Perda de massa muscular na Covid está ligada a sintomas persistentes
O comprometimento dos músculos durante a internação aumenta o risco da chamada Covid longa
Quanto maior a perda de massa muscular durante o período de hospitalização por Covid-19, maiores são as chances de o paciente desenvolver sintomas persistentes da doença, como comprometimento muscular e a chamada Covid longa, que pode incluir dificuldade para respirar, tosse persistente, dores de cabeça, insônia e ansiedade.
A conclusão é de um estudo conduzido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e divulgado no Journal of the American Medical Directors Association.
Os resultados também indicam haver uma relação entre maior perda de massa muscular e maiores gastos com saúde nos meses seguintes à alta hospitalar.
“A perda de massa muscular é razoavelmente comum durante períodos prolongados de internação hospitalar. No entanto, esse quadro parece ser exacerbado em pacientes hospitalizados por Covid, afetando a massa, a força e a função muscular a ponto de comprometer a mobilidade do paciente em alguns casos”, explica Hamilton Roschel, líder do estudo e um dos coordenadores do Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da Escola de Educação Física e da Faculdade de Medicina da USP.
Financiada pela FAPESP por meio de dois projetos (17/13552-2 e 20/08091-9), a investigação envolveu 80 pacientes com Covid-19 moderada ou grave internados no Hospital das Clínicas da FM-USP em 2020 – época em que ainda não havia vacinas disponíveis. Os participantes foram acompanhados durante e após o período de hospitalização.
Os pesquisadores mediram a força e a massa muscular dos pacientes em quatro momentos: assim que eles deram entrada hospitalar, quando tiveram alta e dois e seis meses depois da alta hospitalar.
Para isso foi usado um equipamento (dinamômetro) que mede a força de preensão manual – medida que tem uma boa correlação com a força global de um indivíduo. Já a massa muscular foi aferida com um aparelho de ultrassom, tendo como referência o músculo da coxa.
“É comum associarmos a função dos músculos apenas com a locomoção, mas o sistema musculoesquelético tem um papel muito mais abrangente. Ele participa de vários outros processos no organismo, como a regulação do metabolismo e até mesmo do sistema imune”, explica Roschel.
De acordo com as análises, nos pacientes que tiveram maior perda de massa muscular também foi maior a prevalência de fadiga (76%) e de dor muscular (66%). Já nos que tiveram menor comprometimento da musculatura, a prevalência foi, respectivamente, de 46% e 36%.
Na avaliação feita seis meses após a alta hospitalar, aqueles que haviam perdido mais massa muscular permaneciam com dificuldade para recuperar a musculatura prévia. Já os que tiveram pouca perda se recuperaram quase que totalmente no período.
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Preditor de prognóstico
Os pesquisadores também avaliaram os gastos com saúde durante os seis meses seguintes à alta hospitalar. “Embora não tenha havido grandes diferenças em relação à reospitalização e autopercepção de saúde, os pacientes que perderam mais massa muscular tiveram um gasto total com a saúde relacionados à Covid-19 muito maior que o outro grupo”, conta Roschel.
Na média, os participantes que tiveram a musculatura mais afetada na fase aguda gastaram US$ 77 mil contra US$ 3 mil nos dois primeiros meses após a alta hospitalar.
Quando considerados os seis meses após a saída do hospital, esse valor foi de aproximadamente US$ 90 mil com gastos em reabilitação e outras complicações, contra US$ 12 mil na média para os que tiveram menor comprometimento muscular.
“Os resultados mostram que a perda de massa muscular parece ser um parâmetro de prognóstico negativo em pacientes hospitalizados, o que sugere serem necessárias testagens de intervenções terapêuticas já durante o período de internação. No plano coletivo, de saúde pública, mostramos que a perda de massa muscular está associada a maiores custos, o que certamente impacta e pressiona os sistemas de saúde não só no âmbito econômico, mas também na demanda por serviços de reabilitação para esses pacientes”, avalia.
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Estudo anterior do grupo havia demonstrado que medidas de força e massa muscular podem ajudar a prever o tempo de internação por Covid-19.
Ao analisar esses dados no momento da admissão hospitalar, foi possível observar que os pacientes com melhor saúde muscular tendiam a permanecer menos tempo internados (leia mais em: agencia.fapesp.br/35625/).
“Essa primeira etapa do trabalho mostrou como a COVID-19 afeta o músculo e a importância de ter uma ‘reserva muscular prévia’ para lidar com a infecção. Agora vimos que, seis meses após a alta hospitalar, quem perdeu mais massa não apenas não conseguiu recuperá-la, como teve mais sintomas persistentes e maiores gastos com saúde. É importante ressaltar o impacto da doença também para o sistema musculoesquelético e como isso requer atenção dos sistemas de saúde, mesmo após o paciente estar recuperado da infecção”, ressalta o autor.
O artigo Acute muscle mass loss predicts long-term fatigue, myalgia, and health care costs in covid-19 survivors pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S152586102200891X.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP