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A trajetória da pílula anticoncepcional no seu aniversário de 60 anos

Mais do que evitar uma gravidez indesejada, ela deu liberdade para milhões de mulheres decidirem o caminho de sua vida

Por Maurício Brum
Atualizado em 31 out 2022, 17h58 - Publicado em 31 out 2022, 17h58

Os anos 1960 costumam ser evocados como uma época de profundas mudanças sociais e culturais no Ocidente. Entre hippies, minissaias,
sons dos Beatles e manifestos por mais liberdade política, poucas coisas deixaram uma marca tão duradoura quanto o que ficou conhecido como revolução sexual. Uma transformação de ideais e comportamentos só possibilitada por uma invenção que completa 60 anos de Brasil, a pílula anticoncepcional.

Quando aterrissou por aqui, ela já era um sucesso absoluto lá fora. Os Estados Unidos começaram a vender as primeiras pílulas cinco anos mais cedo, inicialmente para conter transtornos menstruais mais severos, mas já advertindo, na bula, que o medicamento teria o efeito colateral de impedir uma gestação.

Pouco depois, veio a autorização das autoridades sanitárias para que fosse vendido com esse objetivo explícito. Em 1962, quando a medicação à base de hormônios chegou às farmácias brasileiras, calcula-se que 1 milhão de americanas já a tomassem regularmente.

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Para a médica Ilza Maria Monteiro, vice-presidente da Comissão Nacional de Anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o advento da pílula foi um divisor de águas. “Antes, as mulheres ficavam sob risco de uma gravidez não planejada e sem ferramentas para se proteger”, observa a ginecologista.

Com o contraceptivo oral de uso diário, tudo mudou: a mulher passou a ter mais controle sobre o próprio corpo e sua vida sexual. Agora podia adiar o momento de ter filhos, sem deixar que a maternidade dificultasse a entrada na faculdade ou no mercado de trabalho. Adeus, cuidados exclusivos com a casa e as crianças!

pílula anticoncepcional
(ilustração: Camila Gray/SAÚDE é Vital)

No Brasil de hoje, a facilidade no uso e no acesso à pílula, que não requer receita médica, faz com que ela siga liderando a preferência entre os métodos contraceptivos. Ainda que dados oficiais estejam defasados, uma pesquisa do Instituto Ipsos de 2021 apontou que 58% das brasileiras entrevistadas utilizavam a pílula, ante 8% do DIU de cobre.

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Com tanta liberdade e opção disponível na drogaria, contudo, os especialistas alertam que escolher e tomar a pílula é uma atitude que demanda informação e responsabilidade. Existem melhores indicações caso a caso, bem como riscos e efeitos colaterais a considerar.

“As mulheres não precisam passar por consulta médica para comprar a pílula, mas é recomendado que o façam. Nem sempre o que a vizinha toma é o melhor para você”, afirma a ginecologista Fernanda Fraga, professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

Isso porque não se fala mais em pílula, assim no singular. Há inúmeros tipos vendidos nas farmácias e, às vezes, prevenir uma gravidez nem é o motivo número 1 da compra. Tem gente que quer suspender a menstruação, com as versões de uso contínuo, ou aposte em certas combinações hormonais para controlar os sintomas dos ovários policísticos, por exemplo.

Na outra ponta, mulheres que buscam a pílula para não engravidar e temem, devido ao histórico de saúde, uma propensão à trombose hoje podem adotar contraceptivos sem estrogênio — que não iriam resolver uma queixa de cólicas menstruais frequentes.

+ Leia também: Pílula e trombose: qual a relação?

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Passados 60 anos, a família dos anticoncepcionais cresceu, e conhecê-la, assim como se autoconhecer, é a melhor forma de acertar na escolha. Em sua versão clássica, a pílula se vale de uma combinação sintética de dois hormônios, originalmente fabricados pelo corpo: o estrogênio e a progesterona.

Embora o efeito contraceptivo possa ser obtido apenas com o segundo, é o estrogênio que torna o sangramento menstrual previsível. O problema é que, dependendo da dosagem, ele também pode levar a desequilíbrios no organismo caso a mulher tenha alguma suscetibilidade.

O maior perigo envolve trombose e ataques cardíacos. Após a euforia inicial com a pílula, os primeiros relatos dessas complicações causaram tanto pânico que o Congresso americano chegou a montar uma comissão para investigar o assunto.

O que pesa na escolha

Sob pressão de grupos religiosos, que viram no momento uma chance de dar um basta ao sexo sem procriação, políticos tentaram até proibi-la em 1970. Nesse contexto, as vendas caíram 20%.

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A resposta da indústria farmacêutica, no entanto, foi investir no desenvolvimento de novas gerações do anticoncepcional, reduzindo esses riscos. “A primeira pílula continha doses maiores de hormônios do que utilizamos atualmente. Nessa evolução, ganhamos segurança sem perder a eficácia”, afirma o ginecologista e obstetra Edson Ferreira, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

“Muitas das preocupações para a saúde de quem usa hormônios foram reduzidas com pesquisa científica de boa qualidade”, completa. A principal mudança foi uma redução drástica nos níveis de estrogênio: hoje, as versões encontradas nas farmácias têm dosagens variadas, mas que ficam entre 20 e 50% da quantidade utilizada nos anticoncepcionais precursores.

