Um time de cientistas brasileiros estudou o efeito de anticoagulantes em pessoas com a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2). As especulações sobre a utilidade dessa classe de medicamentos começaram após alguns pacientes apresentarem, além dos sintomas respiratórios, um quadro de trombose, marcado por formação de coágulos nas veias ou artérias que dificultam a circulação de sangue.
Para a pesquisa, foram selecionados 27 indivíduos atendidos no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, entre os dias 21 de março a 12 de abril. Todos receberam heparina (uma droga anticoagulante), com doses adaptadas à gravidade da situação.
Ao fim da análise, os pesquisadores notaram que 56% dos pacientes (ou seja, 15 pessoas) receberam alta em um tempo médio de 7,3 dias. Dos oito que precisaram de ventilação mecânica, metade conseguiu se livrar do tubo de oxigênio em 10,3 dias – os demais apresentaram melhora progressiva. Não houve complicações hemorrágicas nem mortes entre os voluntários. Mas atenção: a pesquisa é pra lá de inicial (nem havia um grupo de controle para comparar o efeito da droga propriamente).
Vale lembrar que a utilização de anticoagulantes em pessoas internadas não é uma novidade. Como outros quadros de saúde podem levar à trombose, hospitais aplicam esse tipo de medicação com frequência. O que os cientistas fizeram no contexto da Covid-19 foi começar a adequar a dose aplicada.
O que a trombose tem a ver com o novo coronavírus
De acordo com o cirurgião Marcelo Calil Burihan, da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV), que não participou da pesquisa, o surgimento de uma trombose é relativamente comum quando uma infecção se instala – malária, febre hemorrágica e até dengue podem culminar em trombose.
Nesses casos e mesmo em internações por coronavírus, muitos médicos já prescrevem anticoagulantes quando notam um risco de entupimentos dos vasos sanguíneos. Inclusive porque uma pessoa acamada tende a se mover pouco (e isso também eleva o risco o de trombos).
“Temos visto que, na Covid-19, o corpo libera uma substância chamada citocina. Ela lesa o endotélio, que é a camada interna da veia ou da artéria, levando à formação de coágulo. Assim, surge a trombose”, descreve Burihan.
Uma hipótese, aliás, postula que esses coágulos podem ir parar nos pulmões, deflagrando sintomas respiratórios em alguns dos pacientes. Mas isso ainda é uma suposição. Atualmente, outros cientistas e estudos apontam que a inflamação deflagrada pelo coronavírus nos pulmões provoca, por si só, uma insuficiência respiratória.
Cuidado com as fake news
Comumente usada para combater dor e febre, a aspirina também auxilia no tratamento de acidente vascular cerebral (AVC) e é indicada diante de sintomas de infarto – tudo por causa do poder anticoagulante.
Só que tem gente incentivando a utilização do comprimido nos grupos de Whatsapp para prevenir a Covid-19 e, assim, conseguir sair de casa numa boa. Não caia nessa!
Primeiro porque a aspirina não é recomendada para evitar a trombose. Fora que seu consumo indiscriminado pode trazer sérios riscos à saúde.
Há pessoas que podem acabar sofrendo sangramentos internos. Para ter ideia, uma revisão recente, publicada no respeitado jornal científico Jama, indicou que tomar aspirina regularmente com o intuito de prevenir problemas cardiovasculares é capaz de aumentar em quase 50% o risco de um sangramento grave.
Burihan ainda cita a possibilidade de encarar irritações na mucosa do estômago e úlceras gástricas. “O mesmo pode ocorrer no intestino”, adiciona.
Além disso, mesmo que os anticoagulantes pareçam promissores no contexto da Covid-19, as pesquisas estão no início. Mais: os próprios cientistas brasileiros envolvidos nessa descoberta reforçam que os remédios não são a cura para a doença.
Na verdade, os anticoagulantes atuariam como aliados no tratamento de pacientes considerados graves. Por isso, a administração ocorre em ambiente hospitalar, com acompanhamento médico, doses certeiras e em conjunto com outras estratégias medicamentosas.
“Para evitar a Covid-19, as recomendações ainda são as mesmas: realizar a higienização frequente das mãos, usar máscara e evitar aglomeração”, finaliza o médico da SBACV.