Consumir o fruto proibido foi o pecado original da humanidade. Não se sabe exatamente se foi pera, uva, maçã ou salada mista. O fato é que Adão e Eva não foram os únicos a ter problemas por causa de frutas. Há poucos meses, a artista plástica americana Stephanie Sarley foi expulsa três vezes (não do Paraíso, mas…) do Instagram, rede social de compartilhamento de fotos e vídeos, devido ao seu trabalho Forbidden Fruit (fruto proibido, em português), composto de filmagens de frutas sendo acariciadas suavemente pelos dedos da artista – como a mexerica ao lado. Seu perfil foi tirado do ar porque, segundo a plataforma, o conteúdo era “sexualmente sugestivo” e infringia as normas de utilização da rede, ainda que não expusesse partes do corpo de uma pessoa.
A censura à obra de Stephanie é uma evidência de quanto o sexo e a masturbação em particular (principalmente a feminina) continuam nutrindo tabus. “A prática sexual é historicamente reprimida, sobretudo em relação à mulher, como se não fosse legítimo vivenciar o sexo apenas por prazer”, analisa a médica Lúcia Alves, presidente da Comissão Nacional Especializada de Sexologia da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Essa visão tende a gerar angústia e sabotar o próprio autoconhecimento do corpo. “Sabemos que mulheres que se masturbam se conhecem melhor e têm uma experiência sexual mais saudável”, nota a psiquiatra Alessandra Diehl, da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana. “Falamos de uma questão íntima que deve ocorrer em ambiente privado, mas que acaba rejeitada até nesse âmbito”, completa.
A masturbação é só um dos temas controversos dessa trama, também cercada de tabus quando o assunto envolve o sexo a dois. Falta de diálogo, medo de julgamentos, dificuldade de relaxar, ansiedade… Esses são alguns dos fatores que estorvam a relação e dão margem ao aparecimento de problemas de ordem física e mental. “Tudo isso é consequência de uma visão em que o sexo é encarado como algo velado, não permitido e até sujo”, argumenta Lúcia. “A meu ver, o que mais prejudica é esse clima de pecado e transgressão que pode levar as pessoas a vivenciarem o sexo de forma clandestina”, aponta a especialista.
Nessa marginalidade, por assim dizer, é a saúde que vira vítima da situação. “Os tabus geram comportamentos de risco, deixando as pessoas mais vulneráveis a condições como doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), gravidez não planejada e até depressão”, afirma a psicóloga Kay Francis Leal Vieira, do Centro Universitário de João Pessoa, na Paraíba. Um dos motivos disso é que, com receio de se expor, o indivíduo negligencia qualquer tipo de orientação.
Nesse contexto, a sempre citada camisinha não raro fica em segundo plano. “Deveria ser simples: sem preservativo, sem sexo! Quando não tiver, é melhor investir numa relação sem penetração e, consequentemente, sem riscos”, defende a ginecologista Sandra Scalco, que também integra a Comissão Nacional de Sexologia da Febrasgo. Na prática, sabemos que não é bem assim – e que é expressiva a quantidade de jovens que ainda deixa o método de lado. O resultado desse comportamento é o recente recrudescimento no número de casos de HIV e sífilis nessa população.
É claro que os tabus de hoje não têm o mesmo peso e verniz de cinco décadas atrás, tempos em que mal se falava de sexo em casa. No entanto, embora o assunto esteja na boca do povo, no WhatsApp e nos programas de TV, ainda reina uma expressão de falsa naturalidade no rosto das pessoas quando algum tópico mais quente surge.
Em geral, figuram como piada ou tema que deveria ser banido de qualquer conversa séria. “São bloqueios como esses que limitam o exercício sexual saudável e perpetuam a presença de doenças”, alerta Sandra. Quer um exemplo? Disfunção erétil. “A maioria dos homens com a condição não fala com o médico e sofre em silêncio. E hoje existem ótimos recursos para tratá-la”, diz a profissional da Febrasgo.
Na ala feminina não é diferente. Uma pesquisa realizada a pedido da farmacêutica Teva com 1 007 brasileiras com idade a partir dos 16 anos descobriu que um quinto das entrevistadas nem sequer sabia o que era ressecamento vaginal, problema mais comum com a idade e capaz de provocar dor e ardência durante a relação sexual. Sim, apesar de tanto avanço, homens e mulheres continuam derrapando no autoconhecimento.
