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Suicídio: a vida não pode parar

É chocante, mas 60% das pessoas conhecem alguém que se matou. Apesar da alta incidência do problema, é possível preveni-lo na maioria dos casos

Por Karolina Bergamo
Atualizado em 19 set 2019, 10h56 - Publicado em 20 jul 2017, 21h34
suicidio
Suicídio não deve ser visto como um tabu (Ilustração: Daniel Araújo/SAÚDE é Vital)
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“É para aliviar de vez a minha dor.” Assim o designer Felipe*, de 31 anos, enxerga o suicídio. Um remédio amargo e definitivo contra o sofrimento. Vítima de violência doméstica, abuso sexual e bullying, Felipe, que já recebeu o diagnóstico de depressão, faz parte de uma população negligenciada, porém estatisticamente significativa.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 800 mil pessoas tiram a própria vida todo ano – e um número muito maior ao menos cogita ou tenta se suicidar. A morte voluntária já é a segunda maior causa de óbito entre jovens de 15 a 29 anos. São cifras que seguem avançando. Sorrateiramente.

“O silêncio em torno do assunto dá a impressão de que ele não é importante ou que simplesmente não acontece”, avalia Teng Chei Tung, médico do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPq-USP). Os dados internacionais mostram que a realidade está longe de ser assim. “Existe suicídio desde o início da humanidade. Por ter permanecido como tabu durante séculos, precisamos de muita conscientização para tratá-lo como a questão de saúde pública que de fato representa”, reflete o psiquiatra Humberto Correa, presidente da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio.

Um problema varrido para debaixo do tapete

Apesar de figurar entre as principais causas de morte no planeta, o investimento em pesquisas e campanhas na área é um dos menores quando comparado a outras condições médicas. “Como vamos avançar com esse desequilíbrio, tanto nos estudos quanto na promoção de políticas públicas?”, questionou a psiquiatra Alexandrina Meleiro, professora do IPq-USP, durante palestra realizada no Centro Universitário São Camilo, na capital paulista. Organizada pelos próprios estudantes da faculdade, a conferência foi um sucesso de público. No Facebook, quase 2 mil pessoas confirmaram presença e 10 mil demonstraram interesse.

O auditório lotado foi um sinal de que o silêncio está começando a ser quebrado. E não há como negar que o fenômeno tem a ver com a repercussão da série de TV americana 13 Reasons Why (Os 13 Porquês). A produção da Netflix mostra a trajetória de Hannah Baker, uma adolescente vítima de bullying, violência e abusos que comete suicídio e grava 13 fitas para explicar seus motivos. Um sucesso de audiência… e alvo de controvérsias entre especialistas em saúde mental.

A psicóloga Michele Silva esteve no evento da São Camilo para se atualizar na discussão das condutas com os pacientes. “Por causa dessa história da série, e até do jogo, as pessoas estão perdendo o medo de falar a respeito e o tema começou a aparecer mais no meu consultório”, conta. O jogo mencionado é o Baleia Azul, que causou barulho nas redes sociais. Composto de 50 desafios, ele estimula jovens a se automutilarem e, no fim, instiga o suicídio em si. Não se sabe ao certo sua origem, mas o primeiro caso de morte registrado ocorreu na Rússia em fevereiro.

Segundo a psicóloga Karen Scavacini, coordenadora técnica do Instituto Vita Alere, em São Paulo, o Baleia Azul é um crime que precisa ser combatido. E a série, por sua vez, tende a ser perigosa quando romantiza o tema. “Ao gerar identificação e imitação, a história pode se transformar em um fator de risco para o suicídio”, justifica. Aliás, o papel da TV, da internet e de outros meios de comunicação é bastante significativo nesse contexto. “Estima-se que hoje a mídia seja o terceiro maior motivador de comportamento suicida, superado apenas pelo desemprego e pela violência, em qualquer faixa etária”, revela o psicólogo Adriano Schlösser, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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Felipe, que hoje faz terapia online e assistiu ao seriado com os olhos de quem sente na própria pele o problema, também achou que, apesar de trazer o assunto à tona, a produção foi irresponsável em alguns aspectos. “A série dá a entender que os dilemas de pessoas como Hannah são em parte culpa delas e elas estariam se vingando ao cometer suicídio, o que não é uma verdade”, analisa.

Mas o que leva uma pessoa a querer colocar um ponto final na própria vida? “Essa é uma das questões mais complexas da interação humana”, adianta o psicólogo Gabriel Fernandes, da UFSC. A presença de um transtorno psiquiátrico, em especial a depressão, dá as caras em 94% dos casos. “Tanto no nível individual, como no plano de políticas públicas, o diagnóstico e o tratamento efetivo são uma boa forma de resguardo”, afirma Correa. O desafio é que existem outros fatores entremeados nesse enredo, como ter passado por conflitos, violência, abuso e isolamento.

“Meu pai se matou quando eu tinha 10 anos. E eu ainda sofri muito bullying no colégio. Xingamentos e até agressão física passaram a fazer parte da minha rotina. Sempre fui uma criança alegre, mas logo comecei a me fechar”, relata a estudante universitária Bianca, de 20 anos, que tentou tirar a própria vida. Seu relato corrobora os achados de um estudo do Instituto Karolinska, na Suécia, que investigou a relação entre adversidades na infância e o risco de suicídio em adolescentes e jovens adultos. Depois de observar 548 721 pessoas, constatou-se que as atribulações no começo da vida têm peso significativo nessa equação – quanto maior o número de percalços, maior a probabilidade de ter ideias suicidas.