+ Leia também: Anticoncepcional em avaliação pela Anvisa reduziria risco de trombose

Com o tempo, também surgiram as pílulas tomadas por fase do ciclo menstrual: a dose de hormônios se alterna ao longo da cartela, de acordo com o período do mês. E, finalmente, chegaram aquelas que abrem mão completamente do estrogênio, formuladas apenas com a substância que imita a progesterona.

“Hoje existe uma tabela gigante que fala das características de cada uma dessas medicações. Se a pessoa tem muita acne, é preferível uma combinação que responde melhor a isso. Se é uma pessoa com propensão a inchaços, é melhor outra que ajude a não reter tanto líquido”, exemplifica Fernanda.

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Idade, uso em paralelo a alguns remédios, amamentação, histórico de tabagismo, trombose ou enxaqueca são alguns dos fatores pesados pelos especialistas antes de indicar a melhor fórmula — ou a troca da pílula por outro método contraceptivo.

A boa notícia é que os médicos e as pacientes não estão sozinhos na hora de traçar a melhor decisão. A Organização Mundial da Saúde (OMS) disponibiliza uma série de critérios e até um aplicativo para determinar o caminho mais indicado à mulher.

“É a paciente que escolhe o método a que vai aderir. Nossa missão é apresentar a ela tudo o que existe e está disponível no país”, diz a professora da PUC-PR. E alertar caso existam contraindicações específicas.

ela não está sozinha
(ilustração: Camila Gray/SAÚDE é Vital)

A pílula, com a licença poética do singular, hoje está mais segura, diversificada e abrangente. E se torna uma alternativa inclusive para a comunidade LGBTQIA+.

“Quem fala se tem necessidade ou não de proteção contra gravidez é a própria pessoa. Além disso, alguns métodos podem ser utilizados não somente com a finalidade de prevenir uma gestação mas também no tratamento de condições ginecológicas”, explica Ferreira.

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Dentro dessa linha de raciocínio apresentada pelo médico da USP, a pílula combinada pode entrar em cena para melhorar casos de incômodos menstruais, acne ou hirsutismo, o excesso de pelos que, às vezes, surge em decorrência da síndrome dos ovários policísticos.

Mesmo homens trans que estejam fazendo um tratamento hormonal podem buscar a pílula — o que importa é a análise do estado e do histórico de saúde de cada um. Com os anos, o leque de opções se abriu e vai além dos anticoncepcionais orais.

Para quem não pretende engravidar tão cedo e não quer se preocupar em tomar remédio todo dia, o DIU (hormonal ou não) é uma eventual saída. Ele tem a vantagem de driblar uma das maiores razões para a falha da pílula: esquecer de ingeri-la.

Alguns especialistas defendem que métodos de longa duração, caso do DIU, deveriam ser mais encorajados no Brasil, onde o atendimento ginecológico nem sempre é acessível e o índice de gravidez não planejada é elevado. “A melhor forma de evitar isso é ofertar todos os métodos, mas principalmente aumentar a taxa de uso daqueles de longa ação”, avalia Ilza.

Por falta de informação, descuido ou má adesão à pílula, o fato é que mais da metade das gestações no país não é programada. Para entender o que passa pela cabeça das usuárias de contraceptivos, Ferreira conta que um estudo americano perguntou às mulheres quais os atributos mais importantes de um anticoncepcional.

+ Leia também: As principais dúvidas sobre a pílula anticoncepcional

“A resposta não surpreende: efetividade, segurança, pouco ou nenhum efeito adverso. Isso vale tanto para mulheres cis e heterossexuais quanto para qualquer outra pessoa”, relata o ginecologista.

E, a despeito do cenário e das particularidades individuais, os médicos batem na tecla de que nenhum comprimido ou DIU previnem doenças sexualmente transmissíveis — só os preservativos são capazes de barrá-las.

Também não tenha a ilusão de que o 60º aniversário da pílula represente o fim dos avanços científicos na área e das novidades por aí. Estão chegando ao mercado brasileiro as primeiras medicações à base de drospirenona de 4 miligramas, uma versão sintética da progesterona que vem ganhando espaço.

“São pílulas que não aumentam risco de trombose, têm um efeito diurético interessante contra o inchaço e um melhor controle da menstruação”, resume a médica da Febrasgo.

Para quem prefere as versões combinadas, fórmulas já mesclam a drospirenona com o estetrol E4,que simularia mais naturalmente o efeito do
estrogênio no corpo, ampliando a segurança no uso.

Em suma: a lista de opções cresce, mas a escolha tem de ser individual e bem informada. “O mais importante é o conhecimento, ainda mais para quebrar a ‘hormoniofobia’, esse medo de que hormônios vão necessariamente fazer mal.

As pessoas precisam entender as coisas como elas são para optar por algo que supra suas necessidades”, diz Ilza. É assim que se tira proveito dessa sessentona revolucionária.

cronologia da pílula
(ilustração: Camila Gray/SAÚDE é Vital)
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