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Para evitar a gravidez indesejada, planejar é preciso

Em tempos de discussão sobre aborto e contracepção, conscientizar a população sobre o planejamento da gestação virou questão de saúde pública

Por Karolina Bergamo
Atualizado em 12 dez 2019, 10h33 - Publicado em 31 out 2018, 10h02
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  • Em agosto, uma multidão de mulheres com lenço verde amarrado no pescoço tomou as ruas de Buenos Aires, capital da Argentina. No tecido, liam-se os dizeres: “Educação para decidir, anticoncepcionais para não abortar, aborto legal para não morrer“. O lema da mobilização em torno do projeto de lei que descriminalizaria a interrupção da gestação não foi suficiente para aprová-lo – ele foi rejeitado em uma votação apertada -, mas deixa claro que a questão tem começo e meio antes de chegar ao tão temido e polêmico fim.

    “Há uma gama de formas de proteção, que vai desde acesso a informação e educação até oferta de métodos contraceptivos adequados à mulher”, analisa a antropóloga Débora Diniz, da Universidade de Brasília (UnB), que milita há anos pelos direitos reprodutivos e sexuais femininos.

    No Brasil, essa cadeia toda não funciona como deveria. Prova disso é que a taxa de gestações não planejadas é altíssima: mais da metade das mulheres que engravidam não estava preparada para isso. E a tendência é que o número continue crescendo. “Não temos metas de planejamento familiar nem de redução de gestação na adolescência, ao contrário do que ocorre em outros países. Eles traçam estratégias para alcançá-las”, avalia a ginecologista Carolina Sales, professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).

    Um exemplo de nação que conseguiu reverter esse cenário é o Quênia, na África, onde houve investimento justamente nas etapas clamadas pelas argentinas. “Eles têm um documento com diretrizes claras que incluem ações nas escolas, auxílio a adolescentes no sentido de incentivá-las a estabelecer objetivos de vida, além de distribuição de métodos contraceptivos, principalmente desses que não dependem tanto da memória da mulher”, explica Carolina.

    Na vizinhança também temos bons exemplos. A taxa de gravidez não planejada no México é de 36% – frente aos 55,4% daqui. À primeira vista, o dado parece sem sentido, já que o número de brasileiras usando algum anticoncepcional é maior que o de mexicanas.

    Vantagens métodos anticoncepcionais
    (Foto: Eduardo Pignata/SAÚDE é Vital)
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    Mas o xis da questão está no tipo escolhido (veja os métodos na tabela ao lado). “Lá, mais mulheres apostam em métodos de longa duração, que não dependem das usuárias para funcionar”, revela Carolina. Em nosso país, a maioria opta pela pílula, que, mesmo se usada direitinho, tem um índice de falha superior.

    Para o ginecologista Adalberto Kiochi Aguemi, que coordena o Departamento de Saúde da Mulher na Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, investir nesses contraceptivos de longa duração (LARCs, na sigla em inglês) é o caminho mais rápido para baixar as estatísticas. Falamos de opções como o dispositivo intrauterino, o famoso DIU, e o implante hormonal. “Mas ainda há muitos mitos e preconceitos em torno deles, inclusive entre profissionais da saúde”, observa.

    E olha que não faltam dados demonstrando sua segurança e eficácia. Um estudo realizado por Carolina e sua equipe mostrou que, além de mais efetivos, esses métodos têm maiores taxas de satisfação e geram menos abandono entre as usuárias.

    O DIU de cobre, para ter ideia, dura dez anos e registra apenas seis falhas a cada mil mulheres. Outro detalhe: ele é oferecido gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda assim, apenas 2% da população feminina recorre ao dispositivo.

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    De acordo com o Data SUS, três implantes de DIU foram feitos em um ano no Acre. No Amapá, dez mulheres decidiram pelo dispositivo intrauterino. São índices baixíssimos. Em geral, o desinteresse por essa opção tem a ver com motivos religiosos, desinformação ou pela falta de material no SUS.

    Um cenário fértil

    É nesse ambiente que nascem os bebês não planejados. E o impacto disso na saúde da mulher e do filho é extremamente preocupante. Elas têm maior incidência de diabetes gestacional e hipertensão arterial, fazem menos pré-natal e, consequentemente, encaram mais complicações no parto.

    “Embora seja um elo ainda pouco estudado, a gravidez não planejada representa risco aumentado de ansiedade e de depressão“, acrescenta o ginecologista Rogério Bonassi, presidente da Comissão de Anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

    Infelizmente, essas são apenas algumas das várias faces obscuras do quebra-cabeça. Uma gravidez que acontece no susto ainda traz enorme impacto socioeconômico para o país. Calcula-se que 4,1 bilhões de reais são gastos todos os anos com gestações não programadas.

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    Sem falar nos casos de violência e abandono, além da alta possibilidade de as mulheres caírem no mundo das drogas. “É a famosa história de quando o barato sai caro. Em longo prazo, o custo dos tais LARCs vale a pena diante dos prejuízos de não escolhê-los”, argumenta Carolina.

    O machismo enraigado em nossa sociedade também tem sua parcela de culpa. “Hoje em dia, uma jovem que vai ao médico para colocar o DIU é desestimulada e, muitas vezes, informada de que é um método somente para mulheres que já tiveram filhos”, conta Ellen Vieira, obstetriz do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, na capital paulista. “Não sabemos de onde saiu essa informação, que não tem nenhuma base científica”, avisa.

    Para ela, o corpo feminino ainda é visto apenas como objeto de procriação humana – com isso, a mulher perde o direito à condução de sua vida reprodutiva. “E vale frisar que a escolha do método envolve muitos outros fatores, como sexualidade, prazer, autocuidado e negociação com o parceiro. Porque os homens podem participar do projeto de vida reprodutiva também”, defende Débora.

    No fim das contas, uma gravidez não desejada é consequência de fatores bem mais complexos do que um mero descuido.

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    Discussão que passa pelo aborto

    Diminuir as taxas de gestações não planejadas significa ainda prevenir interrupções clandestinas da gravidez, uma das principais causas de morte de mulheres no país. “O aborto nada mais é que o último dos filtros de proteção para danos. Do ponto de vista da saúde e da ciência, não há razão para transformá-lo em política criminal”, argumenta a antropóloga Débora Diniz.

    Recentemente, ela teve a chance de mostrar à população aquilo que vem pesquisando há décadas ao ser convidada para falar na audiência pública que debateu a descriminalização do aborto por aqui. Segundo a professora, os médicos sabem como informar as mulheres para evitar a prática e reduzir prejuízos, o que torna desnecessária sua criminalização.

    Até porque isso não impede o aborto. “Uma pesquisa de 2016 indica que, no Brasil, são mais de 500 mil casos por ano”, conta a obstetra Melania Amorim, de Campina Grande, na Paraíba. Para a Organização Mundial da Saúde, a possibilidade de um procedimento seguro, aliado à estratégia de planejamento familiar, inclusive reduziria a busca por essa saída.

    Números que preocupam

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