Para começar a descascar esse abacaxi, é bom ter em mente que o ato sexual em si é apenas um dos aspectos da sexualidade humana. “Quando pensamos em sexo, tratamos o tema de forma muito genitalizada”, denuncia Sandra. Além da questão biológica, fatores psicológicos, sociais e culturais mesclam-se nessa história. “Falar do assunto apenas do ponto de vista corporal é um dos tabus mais predominantes”, ressalta Alessandra.
Rever as relações de gênero também é preciso se quisermos superar esses dilemas. “O homem sempre foi mais livre para exercer sua sexualidade e mostrar seus desejos e fantasias. A mulher, por outro lado, vem sendo continuamente reprimida”, afirma a psicóloga Priscila Veiga, de João Pessoa. Sem contar que a tarefa de cuidar da prevenção – tanto de doenças como da gravidez – é frequentemente relegada a elas.
E olha que muitas vezes as moças ainda têm de negociar com o parceiro o uso do preservativo, elemento-chave na proteção contra DSTs. “O homem que mantém relação com várias mulheres precisa admitir a possibilidade de contaminação. Ninguém vive numa bolha”, reforça a psicanalista Diana Lichtenstein Corso, da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. Ou seja, também é dever dele zelar pela própria saúde e pela da companheira.
A visão de que macho que é macho não carece de limites e cuidados parece começar cedo. Em estudo da Universidade Federal do Ceará com 15 adolescentes entre 15 e 18 anos, os garotos já compartilham da crença de que o homem tem instintos sexuais mais intensos e, assim, pode agir promiscuamente. “A legitimidade de múltiplas parceiras e da vivência prazerosa do sexo para o homem está no inconsciente coletivo”, corrobora Lúcia.
Contudo, essa liberalidade fomenta, além de várias doenças, a cultura do estupro e da violência contra a mulher. Além do machismo, o ideal de amor romântico também pode deturpar concepções e comportamentos. Não usar a camisinha como “prova de amor” é o que tantas vezes abre as portas para as DSTs – transmitidas inclusive em relacionamentos ditos mais sólidos.
É evidente que a ala feminina não padece desses tabus sozinha. “A sociedade estipula um padrão para o exercício sexual, dando a impressão de que apenas gente jovem, saudável e fisicamente atraente pode transar”, critica Kay. Idosos, pessoas acima do peso ou com deficiência, homossexuais… Tem muita gente sofrendo com preconceito e desinformação.
Superar esse cenário exige uma mudança social e cultural. “Precisamos compreender que ninguém tem o direito de impor o que é normal e o que deveria ou não ser feito”, diz Sandra. Todo mundo pode ter uma vida sexual prazerosa, desde que seja de forma responsável e com consentimento mútuo. Sem enfiar o pé na jaca e com respeito às diferenças, todas e todos podem desfrutar de uma bela salada de frutas entre quatro paredes.
Sexo oral se faz com camisinha
Um levantamento da Universidade do Pacífico, na Inglaterra, indica que a prática ainda é cercada de mitos entre os jovens. Mas o maior tabu, e mais nocivo, é o de não ter de usar preservativo. Algumas infecções, como herpes e HPV, podem passar da boca para as genitais (e vice-versa). “É preciso tornar esse uso um hábito lúdico e gostoso.
Camisinha com sabor é um exemplo de como resolver a questão”, propõe a médica Alessandra Diehl. No sexo oral na mulher, a camisinha feminina ou a masculina cortada e aberta são bem-vindas. “Há uma resistência inicial para tudo que é novo, mas fica mais fácil quando se está consciente e educado”, afirma Sandra Scalco.
Por que sexo faz tão bem para…
…O corpo?
Existem evidências de que a prática protege o sistema cardiovascular e levanta a imunidade.
…A mente?
A explosão de hormônios do bem-estar faz dormir melhor e reduz o risco de ansiedade e depressão.
…A sociedade?
Sexo saudável favorece a satisfação pessoal e a convivência social. Nas famílias, aumenta a intimidade e o diálogo.
Mitos e falta de informação aumentam a propagação de DSTs
Sífilis
O Brasil vive uma epidemia do mal causado pela bactéria Treponema pallidum, que ataca os genitais e pode se alastrar.
HIV/Aids
A transmissão do vírus ainda é um problema mundo afora, e a maioria nem sequer sabe que está infectada.
HPV
O papilomavírus humano, causador dessa infecção, gera verrugas e é fator de risco para diversos tipos de câncer.
Clamídia
Em geral sem sintomas, é a DST mais comum em todo o mundo. Provocada por bactéria, não raro fica sem diagnóstico.
O causador da coceira e da secreção branca que atingem as mulheres é um fungo. O tratamento inicial é simples.
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