Vacinas de DNA e RNA contra coronavírus não causam alterações nos genes
Entenda por que as vacinas genéticas, categoria aprovada pela primeira vez para uso em massa contra a Covid-19, são consideradas seguras
A primeira vacina aprovada contra a Covid-19 no Ocidente, da Pfizer/BioNTech, usa o RNA mensageiro, uma parte do código genético do novo coronavírus, para ensinar o corpo a se proteger da doença. Sua segurança foi comprovada nos estudos divulgados, mas a complexidade que envolve o tema e notícias falsas espalhadas nas redes sociais geraram o medo de que ela e outras do tipo pudessem alterar o nosso DNA, provocando reações negativas diversas.
Mas não existe motivo para preocupação. “O que acontece é apenas uma simulação do que a própria infecção natural provoca nas células humanas”, tranquiliza a microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência.
Vamos começar explicando qual a ideia das vacinas genéticas, que envolvem as de RNA, como a da Pfizer, e as de DNA, também em estudo para combater o Sars-CoV-2. Ambas carregam as instruções para que a célula humana produza uma proteína do vírus.
“Os vírus em si usam o maquinário das nossas células para criar suas cópias”, aponta Natália. Só que, nas vacinas genéticas, não há a receita para fabricar o vírus inteiro, e sim uma porção minúscula dele – justamente a utilizada para infectar as células humanas.
“A célula, então, passa a expressar as proteínas dessa parte do vírus em sua superfície”, explica Flávio Guimarães, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista em vacinas. Resultado: o sistema imune pensa que a célula está de fato infectada e cria uma resposta específica para aquele material genético intruso.
Aí, caso o organismo tenha contato com o Sars-CoV-2 de verdade, reconhecerá essa proteína de cara e terá meios de combatê-lo antes que ele cause problemas. O processo passa bem longe da possibilidade de alterações no DNA humano.
É um raciocínio diferente das vacinas tradicionais, que usam o coronavírus inteiro desativado ou apenas um pedaço dele para estimular as nossas defesas.
Vacinas podem causar mutações genéticas?
Só para reforçar: não. No caso da vacina de RNA mensageiro, como a da Pfizer, os compostos presentes em uma dose nem passam perto do nosso DNA. “O RNA é lido no citoplasma das células, e não no núcleo, onde está protegido o DNA humano”, aponta Natália.
Já as vacinas de DNA precisam mesmo ser lidas no núcleo celular. O processo é complicado, porém, a partir desse estímulo, o código genético humano produz moléculas de RNA, que então incitam a produção de proteínas do vírus, como mencionamos acima.
Mas isso não quer dizer que os compostos desse tipo de imunizante se integrem ao código genético humano. “Na verdade, é muito difícil de conseguir fazer isso, mesmo intencionalmente, em laboratório”, continua a microbiologista. Algumas terapias tentam, por exemplo, corrigir mutações que provocam doenças. Contudo, poucas estão de fato disponíveis – e a custos elevadíssimos.
Alterar nosso DNA é difícil porque ele conta com um forte sistema de proteção, por ser continuamente bombardeado por fatores ambientais. “A todo momento, somos infectados por vírus e bactérias que alcançam o núcleo das células. Mas temos enzimas patrulhando o local e qualquer código genético estranho é imediatamente degradado”, explica Guimarães.
Fatores como raios solares e o cigarro têm potencial para causar mutações no genoma que levem a doenças. Mas atenção: são anos de exposição contínua para que isso ocorra. “Nosso sistema de proteção é tão eficaz que é preciso uma agressão constante e intensa por anos até que um fumante tenha câncer”, pontua o professor da UFMG.
Os especialistas são categóricos em afirmar que não há problemas na estratégia das vacinas de DNA e RNA, que se degradam rapidamente no organismo. “Quem espalha mentiras do tipo mostra, no mínimo, que não tem conhecimento no assunto”, afirma Guimarães.
Devo confiar em uma vacina que foi produzida em tão pouco tempo?
Um dos argumentos usados por quem desconfia dessas vacinas é o fato de que elas possuem uma tecnologia nova, nunca utilizada em outros imunizantes. Portanto, quem a recebesse estaria sendo feito de cobaia. “É importante deixar claro que são métodos extremamente seguros. A tecnologia é nova apenas no sentido de que não havia sido liberada no mercado. Mas já é estudada há no mínimo 30 anos”, diz Natália.
Agora, se há pesquisas com vacinas de RNA há 30 anos, por que até agora não tínhamos nenhuma disponível? A “demora” não ocorreu por causa de questões de segurança, mas sim pela dificuldade técnica de fazer com que o material genético da vacina, que é muito sensível, chegue à célula humana antes que seja destruído. “Com o tempo, entendemos como aumentar sua resistência”, explica Guimarães.
Hoje o RNA é protegido em um invólucro de gordura para chegar em seu alvo. Para fabricar as vacinas de DNA, o RNA é convertido em DNA e, a partir de engenharia genética, combinado com um plasmídeo, que é um DNA circular, típico de bactérias. Outra possibilidade é esconder a sequência de DNA do vírus em um vetor viral, como faz a vacina de Oxford. No caso, ela recorre a um adenovírus do chimpanzé.
Com a pandemia, a evolução dos estudos atingiu seu ápice, pois há mais investimentos e interesse das empresas, dos governos e da comunidade científica. “É o que esperamos de um período de crise como esse: soluções rápidas e baseadas em tecnologia de ponta”, relembra Guimarães.