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Suplementos nootrópicos: pílulas para turbinar o cérebro funcionam?

O mercado está inundado de produtos que prometem aprimorar a mente. Mas será que eles vão além do marketing?

Por Ingrid Luisa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 29 set 2025, 09h51 - Publicado em 29 set 2025, 07h00
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Suplementos para o cérebro estão sendo vendidos a rodo! Mas funcionam?  (Foto: Iryna Veklich/Getty Images/Veja Saúde)
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Eddie era um escritor relativamente bem-sucedido. Já tinha contrato assinado com uma grande editora e a ideia de um novo livro havia sido aprovada, com direito a um adiantamento na conta.

Agora só faltava um detalhe: sentar e escrever. Infelizmente, porém, a coisa não saía. Tudo o distraía. Ao fim de um mês, Eddie não produzira uma linha sequer. E, aí, o escritor de prestígio se viu desesperado.

Eis que, por obra do destino, ele cruza na rua com seu ex-cunhado. E o conhecido lhe dá uma solução: uma pílula capaz de fazê-lo usar 100% do cérebro.

Rezava a lenda — e a neurociência hoje diz que é lenda mesmo — que só usávamos entre 10 e 20% da nossa capacidade mental, e a cápsula mágica virou a cabeça e a vida de Eddie.

Ele terminou o livro em quatro dias, aprendeu a tocar piano em três, tornou-se fluente em diversas línguas em semanas e mandou seus medos para debaixo do tapete. Seu cérebro havia se tornado uma máquina!

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Se você não assistiu, esse é o roteiro do filme Sem Limites, um clássico de 2011 dirigido pelo americano Neil Burger e estrelado pelo ator Bradley Cooper.

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Na tela tudo pode parecer lindo, mas, lamentamos informar, a premissa de que um comprimido possa melhorar nossas habilidades cognitivas nesse nível não passa de ficção.

A ideia de turbinar a mente, aliás, não se restringe a filmes, livros e seriados de TV. Está disseminada entre promessas de produtos e propagandas na vida real.

“Criou-se a impressão de que existe uma capacidade latente no cérebro que está pronta para ser despertada, e algumas substâncias conseguiriam desbloqueá-la. Mas essa crença está totalmente errada”, afirma o farmacêutico André Bacchi, professor de farmacologia da Universidade Federal de Rondonópolis, no Mato Grosso.

“Existe uma plasticidade neuronal que nos permite aprender e aprimorar habilidades, mas nenhuma droga pode fazer isso de forma tão rápida e intensa”, justifica.

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O boom dos suplementos para o cérebro

É muito sedutor querer turbinar o cérebro em um passe de mágica, a uma cápsula de distância. E é em cima desse apelo que cresce uma categoria de suplementos conhecidos como nootrópicos.

De ginseng a coenzima Q10, trata-se de substâncias que pretendem ativar circuitos de neurônios e melhorar a memória, a atenção, o foco e o raciocínio.

E estão em alta — na internet e em lojas físicas. O mercado global de suplementos voltados à atividade cerebral foi estimado em quase 8 bilhões de dólares, número que pode dobrar em 2030.

Nos Estados Unidos, a meca das cápsulas, um em cada cinco adultos com mais de 50 anos toma algo do gênero. Mas cada vez mais jovens, tanto lá como cá, vêm buscando esses produtos para alavancar a inteligência e a produtividade. Sintoma dos tempos!

“Estamos expostos a uma infinidade de informações, nas redes sociais, no trabalho e na vida pessoal, que torna cada vez mais comum ter dificuldade para prestar atenção”, observa o psiquiatra Luiz Dieckmann, diretor do Instituto Brasileiro de Farmacologia Prática.

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“Mas isso não quer dizer que temos um transtorno mental nem que precisamos de um suplemento para isso”, adianta.

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Pílulas e mais pílulas são usadas para tentar turbinar a mente! (Foto: Iryna Veklich/Getty Images/Veja Saúde)

Nootrópicos: o que são e o que fazem

Antes de seguir em frente, é preciso entender o conceito em si: afinal, o que exatamente é um nootrópico?

O termo foi criado em 1972 pelo psicólogo e químico romeno Corneliu Giurgea para definir substâncias que potencializam as capacidades cognitivas, mas que não são tóxicas, viciantes ou provocam efeitos colaterais significativos.

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De acordo com esse recorte, os populares remédios para TDAH, hoje bastante usados por pessoas sem diagnóstico para incrementar a performance, não seriam nootrópicos, por exemplo.

Com o tempo, a expressão ganhou novos contornos e virou praticamente sinônimo de qualquer ativo com suposta ação mental, incluindo as famosas smart drugs (ou “drogas inteligentes”).

“O problema é que não existem critérios definidos para essa categoria. Pela falta de padronização metodológica atual, acredito que ela se baseie muito mais em marketing do que na ciência em si”, avalia Bacchi.

Para não ficar confuso diante de tantos produtos — que vão de cápsulas de ômega-3 a medicamentos tarja preta —, vale distinguir os ingredientes e suas promessas.

Os remédios psicoestimulantes, prescritos para pessoas que realmente têm TDAH, cativam executivos e estudantes saudáveis que buscam mais foco e desempenho. “De fato, são drogas conhecidas, potentes e boas para tratar quem tem o distúrbio, mas não parecem ter o mesmo efeito em pessoas fora dessa indicação”, pondera Dieckmann.

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Para corroborar sua fala, o psiquiatra cita um experimento de 2023, que reuniu 40 participantes de 18 a 35 anos sem TDAH. O estudo comparou a performance deles usando medicamentos ou placebo no chamado teste da mochila. Nesse teste, é preciso acondicionar objetos de diferentes pesos e valores numa bolsa, com o objetivo de obter o maior valor possível sem ultrapassar o limite de peso.

