O Conselho Nacional de Saúde (CNS) publicou uma nova recomendação orientando gestores públicos a divulgar as práticas integrativas e complementares (PICs) — como homeopatia, fitoterapia, reiki e ioga — no combate à Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2).
A medida causou preocupação em boa parte da comunidade científica, já que não existem estudos mostrando que essas técnicas ajudem no tratamento da infecção. Isso geraria uma falsa esperança na população para um problema que ainda não tem cura — e com gasto de recursos públicos. Além de ser uma aparente contradição com a postura do próprio CNS, que é contra o uso da hidroxicloroquina para o coronavírus justamente por falta de evidências científicas.
Um comunicado publicado posteriormente no site do Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (Cabsin), que é uma das referências citadas pelo CNS nesse documento, afirma que as orientações não se referem ao tratamento específico da Covid-19. Segundo ele, as práticas integrativas contribuiriam para o fortalecimento do sistema imunológico, o manejo de certos sintomas e o bem-estar mental em meio a pandemia — não para enfrentar o Sars-CoV-2 em si.
Faz sentido valorizar as PICs na pandemia?
Mesmo com a ressalva feita pelo Cabsin, a bióloga Sylvia Maria Affonso da Silva, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), aponta, logo de cara, um problema na recomendação do CNS: “Ela coloca diferentes técnicas no mesmo pacote. Homeopatia, reiki e ozonioterapia não têm evidência científica séria contra qualquer problema. Já ioga e meditação são mais estudadas e apresentam certa base científica para complementar outros tratamentos”.
Cabe ressaltar que ioga e meditação via de regra são estabelecidas como formas de, junto com outras medidas, aplacar a ansiedade, aliviar a depressão e manter a cuca fresca, benefícios pra lá de positivos na pandemia. E é possível que, por acalmar a mente, elas ajam indiretamente no sistema imunológico — porém, não há qualquer garantia de que protejam especificamente contra o coronavírus ou outro agente infeccioso.
Um receio apontado por Sylvia é o de os pacientes adiarem a ida para o hospital ou o início de tratamentos de suporte enquanto apostam em terapias alternativas. Há ainda a possibilidade de a pessoa adotar menos medidas preventivas — como o isolamento social — para jogar suas fichas em técnicas sem comprovação de efetividade na proteção contra o Sars-CoV-2.
A especialista lembra que fomentar, principalmente na rede pública, táticas sem evidência científica consolidada contra uma pandemia pode colocar em risco a vida dos usuários e da comunidade na qual ele vive. “Estamos falando de um vírus. Não se trata da decisão individual de cuidar somente da minha saúde, e sim de uma questão coletiva”, alerta a expert.
As práticas integrativas e complementares são oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2006. Mas vem sofrendo críticas nos últimos anos.
As terapias complementares ajudam a aliviar os sintomas da Covid-19?
Junto com o Cabsin, a Rede de Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas das Américas e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme/Opas/OMS) produziram um mapa de evidências de contribuições das medicinas tradicionais, complementares e integrativas no contexto da Covid-19. O trabalho se baseou em 127 publicações feitas em 12 países.
Porém, a enorme maioria dos artigos é focada em sinais respiratórios, saúde mental e resposta imunológica de maneira mais geral. Só um entre eles foca no novo coronavírus: é uma revisão de estudos chinesa que analisou a utilização da medicina tradicional do país para o alívio dos sintomas. Ela conclui que diferentes remédios da cultura chinesa merecem ser melhor investigados. “A maioria dos estudos disponíveis foram mal desenhados e seus resultados possuem vieses”, diz o artigo.
Ou seja, não há, até o momento, quaisquer provas de que itens da medicina chinesa funcionem contra o coronavírus. O mesmo vale para homeopatia — que inclusive deixou de ser aplicada na rede pública de vários países —, reiki etc.
No comunicado que citamos no início, a Cabsin ressalta que o mapa pode nortear novas pesquisas, mas não tem o objetivo de embasar protocolos de recomendação terapêutica para o tratamento da Covid-19.
Veja: não há problema em usar ioga, meditação e massagem nos quadros leves do coronavírus, como forma de promover bem-estar. Isso, claro, desde que o paciente informe o médico e não abandone o tratamento convencional.
Já chás, remédios naturais e afins devem ser consumidos com muita cautela, porque podem gerar efeitos colaterais ou mesmo interagir com o tratamento convencional.
“As PICs são integrativas. Ou seja, vêm para integrar e complementar, nunca para substituir. O próprio nome diz isso”, conclui Sylvia.