Os desafios de uma doença rara, a fenilcetonúria
Diagnosticada pelo teste do pezinho, a condição impacta bastante pacientes e familiares. E uma pesquisa aponta caminhos para melhorar a vida dessas pessoas
As doenças raras, em especial a fenilcetonúria, protagonizaram a última edição do Fórum SAÚDE, que reuniu em São Paulo, no final de abril de 2019, especialistas em triagem neonatal e desordens metabólicas para discutir desafios e oportunidades no diagnóstico e no tratamento dessas condições.
Na ocasião, foram apresentadas duas pesquisas conduzidas pela revista SAÚDE e a área de Inteligência de Mercado do Grupo Abril, com o apoio da farmacêutica BioMarin e da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo. O primeiro estudo abordou a percepção de 1 000 mães e pais brasileiros sobre o teste do pezinho, ferramenta fundamental para a detecção precoce de doenças raras.
O segundo foi focado na fenilcetonúria, problema de base genética que afeta uma em cada 10 mil crianças nascidas no mundo e impede o consumo rotineiro de alimentos fontes de proteína. Nessa pesquisa, feita com 228 pacientes e cuidadores de todo o país, o objetivo foi entender os principais impactos e dificuldades impostos pela doença no dia a dia. Vamos explicar melhor essa história agora.
Achados preocupantes
A fenilcetonúria é caracterizada pela ausência ou falha de uma enzima que permite aproveitarmos as proteínas da alimentação. Com isso, passa-se a acumular no organismo uma substância, a fenilalanina, que é tóxica ao sistema nervoso e pode causar comprometimentos mentais e cognitivos.
O tratamento se baseia numa dieta restritiva e no uso de fórmulas de aminoácidos para garantir os nutrientes de acordo com a idade e o peso. Uma parcela dos pacientes ainda pode se beneficiar de um medicamento de uso diário que ajuda a modular os níveis da fenilalanina no sangue.
E é aí que aparecem as dificuldades apontadas pelos 228 participantes da pesquisa, que contou com o suporte de duas associações de pacientes, a Safe Brasil e a Mães Metabólicas. Segundo eles, a falta de acesso a alimentos hipoproteicos, a mudança nas fórmulas oferecidas pela rede pública, a restrição alimentar e a indisponibilidade da medicação são os principais entraves no controle da doença hoje.
Ainda mais alarmante é a visão do público a respeito de como o Brasil está preparado para atender quem tem a condição. Para 62% dos entrevistados, o país não está nada apto nesse sentido.
Para a geneticista Paula Vargas, do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, em Porto Alegre, um dos diagnósticos mais preocupantes da pesquisa é o impacto socioeconômico da doença. “Falamos de uma realidade em que 80% dos pacientes dependem do SUS”, ressaltou a médica, que foi uma das debatedoras do Fórum SAÚDE.
“O estudo traz à tona o que a gente escuta no consultório: alimentos hipoproteicos dão variabilidade à dieta, mas o custo é alto”, observou a nutricionista e também debatedora Maria Efigênia de Queiroz Leite, da Apae Salvador. No tocante às fórmulas, a profissional cobra não apenas regularidade no fornecimento, mas padronização — problema frequentemente apontado por pacientes e familiares.
A falta de medicamento é outro aspecto crítico. Simone Arede, da Mães Metabólicas, questionou a recente decisão do governo de recomendar o fornecimento pelo SUS do único fármaco disponível no Brasil, o dicloridrato de sapropterina, só para mulheres gestantes ou em vias de engravidar. Afinal, o remédio poderia beneficiar um grupo maior de pessoas com fenilcetonúria, entrando no rol de estratégias além da dieta para o manejo do quadro — e isso levando em conta que menos da metade dos entrevistados consegue seguir à risca todos os ajustes na alimentação.
Lacunas a serem superadas
Também chama atenção no estudo a falta de assistência neuropsicológica: 70% dos pacientes nunca passaram por testes do tipo e parcela significativa não conta com o suporte de um psicólogo. Na pesquisa, foram expressivos os índices de ansiedade, irritabilidade e dificuldade de organização no dia a dia.
“O maior impacto da doença é no cérebro. O atraso no tratamento e a falta de adesão afetam suas funções”, afirmou o neurologista André Pessoa, professor da Universidade Estadual do Ceará e um dos palestrantes do evento.
Na visão de Beatriz Shayer, debatedora e neuropsicóloga de São Paulo, o apoio psicológico não só é crucial para a avaliação global do paciente, indicando inclusive se o tratamento está funcionando, mas também para minimizar as repercussões da doença na rotina.
Pelas discussões no fórum, é consenso entre experts e associações de pacientes que, por exigir controle pela vida toda e impor mudanças à dinâmica familiar, a fenilcetonúria demanda políticas públicas capazes de aprimorar o acesso ao tratamento e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.