O resultado foi claro: as pessoas sob efeito das drogas gastaram mais tempo, mais esforço e mais movimentos para cumprir a tarefa. “Esse estudo nos mostra que pessoas saudáveis não têm benefícios reais com o uso dessas medicações. Pelo contrário”, diz Dieckmann.

Então, se nem drogas de verdade fazem vestibulandos, concurseiros e executivos decolar, será que um suplemento faria diferença?

“Não existe cápsula isolada que melhore a cognição. A ciência ainda não chegou lá”, crava o médico Diogo Haddad, chefe do Centro Especializado em Neurologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.

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A promessa que não se confirma

A questão, como você pode verificar vendo posts de influencers ou anúncios na internet, é que uma porção de suplementos é vendida por aí sob a retórica de impulsionar o cérebro.

E eles se amparam em extrapolações em cima de hipóteses e ideias de plausibilidade biológica — o famoso “parece que funciona.”

Quando o romeno Giurgea criou o termo “nootrópico”, ele estudava o piracetam, uma droga considerada promissora nos anos 1970 por excitar um mecanismo que favorecia a comunicação entre os neurônios e aperfeiçoava os domínios da memória e do aprendizado.

Experiências em culturas de células e animais até mostraram alguns efeitos positivos… Mas, no teste com seres humanos, ele fracassou. “É um exemplo de um olhar farmacológico sobre algo que, em tese, funcionaria lindamente. Mas, quando se avaliam os estudos clínicos controlados, não se observa o que a hipótese prometia”, resume Bacchi.

“Pode ser frustrante, mas acontece em ciência, e hoje sabemos que muitos estudos antigos também apresentavam falhas metodológicas claras. As evidências de eficácia do piracetam, para continuar nesse exemplo, são insuficientes e inconsistentes”, conclui o professor.

Aí que está: se as pessoas têm lá seus receios diante de remédios pra valer, com os suplementos alimentares ou naturais as desconfianças caem bruscamente.

“Que mal faria em tomar?” É o que pensa muita gente — inclusive a clientela dos nootrópicos vendidos em cápsulas, pós e até em bebidas energéticas.

Então vamos examiná-los mais detidamente.

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Suplementos para a mente: funcionam?

A maioria dos representantes dessa categoria contém cafeína, que é realmente o único composto desse rol que ativa os neurônios por prolongar o tempo de vigília, suprimir o sono e combater a fadiga — de forma temporária, cabe frisar.

Ocorre que o abuso de cafeína pode desencadear ansiedade, taquicardia, insônia, entre outros perrengues que, no curto ou longo prazo, derrubam a produtividade.

Não é nenhum crime incrementar a dose de cafeína, sobretudo na forma de cafés e chás, um dia ou outro. Mas se entupir da substância por meio de pílulas e energéticos pode fazer o tiro sair pela culatra.

Mas a cafeína não está sozinha nessa história. Moléculas como coenzima Q10, L-teanina, creatina e outros nutracêuticos e fitoterápicos também vendem promessa de mais foco e resultados.

Mas as provas a seu favor são escassas, e é bom lembrar que o uso não é inócuo. “A coenzima Q10 não dispõe de nenhuma demonstração de melhora cognitiva em adultos saudáveis”, expõe Dieckmann.

E sua ingestão pode ser prejudicial a quem toma varfarina, um remédio anticoagulante, pois ela interfere no efeito do medicamento”, alerta o psiquiatra. “Nem todo mundo pode tomar qualquer suplemento. Precisamos estar atentos às interações e aos riscos.”

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Conheça os suplementos para o cérebro mais comuns do mercado. (Design: Laura Luduvig/Veja Saúde)

Na era da produtividade e dos ladrões de atenção — o mais famoso deles, o celular —, o fato é que todo mundo tem medo de ficar para trás.

“Muita gente cria uma associação direta entre a sua capacidade de produzir e o seu valor pessoal”, nota o psicólogo Mário Ponte, especialista em terapia cognitivo-comportamental de Fortaleza.

“Mas essa é uma confusão desumanizadora. Esses vieses distorcidos levam a comportamentos disfuncionais, como a busca de pílulas para melhorar o desempenho que, no longo prazo, podem até fazer mal à saúde física e mental”, adverte.

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O que realmente faz efeito

Ok, se os suplementos nootrópicos não atendem ao sonho de turbinar a cognição, quer dizer que é impossível dar aquele gás à memória, à concentração e ao raciocínio?

Na verdade, é possível otimizar e resguardar o cérebro. E isso começa pelo básico, com o estilo de vida.

“Existem quatro pilares para um bom desenvolvimento cognitivo: sono, hidratação, exercício físico e consumo correto de carboidratos, que fornecem a energia favorita do cérebro”, afirma o nutricionista Thiago Barros, mestre pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

“O efeito de qualquer suplemento numa pessoa que não segue esses pilares será irrisório”, pontua.

Além disso, existem formas de ampliar a chamada reserva cognitiva — uma poupança que assegura mais inteligência hoje e proteção contra o envelhecimento amanhã. “Estudar coisas diferentes, aprender uma nova língua ou um instrumento musical, refletir e discutir sobre o mundo atual… Tudo isso faz o cérebro trabalhar”, ressalta Haddad.

Se você se sente inseguro ou acha que alguma coisa está travando o diálogo entre os neurônios, também pode ser proveitoso procurar o médico ou buscar ajuda na terapia.

Pois é, até hoje, esse combo todo só foi desbancado por uma pílula na ficção.

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