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Mania de perfeição pode virar fonte de doenças

Em novo livro, o psiquiatra Daniel Martins de Barros explica que a busca pela máxima performance não raro resulta em mais infelicidade

Por André Bernardo
15 mar 2024, 09h58

No filme Sociedade dos Poetas Mortos, o professor John Keating, interpretado pelo ator Robin Williams (1951-2014), encoraja os alunos a viver o dia de hoje. “Façam de suas vidas algo extraordinário”, ensina. Carpe Diem (“Aproveite o dia”, em latim) não é uma criação do roteirista americano Tom Schulman, ganhador do Oscar de roteiro original, mas uma citação do poeta romano Horácio (65-8 a.C.).

A expressão é, também, o título do quarto capítulo do mais novo livro do psiquiatra Daniel Martins de Barros, Viver É Melhor sem Ter Que Ser o Melhor (Sextante – clique para comprar). Cada capítulo da obra é apoiado numa máxima do arcadismo, movimento literário que resgatou princípios da Antiguidade clássica. Os outros três são: Inutilia Truncat (“Cortar o inútil”), Aurea Mediocritas (“A mediocridade de ouro”) e Fugere Urbem (“Fugir da cidade”).

Barros, que é professor da USP, parte do princípio de que o desejo de querer sempre chegar em primeiro lugar pode criar uma sociedade doente. Em ano de Olimpíada, fica a dica para os atletas e torcedores: tão ou mais importante do que conquistar a medalha é participar da mais famosa competição esportiva do planeta.

Como diria o Barão de Coubertin (1863-1937), responsável pela criação dos jogos modernos, “O importante não é vencer, é competir”. Confira a entrevista com o autor, que, além de médico, é bacharel em filosofia e doutor em ciências.

Viver é melhor sem ter que ser o melhor

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Como surgiu a ideia de escrever Viver É Melhor sem Ter Que Ser o Melhor, um livro que, como você mesmo diz, contesta a supremacia da vitória?

Certa ocasião, fui convidado para palestrar em um evento de alta performance. Na hora, brinquei, dizendo: “Mas não dá para ser média performance? Tem que ser alta?” Até pensei no suposto título da palestra: “O segredo da baixa performance: a mediocridade como chave para a felicidade”… [risos] Eu já vinha pensando nisso havia algum tempo, sabe? Sobre a gente nunca estar satisfeito com o que é bom e viver sempre buscando o ainda melhor.

Foi essa a fagulha que deu origem ao livro: precisamos conversar sobre a pressão da alta performance. Porque, para falar a verdade, estamos todos na média! Foi aí que eu me lembrei de um dos lemas do arcadismo: o Aurea Mediocritas. Como diria Aristóteles, a virtude está no meio.

Mas vivemos numa sociedade que exalta a alta performance. Qual o perigo disso? Pode nos levar a adoecer?

Ser excelente é ruim? Claro que não! Ser excelente é… excelente! [risos] É ótimo que existam pessoas que estejam sempre querendo ir além. O problema é criar uma sociedade que só dá valor à alta performance. Uma sociedade que só dá valor ao primeiro lugar ou à medalha de ouro.

Isso pode ser adoecedor. Não há espaço para todo mundo no pódio. Nem medalha de ouro nem vaga de CEO. Se a única coisa que importa é o ótimo, o excelente, então, a maioria das pessoas pode achar que não tem valor algum. Pior: pode se sentir frustrada, derrotada, e por aí vai. Conquistar o primeiro lugar no pódio é legal? É. Mas não é só isso que tem valor na vida. Essa é a grande mensagem do livro.

Na obra, ao falar de estoicismo, você o define como “a aceitação serena das circunstâncias da vida a partir da distinção do que está ou não sob o nosso controle”. Não pode soar a conformismo?