Em circunstâncias do tipo, o apoio do entorno é fundamental. “Quando eu tentei me matar, tive que ouvir que eu não queria morrer de verdade e só tinha feito isso para chamar atenção, ou porque meu pai fez o mesmo”, relata Bianca. Eis um julgamento e uma reação que só tendem a piorar as coisas. “Suicídio deve ser tratado como uma doença. Não como frescura, coisa da cabeça ou falta de Deus. É uma condição grave que, assim como diabete ou pressão alta, precisa de remédio e acompanhamento”, defende Juliana, de 46 anos, que já tentou se matar seis vezes. “O que faz a diferença na decisão entre a vida e a morte não é só a presença de fatores de risco mas também as medidas de proteção disponíveis”, elucida Alexandrina Meleiro.

A primeira regra sobre a prevenção do suicídio é… falar sobre suicídio. “Sempre me questionam: `Posso perguntar para a pessoa se ela está pensando em se matar?’ Eu respondo: sim, deve. `Mas eu não vou dar ideia para ela?’ Não, ela vai se sentir melhor, porque você captou que não está tudo bem”, esclarece Alexandrina.

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Um bom suporte social é um dos melhores meios para evitar que uma vida seja interrompida. “Houve uma fase em que, se eu tivesse uma única pessoa pra me dar um abraço gigante e dizer que eu ia sair dessa, não estaria tão mal hoje”, conta Bianca. “Sabe aquele desabafo que um santo qualquer te deixa fazer sem te questionar, colocar Deus no meio ou te criticar? Isso ajuda. O resto, no meio de uma crise, não”, diz Juliana.

É com essa finalidade, inclusive, que existe o Centro de Valorização da Vida (CVV), grupo de voluntários que oferece atendimento gratuito e 24 horas pela internet e por telefone – a organização tem até uma parceria com o Facebook para auxiliar usuários com suspeita de comportamento suicida. “Funcionamos como um pronto-socorro emocional. A pessoa que nos procura está pedindo ajuda. Falar traz alívio. E nem sempre as pessoas conseguem se abrir com a família e os amigos”, explica Carlos Correia, engenheiro e voluntário há 25 anos.

Iniciativas como essa nos fazem pensar também em estratégias de prevenção em massa e políticas públicas. Ainda estamos distantes do ideal, mas já existem diretrizes para nos servir de guia. De acordo com uma análise da Universidade Dartmouth, nos Estados Unidos, as medidas de proteção listadas pela OMS são o modelo mais eficiente e chegariam a diminuir a iminência de um suicídio em 95%. O fato é que, com envolvimento e o olhar atento de todos, o que parece um túnel escuro e sem saída pode se tornar um caminho longo e iluminado. “Pelo menos de certa forma alguém se importa. Obrigado pela atenção e por se importar”, agradece Felipe no final da entrevista.

*os nomes de alguns entrevistados da reportagem foram encurtados ou alterados

Problema global

Apesar de o índice mundial de suicídios ter diminuído 9% entre 2000 e 2012, o cenário varia bastante para cada região. Em alguns lugares da África, por exemplo, houve um aumento de 38%, enquanto na Austrália e na Nova Zelândia registrou-se uma queda de 47%. De acordo com as diretrizes da OMS, aperfeiçoar a captação e a qualidade dos dados sobre o problema é crucial para traçar as medidas preventivas.

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  • A cada 40 segundos uma pessoa se suicida no planeta.
  • E a cada 3 segundos um indivíduo tenta se matar.
  • 94% das pessoas com comportamento suicida têm um distúrbio psiquiátrico.
  • 90% dos casos de suicídio podem ser prevenidos.
  • Suicídio já é a 10ª principal causa de morte nos EUA
  • 1,5 milhão é a projeção mundial de mortes por suicídio para 2020
  • O Brasil é a 8ª nação no mundo em número absoluto de casos

O impacto da faixa etária

Embora o comportamento suicida se assemelhe em todas as idades, os motivos que levam alguém a se matar podem variar de acordo com a fase da vida. Veja ao lado as particularidades de cada período.

Adolescentes

“O bullying é considerado um dos principais motivos de suicídio na fase infanto-juvenil”, aponta Adriano Schlösser. Em um período de mudanças e de busca por identidade, a pressão social pode abalar o bem-estar. Nessa fase, para cada 200 tentativas, uma vida chega a ser interrompida.

Adultos

Os homens cometem até três vezes mais suicídio que as mulheres na faixa dos 35 aos 54 anos. Segundo o psicólogo Gabriel Fernandes, o papel social da masculinidade influi nesse cenário. Além disso, problemas financeiros ou conjugais também teriam um peso maior.

Idosos

Pessoas acima dos 65 anos dão menos sinais de comportamento suicida, porém escolhem meios mais letais. A proporção é de quatro tentativas para cada morte. “Aposentadoria, perda de funcionalidade física e solidão estão presentes nesse contexto”, expõe alguns fatores Schlösser.

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Os sinais de risco

  •  Isolamento
  • Falta de prazer nas atividades cotidianas
  • Doação exagerada de pertences
  • Preparação de despedidas
  • Mudanças no padrão de sono
  • Perda de apetite ou outros hábitos inusuais na alimentação
  • Manifestações verbais como: “eu vou me matar”, “eu não aguento mais”, “tudo vai ser melhor depois que eu for embora”, “sou um fardo para todos” ou “você não vaimais precisar se preocupar comigo”
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