Contágio social: somos um “bando de Maria vai com as outras”?
Cientistas debatem em congresso por que o ser humano é programado para imitar atitudes alheias — incluindo as ruins
Principal evento de neurociência do país, o Congresso de Cérebro, Comportamento e Emoções reuniu no frio de Gramado (RS) mais de 2 mil médicos, psicólogos e outros profissionais que estudam a mente humana.
Tema de uma mesa-redonda, o contágio social foi discutido à luz de episódios históricos, experimentos de campo e pesquisas de neuroimagem. Afinal, até que ponto somos influenciados pelas atitudes dos outros?
Uma das apresentações mais instigantes foi a do cientista comportamental holandês Kees Keizer, que examinou as evidências por trás da teoria das janelas quebradas. Remetendo à Nova York dos anos 1980, quando a cidade enfrentava altos índices de criminalidade, ela postula que, quando se quebra uma regra local, outras violações tendem a ser cometidas.
Os estudos de Keizer indicam que, dependendo do contexto, realmente um efeito em cadeia entra em cena, nos estimulando a repetir boas ou más ações. “Pode soar brega, mas o fato é que a atitude de uma única pessoa pode fazer a diferença”, diz.
O experimento das bicicletas
O professor Kees Keizer, da Universidade de Groningen, na Holanda, bolou o seguinte experimento para testar o impacto do contágio social. Em um beco onde se estacionavam bicicletas, sua equipe espalhava panfletos sobre elas. No primeiro cenário avaliado, isso acontecia num local com paredes limpas. No segundo, ocorria no mesmo lugar, mas com as paredes pixadas.
No ambiente sem grafite, 33% das pessoas jogavam o panfleto que estava sobre a bike no chão. Quando o espaço tinha a parede avariada, o número de indivíduos que descartavam o papel de forma incorreta foi de 69%. Uma experiência parecida feita num estacionamento de supermercado chegou a resultados similares. “A violação de uma norma social leva a outros tipos de violação”, conclui Keizer.
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Mapeamento cerebral
O neurocientista russo Vasily Klucharev, da Universidade de Amsterdã, na Holanda, se dedica a entender os efeitos do contágio social no cérebro por meio de exames de imagem e da atividade elétrica nesse órgão. No congresso realizado em Gramado, ele compartilhou suas descobertas e achados de outras pesquisas na área.
Um deles é que os circuitos nervosos associados ao prazer, mediados pelo neurotransmissor dopamina, exercem papel crítico na imitação de atitudes e comportamentos alheios. Segundo Klucharev, nossa trajetória evolutiva como seres sociais nos dotou de um cérebro que gera bem-estar quando estamos em conformidade com o grupo e produz estresse quando apresentamos tendências discordantes.
Episódios miméticos pela história
O psiquiatra Jair Mari, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), apresentou casos famosos de contágio social
Surto de dança (1518)
Em Estrasburgo, na França, uma mulher começa a dançar sem parar pela cidade e outras pessoas passam a imitá-la. Há relatos de indivíduos que chegaram à exaustão de tanto se requebrar pelas ruas.
Histeria e possessão (século 17)
Conventos na Europa registram episódios de histeria coletiva: as freiras ficavam nuas, se diziam possuídas pelo demônio e só melhoravam após receber o sacramento de um padre.
O efeito Werther (século 18)
O romance Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, induz leitores a repetirem o ato do protagonista, que se suicida após ser rejeitado pela amada. Até hoje se discute o caráter mimético do suicídio.
Invasão alienígena (1938)
Orson Welles fez uma peça radiofônica em cima do livro de H.G. Wells A Guerra dos Mundos. Ela deixou americanos em pânico, numa reação em cadeia que fez pessoas fugirem de casa.
Onda de desmaios (2010)
A equipe de Jair Mari na Unifesp investigou um fenômeno ocorrido em escolas de Moçambique: um crescente número de meninas que desmaiavam do nada devido a rumores de ataques de espíritos.