Pode, sim, é sempre um risco. Assim como dizer que “a média é boa” pode ser interpretado como uma exaltação da derrota. Mas o que o estoicismo prega é: não aceite tudo! Ok, nem tudo está sob nosso controle, mas há muita coisa que está. Você vê os gregos ou os romanos, por exemplo.

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Eles simplesmente transformaram o mundo. Não pensavam assim: “Ah, aqui não tem água… Paciência, vamos para outro lugar, então”. Nada disso! O que eles faziam? Se não havia água, eles construíam aquedutos. Para os estoicos, a única coisa que podemos controlar é a forma como reagimos aos eventos externos. Tem mais a ver com as nossas respostas emocionais diante das circunstâncias da vida.

Cada capítulo do livro traz como título uma máxima do arcadismo para refletir. Com qual delas se identifica mais?

Puxa, você me pegou, hein? [risos] Gosto de todas, mas, se tivesse que escolher só uma, acho que iria de Carpe Diem. Gosto da ideia de aproveitar o momento presente e não deixar a vida passar despercebida. Tenho me esforçado para viver o agora, prestar atenção ao que acontece ao meu redor.

Isso é um esforço, sabe? Temos que nos empenhar para sair do piloto automático e prestar atenção ao nosso dia a dia. É um desafio e tanto, mas é um desafio recompensador. Então, acho que é um dos pontos altos do livro: prestar mais atenção ao que acontece à nossa volta porque amanhã não podemos nem mais estar aqui.

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Em determinado momento, você escreve que “o caminho fácil leva sempre à ruína”. É como se dissesse: “Viva a dificuldade!” No entanto, exaltar ou romantizar o sofrimento não poderia fazer mal à saúde mental?

Às vezes, esperamos que a vida traga o que a gente espera dela. Em outras ocasiões, nos contentamos em simplesmente seguir a correnteza do rio. De um jeito ou de outro, não vamos desfrutar do melhor da vida. Para qualquer coisa, temos que fazer esforço ou gastar energia. Seja para prestar atenção ao que acontece à nossa volta (Carpe Diem), seja para separar o que é útil do que não é (Inutilia Truncat).

Estar feliz na média não significa não estar nem aí para nada. O esforço é necessário se você quiser enriquecer sua vida e viver as possibilidades que ela oferece. Aquilo que conseguimos sem esforço não traz satisfação nem promove crescimento.

Além de escrever livros, você dá aula, atende paciente, assina coluna, posta vídeo no YouTube… Que cuidados toma para não sucumbir ao burnout, outro tema abordado no livro?

Procuro descansar bastante. Houve um tempo, quando meus filhos eram pequenos, em que eu encurtei bastante as minhas horas de sono. Dormia pouco. Foi quando tive um quadro de cansaço que mais parecia depressão. Só sei que não era depressão porque voltei a dormir mais e melhorei.

Então, presto muita atenção ao repouso. E, quando falo de descanso, não falo simplesmente de dormir. Falo também de desconectar a cabeça do trabalho. Se a gente não faz isso, não aguenta. A gente pensa que resiliência é quanto o cara aguenta. Não é. Resiliência é quanto o cara descansa para poder continuar seguindo em frente.

Que hábitos adquiridos durante a pandemia de Covid-19, um período que demandou resiliência de todos nós, você mantém até hoje? Observar pássaros é um deles?

Sem dúvida! Observar pássaros virou um hobby. Comprei lentes potentes, aprendi a identificar espécies, entrei para grupos de discussão. Durante a pandemia, observá-los era um alívio para o estresse. Agora em janeiro, viajei e conheci pássaros novos. Não viajei para isso, mas, durante a viagem, vi um pintassilgo de cabeça preta que nunca tinha visto.

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A pandemia deixou muito claro quanto a gente precisa se cuidar. Se a gente não prestar atenção nisso, tudo volta ao que era antes. Hoje procuro criar intervalos para descansar. Como? Me divertindo, observando pássaros, não importa. O importante é criar áreas verdes para nosso cérebro respirar.

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