Morte súbita: o que está por trás das fatalidades em jovens atletas?
Tem como prevenir algo tão repentino e inesperado? Cardiologistas defendem que sim

A morte súbita de jovens atletas chama atenção por seu caráter devastador e, ao mesmo tempo, surpreendente. Não é de se esperar que adultos aparentemente saudáveis sejam potenciais vítimas do desfecho fatal.
E as evidências científicas acompanham essa ideia. Estatísticas apontam que eventos desse tipo são raros e ocorrem com uma taxa de 1 a 2 casos por 100 mil pessoas por ano, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
A fatalidade é mais comum entre os homens, com maior incidência em esportes como futebol e basquete. Mas, recentemente, foram noticiados óbitos entre corredores e frequentadores de academias.
Em geral, os casos estão associados a doenças cardiovasculares, que muitas vezes se instalam silenciosamente e podem permanecer sem diagnóstico e tratamento adequados.
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Casos recentes de morte súbita
Episódios recentes de morte súbita entre atletas e adeptos da musculação tomaram o noticiário.
No Rio Grande do Sul, o estudante João Gabriel Hofstatter De Lamare, de 20 anos, faleceu durante Meia Maratona de Porto Alegre, após sofrer um mal súbito seguido de parada cardiorrespiratória.
Outro caso, registrado no Rio de Janeiro, envolve a universitária Dayane de Jesus, de 22 anos, que passou mal e morreu enquanto fazia exercícios em uma academia.
Ao longo do tempo, personalidades do esporte ficaram marcadas pela partida antecipada. A lista inclui os jogadores de futebol Juan Izquierdo, do Clube Nacional do Uruguai, o camaronês Marc-Vivien Foé, o brasileiro Serginho, o húngaro Miklos Feher, e Afonso Rossa, da equipe sub-20 do Águia de Marabá.
“É um paradoxo médico, um dos mais amplos, porque são pessoas muito saudáveis tendo o evento mais catastrófico possível, que é a morte súbita, sem nenhum tipo de alarme ou sinal prévio”, comenta Leandro Costa, cardiologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Em relação à quantidade de casos, as evidências científicas disponíveis não apontam uma alta recente de morte súbita entre esportistas ou na população geral.
“Estudos de alta qualidade metodológica mostram que a incidência em atletas jovens está estável nas últimas décadas, sem tendência de aumento”, reforça Costa, citando dados de uma pesquisa publicada no periódico Lancet. “A literatura recente destaca que a percepção de aumento pode estar relacionada à maior atenção midiática e à melhoria dos sistemas de notificação, mas não a um crescimento real da incidência”, completa.
Quais são as causas da morte súbita?
As causas da morte súbita variam de acordo com a faixa etária e geralmente envolvem diferentes problemas no coração, que até então permaneciam desconhecidos.
Entre os esportistas jovens, destacam-se duas condições de nomes complexos, que vamos explicar melhor a seguir, a miocardiopatia hipertrófica e displasia arritmogênica do ventrículo direito.
Indivíduos com miocardiopatia hipertrófica apresentam um enrijecimento e um aumento, ou seja, a hipertrofia do músculo cardíaco. Cerca de 90% dos casos são silenciosos, sem qualquer manifestação de sintomas. O agravo costuma ter origem genética e afeta aproximadamente 20 milhões de pessoas no mundo, principalmente abaixo de 40 anos.
A displasia arritmogênica do ventrículo direito, por sua vez, é hereditária, envolve danos no tecido muscular de estruturas do coração associadas ao bombeamento do sangue. Em resumo, a encrenca interfere nos batimentos cardíacos, levando às conhecidas arritmias, que podem ser fatais.
Entre os atletas com mais de 35 anos, a doença arterial coronariana é a principal responsável pelo óbito repentino, de acordo com a SBC. O agravo, que se desenvolve ao longo dos anos, é caracterizado pelo acúmulo de placas de gordura nas paredes das artérias. Em algum momento, pode ocorrer o bloqueio dos vasos, levando a consequências graves como dor no peito, infarto e morte.
Além de problemas no coração, equívocos na rotina de treinos e alimentação também podem contribuir para o desfecho mortal. “O uso abusivo de substâncias para melhorar performance é um exemplo. Há também excessos no volume ou intensidade do treino”, resume Costa. Entram na lista, especialmente, os anabolizantes, que triplicam o risco de morte.
No universo do fisiculturismo, o sinal vai de amarelo para vermelho. Um estudo recente, publicado no European Heart Journal, revelou que os praticantes da modalidade esportiva apresentam um risco significativamente maior de sofrer uma morte súbita em comparação com atletas amadores.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores avaliaram dados de mais de 20 mil fisiculturistas masculinos, que marcaram presença em pelo menos um evento oficial da categoria realizado de 2005 a 2020.
Os autores destacam que os achados do estudo devem alertar a comunidade médica e organizações de fisiculturismo sobre a necessidade de melhores medidas preventivas aos participantes.
Dá para prevenir a morte súbita?
A questão é: tem como prevenir algo tão repentino e inesperado como a morte súbita? Cardiologistas defendem que sim.
Após a perda precoce do estudante gaúcho, a Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio Grande do Sul (SOCERGS) emitiu uma nota destacando que a questão deve ser levada a sério por atletas e organizadores.
Segundo a entidade, é preciso investir em três frentes: educação, avaliação médica e plano de ação de emergência.
“O atleta precisa conhecer seus limites, manter hábitos saudáveis e fazer uma avaliação clínica antes de praticar exercícios extenuantes. A organização, por sua vez, deve garantir estrutura e protocolos de emergência, com desfibriladores automáticos disponíveis para uso em até três minutos após uma parada cardíaca”, diz trecho da nota.
O médico Antonio Carlos Avanza, do Departamento de Ergometria, Exercício, Cardiologia Nuclear e Reabilitação Cardiovascular (DERC) da SBC, reforça que o desfibrilador pode ser utilizado por qualquer pessoa treinada.
“É um aparelho que identifica o ritmo cardíaco do paciente e a necessidade de se dar um choque ou não. Em caso de parada cardíaca, o equipamento realiza o choque, e salva muitas vidas”, pontua Avanza.
Embora desafiadoras, as medidas preventivas ganham amparo na realização de exames cada vez mais precisos para a identificação de anomalias cardíacas.
Nesse sentido, o acompanhamento médico se faz essencial. Embora a preocupação com condições cardiovasculares aumente na faixa dos 40 anos, o check up pode ser feito em qualquer idade — especialmente entre esportistas.
O cardiologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz pondera que a avaliação antes dos eventos esportivos ainda é um desafio.
“Um sistema de rastreamento clínico, que inclua anamnese detalhada, exame físico e ECG, é crucial para identificar possíveis cardiopatias. Quando detectadas anomalias, exames complementares e diagnósticos diferenciais são essenciais. A decisão final sobre a elegibilidade de um atleta deve ser feita em conjunto com especialistas, priorizando a segurança”, reforça Costa.
Atletas ou não, a saúde do coração de qualquer pessoa está diretamente associada ao estilo de vida. Para protegê-lo, é necessário ter atenção aos seguintes pontos.
- Alimentação saudável e equilibrada
- Prática de atividade física pelo menos 150 minutos por semana
- Não fumar e evitar o consumo de bebidas alcoólicas
- Controle do peso e manutenção do colesterol em níveis adequados
- Tratamento de doenças crônicas como hipertensão e diabetes
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