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Adoçantes: novas dúvidas à mesa

No curto prazo, estudos garantem que eles são seguros. Mas novos documentos da OMS questionam suas repercussões lá na frente, entenda

Por Ingrid Luisa (reportagem e texto) | Laura Luduvig (design e ilustrações) | Fotos: Deborah Maxx, Tomás Arthuzzi e Getty images
21 jul 2023, 14h15

Refrigerante, iogurte, barrinha de proteína, geleia ou qualquer outro produto industrializado de sabor doce que você possa imaginar: com certeza existe uma versão zero açúcar deles no mercado.

De acordo com uma pesquisa da consultoria Kantar, a busca por comida saudável cresceu entre consumidores brasileiros desde a pandemia, e 70% priorizam alimentos com menor teor de açúcar.

Atitude positiva: o consumo exagerado desse ingrediente — seja na receita dos processados, seja nas colheradas no suco ou no café — está diretamente ligado ao maior risco de obesidade, diabetes e outras doenças crônicas.

A alternativa óbvia para agradar o paladar sem incorrer nos perigos do excesso açucarado reside nos adoçantes.

Mas essa substituição se complicou após recentes posicionamentos da Organização Mundial da Saúde (OMS): eles questionam o papel da classe na perda de peso e sua devida segurança para a saúde no longo prazo.

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Dados sobre adoçantes. (Foto: VadimZakirov - Getty Images | Ilustracões: Laura Luduvig/SAÚDE é Vital)

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Não é de hoje que o ser humano caça outras formas de conferir dulçor ao que pretende ingerir — algumas delas recheadas de controvérsias.

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O primeiro adoçante do planeta surgiu em 1879 totalmente por acaso dentro de um laboratório.

O químico russo Constantin Fahlberg, ao perceber que sua mão ficara adocicada após uma experiência com um composto, deu-lhe o nome de sacarina, pensando que ele seria um possível substituto à sacarose, nome técnico do açúcar de mesa.

Mas foi durante a Primeira Guerra Mundial, devido à crise que respingou até na lavoura do açúcar, que a fórmula ganhou escala.

O pulo do gato, no entanto, só viria na década de 1960, quando outros adoçantes artificiais, como ciclamato e aspartame, foram desenvolvidos e se espalharam pelo globo, nutrindo a promessa de ajudar a controlar a glicemia e o peso, uma vez que não continham calorias.

Bingo! A indústria apostou e a popularização foi instantânea.

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Mas a trajetória das substâncias não seria tão doce. Mesmo passando pelo crivo de análises de toxicidade e de agências regulatórias pelo mundo, dúvidas sobre elas começaram a pipocar nos anos 1970. O pontapé foi dado com um experimento feito com ratos que associava a sacarina ao surgimento do câncer de bexiga.

No entanto, já naquela época criticou-se o fato de que eram administradas doses cavalares às cobaias — o equivalente a uma pessoa tomar 700 latas de refrigerante por dia.

O ciclamato sofreu reveses parecidos, a ponto de países como os Estados Unidos banirem o ingrediente. Só após uma nova leva de estudos com gente como a gente é que ele e a sacarina seriam reabilitados.

“Essa primeira narrativa de que os adoçantes fazem mal foi toda baseada em estudos de megadose, que realmente não podiam ser transpostos para a realidade humana. Mas a ciência avançou, continuou a investigar e agora encontra novos pontos de alerta”,
diz o nutricionista Dennys Cintra, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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É aí que chegamos à ultima recomendação da OMS de contraindicar a classe para a população em geral que quer perder peso.

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A entidade afirma que, após uma revisão sistemática das evidências disponíveis, adoçantes não calóricos não conferem nenhum benefício no longo prazo na redução da gordura corporal em adultos ou crianças.

Se fosse até aí, ok! Mas a polêmica vem agora: a mesma revisão que deu munição à diretriz aponta potenciais efeitos indesejáveis com o uso prolongado, como maior risco de diabetes e doenças cardiovasculares. E agora?

