticínios pode melhorar biomarcadores inflamatórios em adultos, como explica a nutricionista Lara Natacci, membro da diretoria da SBAN.
“Esse tipo de informação errada deve ser combatido. Leite não inflama a não ser em casos de pessoas alérgicas à proteína do leite, que é uma parcela pequena da população”, diz Lara.
A especialista se refere ao diagnóstico de Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV), uma reação adversa relacionada a um mecanismo imunológico, que pode ocorrer em minutos ou horas após a ingestão de pequenas quantidades de leite.
Neste contexto específico, deve ser excluído o consumo de qualquer quantidade, de derivados e de qualquer produto que contenha leite na sua composição.
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A intolerância à lactose
O consumo do leite de vaca não está associado a maior risco de desenvolvimento de intolerância à lactose. Esse é um problema real, que tem tratamento, costuma aparecer na fase adulta e não exige a exclusão da categoria do cardápio.
De acordo com os especialistas, o que existe é uma relação inversa: quanto maior o consumo de leite menor o risco de desenvolvimento de intolerância à lactose.
Além disso, a exclusão do leite por autopercepção de intolerância, sem a confirmação por diagnóstico clínico, pode trazer prejuízos nutricionais. Para pacientes diagnosticados de fato, geralmente 12 g de lactose são toleradas sem sintomas.
O documento destaca que intolerantes à lactose, dependendo do grau de acometimento, podem ingerir leite dentro da quantidade em que se sintam confortáveis.
Adicionalmente, podem optar por leites sem lactose ou tomar a enzima lactase, vendida nas farmácias, no momento do consumo para auxiliar no processo de digestão.