Entendendo a diretriz da OMS  — e seus estudos

Antes de falar nas provas da ciência, é importante destrinchar, ler com atenção, toda e qualquer recomendação sobre alimentação.

No documento da Organização Mundial da Saúde, é preciso constatar que ele é claro ao afirmar que não se baseia em avaliações toxicológicas da segurança dos adoçantes, ou seja, os limites seguros de consumo, aqueles que não ofereceriam riscos à saúde, seguem os mesmos.

Também pontua que a orientação para evitar tais produtos não se aplica a pessoas com diabetes — que necessitam fazer controle glicêmico — e inclui apenas adoçantes artificiais não calóricos.

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Dessa forma, são excluídos das restrições os chamados polióis, que têm poucas calorias, caso de eritritol e xilitol.

Por fim, a OMS também atesta que é uma recomendação de caráter condicional, ou seja, segue quem quiser e achar relevante.

Com tantos poréns, já deu para perceber que a diretriz não se traduz pela mensagem de que “adoçantes são perigosos”.

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E aí entramos na primeira questão em debate: problemas de interpretação e comunicação.

Algumas sociedades científicas têm se preocupado em como a população entende o posicionamento — pouquíssimas pessoas vão ler o documento em si, e a maioria se ampara nas manchetes e posts de redes sociais por aí.

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“Já ouvi pacientes dizendo que iam parar de consumir adoçantes e voltar para o açúcar porque viram no jornal a OMS falando mal de adoçantes. Até mesmo pessoas com diabetes”, relata a nutricionista Márcia Terra, da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (Sban).

Outras entidades, como a Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) e a Associação Nacional de Atenção ao Diabetes (Anad), também se posicionaram contra a diretriz, alegando que ela confunde o público.

Mas alguns especialistas defendem que a culpa não deve recair na OMS, e sim na interpretação sobre os dados que estão na mesa e na falta de senso crítico ao utilizá-los na prática.

“A entidade não está apontando o dedo para o indivíduo que usa adoçante. Ela se dirige a governos e formuladores de políticas públicas para que considerem essas informações ao pensar em intervenções junto à população”, afirma Cintra, que também é consultor da Associação Brasileira de Nutrição (Asbran).

E isso pode (ou não) ser pesado em decisões individuais que, no consultório ou no dia a dia em casa, devem levar em conta o contexto específico de alguém acima do peso, por exemplo.

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Outra questão levantada pelos críticos da diretriz é a qualidade dos estudos utilizados pela OMS.

Dentro do método científico nessa área, o padrão ouro é avaliar o impacto do uso de uma substância (ingrediente culinário ou medicamento) por um ensaio clínico randomizado.

O que é isso? Cientistas sorteiam um grupo de pessoas para a intervenção em si, que vai receber a substância examinada, e as comparam a um grupo controle, geralmente com um placebo (algo sem o princípio ativo real).

Daí tudo é controlado: voluntários e pesquisadores seguem um roteiro para que nada atrapalhe o resultado ou imponha um viés sobre ele.

Essa dinâmica não é obtida pelos chamados estudos observacionais, que, como o nome sugere, em vez de proporem uma interferência na vida da pessoa, acompanham uma parcela da sociedade por um longo período.

Esses trabalhos permitem associar certos hábitos e comportamentos a maior ou menor risco de doenças dentro da população, e esse é um papel muito importante. Mas, especialmente na área da alimentação, há variáveis e fatores capazes de confundir os resultados.

Em poucas palavras, eles não comprovam uma relação de causa e efeito. Aí que está: a maioria das evidências utilizadas pela OMS vem desse tipo de estudo.

“Não dá para definir se um problema de saúde que surgiu depois de anos se deve ao sedentarismo, a uma má alimentação, ao consumo de álcool ou ao uso de um adoçante. Tais análises são abrangentes demais, e a própria OMS admite que várias pesquisas utilizadas em sua avaliação têm baixa qualidade e resultados superficiais”, diz a nutricionista Aline David, doutora em fisiologia humana pela Universidade de São Paulo (USP).

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“Não é que a entidade tenha olhado só esses estudos de propósito. Numa revisão sistemática, você pega todos os trabalhos disponíveis a respeito, ainda que sejam necessárias mais pesquisas para embasar os achados”, elucida a nutricionista Elaine Moreira, conselheira consultiva da Anad.

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Termos para ficar atento (Ilustrações: Laura Luduvig/SAÚDE é Vital)

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Apesar das ponderações, o campo de estudos observacionais tem crescido na área da nutrição, principalmente pelo potencial de levantar as consequências no longo prazo de priorizar ou não determinado grupo alimentar — é assim que sabemos hoje que os ultraprocessados estão relacionados a doenças crônicas.

“Grandes ensaios clínicos randomizados que examinam a relação entre alimentação, atividade física e problemas de saúde de difícil acompanhamento, como os cardiovasculares, são limitados por questões éticas, logísticas, financeiras e metodológicas. É por isso que a interação entre nutrientes, padrões ou ambientes alimentares acaba sendo investigada por meio dos trabalhos observacionais”, explica a nutricionista Maria Laura Louzada, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP.

A professora da USP pondera que, sempre que os cientistas analisam dados de grandes populações, elementos de confusão são previstos e, por essa razão, recorre-se a técnicas para estratificar e contextualizar os dados a fim de ter um resultado fidedigno. “Os estudos utilizados pela OMS fizeram isso de forma exaustiva”, conclui Maria Laura.

Questões metodológicas à parte, o endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), chama a atenção para uma possível causalidade reversa em relação aos efeitos negativos acusados, como a maior propensão a diabetes e doenças cardiovasculares.

“Pode ser que as pessoas tenham começado a usar adoçantes justamente porque já estavam acima do peso e tinham tendência a esses problemas. Então a chance de acontecer já era maior, não culpa do adoçante”, destrincha.

O médico também afirma que a OMS tem como princípio estimular uma alimentação mais natural e saudável, e que o documento é válido para lembrar que o adoçante não é a estratégia central da prevenção ou do tratamento da obesidade.

“Mas dizer que se deve evitá-lo por causa de estudos de baixa evidência é complicado. Na prática clínica, ainda é válido recomendar esses produtos em casos de dieta com redução calórica e se fizer sentido para a realidade do paciente.”

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Assim como cada caso é um caso na vida real e no consultório, é preciso levar em conta que os edulcorantes, como também são chamados, representam uma família de substâncias diferentes, com atuações diferentes dentro do corpo.

Não dá para generalizar, ainda mais considerando que o gosto de cada um também deve ser respeitado. A sacarina, por exemplo, pode atravessar a placenta durante a gestação e costuma ser contraindicada às grávidas. Já o aspartame não é desejável a pessoas com fenilcetonúria, doença genética que as impede de metabolizar um de seus componentes.

Até adoçantes naturais têm suas repercussões. O xilitol apresenta um processo de digestão lento, podendo causar flatulência, cólica e diarreia em pessoas com sensibilidade intestinal”, conta Aline.

O ideal, portanto, é consultar um nutricionista se você tiver receio ou alguma restrição.

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Conheça os principais adoçantes do mercado. (Fotos: malerapaso - Getty Images (colher), Tomás Arthuzzi (xícara) Tabela e ilustrações: Laura Luduvig/SAÚDE é Vital)

Aspartame: a dúvida da vez

A verdade é que essa não foi a primeira nem será a última questão envolvendo adoçantes.

Após mais uma revisão, desta vez focada em 1,3 mil estudos sobre o aspartame, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc), que é ligada à OMS, acabou de classificar o ingrediente, um dos mais empregados em bebidas e alimentos zero ou diet, como “possivelmente cancerígeno”.

O câncer é essencialmente uma doença multifatorial, o que significa que diversas causas podem favorecer o seu desenvolvimento.

Como muitas delas são externas, presentes no ambiente, desde 1971, a Iarc analisa diversos fatores do dia a dia (como exposições ocupacionais, compostos químicos, agentes farmacêuticos, alimentos, etc) para identificar e classificar a possibilidade ou não de contribuírem com o aparecimento da doença.

Mas essa classificação não é tão simples quanto parece. Por definição, ela é dividida em grupos, baseado no nível de evidência presente nos estudos:

-> Grupo 1: Cancerígeno – há evidências concretas de que pode causar câncer em humanos. Aqui entram 126 agentes, dentre eles a radiação solar (UV), bebidas alcoólicas e cigarro;

-> Grupo 2A: Provavelmente Cancerígenohá evidência limitada de carcinogenicidade em humanos, mas há estudos concretos que apontam surgimento de câncer em animais. Aqui temos 94 agentes, como frituras, pesticidas (DDT), trabalho noturno e carne vermelha

-> Grupo 2B: Possivelmente Cancrígenoas evidências quanto ao aparecimento de câncer são limitadas em humanos e animais, mas há algumas correlações. Foi aqui que o aspartame entrou, junto a outros 322 agentes como extrato de aloe vera, escapamento de motor e atividade de carpintaria e marcenaria.

-> Grupo 3: Não Classificado – não há evidência adequada que associe o item a câncer. A organização coloca 500 agentes nesse grupo, e exemplos são óleo, implantes mamários de silicone, café e produtos para coloração de cabelo.

O resultado da nova revisão da Iarc foi publicado no periódico The Lancet Oncology.

Três dos estudos observacionais analisados apontaram o aspartame como possivelmente causa de carcinoma hepatocelular – vulgo câncer de fígado.

Esses trabalhos examinaram a associação do consumo de bebidas adoçadas artificialmente (como refrigerantes), que geralmente usam esse adoçante, com a doença, notando associações positivas entre a prática e a incidência/mortalidade por câncer.

Apesar desses resultados, o Grupo de Trabalho da Iarc, composto por 25 cientistas de 12 países, concluiu que o acaso, viés ou fatores de confusão não poderiam ser descartados com razoável confiança, por isso o aspartame acabou entrando no grupo 2B, como possivelmente cancerígeno.

Viu como a classificação é bem mais complexa do que aparenta?

Frente à polêmica, a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (Abiad), que representa o setor, posicionou-se em defesa do produto: corrobora a segurança do consumo e reforça que ele é um dos mais pesquisados da história, com aprovação de mais de 90 agências de segurança alimentar pelo globo.

Já o Instituto Nacional do Câncer (Inca), considerando a classificação da Iarc, manifestou-se contra os adoçantes artificiais no geral.

“O INCA aconselha à população geral evitar o consumo de qualquer tipo de adoçante artificial e adotar uma alimentação saudável, ou seja, baseada em alimentos in natura e minimamente processados e limitada em alimentos ultraprocessados”, afirma o posicionamento.

Polêmica longa, e destrinchamos mais aqui.

+Leia Também: Entenda mais a relação entre uso de aspartame e risco de câncer

Moderação e bom senso é a chave

Entre prós e contras, resta exercer o senso crítico ao lidar com as orientações gerais para a saúde, tendo em mente que uma rotina ativa e uma alimentação mais natural e equilibrada é muito mais relevante que o consumo de um alimento isolado, ou seja, é a melhor das prescrições.

“A OMS fez um convite à reflexão, defendendo a necessidade de estudar mais os efeitos dos adoçantes no longo prazo. E foi uma sacudida e tanto diante de uma verdade: o crescimento do excesso de peso, um problema que não vem diminuindo com o consumo de adoçantes”, afirma Cintra.

De uma coisa se pode ter certeza: a história não se encerra aí.

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