Um tratamento com extrato de ácaro encontrado na poeira domiciliar se mostrou eficaz na redução de sinais e sintomas da dermatite atópica, doença inflamatória crônica que provoca coceira e lesões na pele.
Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) estudaram os efeitos da imunoterapia, aplicada em gotas sob a língua dos pacientes durante 18 meses.
Após esse período, a coceira e as lesões na pele diminuíram e, em alguns casos, quase desapareceram, sendo raros os efeitos colaterais – foram registradas apenas reações locais leves e transitórias.
O resultado do trabalho, apoiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foi publicado no Journal of Allergy and Clinical Immunology: in Practice.
A imunoterapia consiste na administração de vacinas produzidas com os próprios agentes causadores de alergia (alérgenos), em doses crescentes, a fim de reduzir a sensibilização e induzir tolerância na pessoa alérgica a substâncias como ácaros, polens e venenos de insetos.
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O ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo – considerado padrão-ouro para avaliar a eficácia de fármacos – foi conduzido entre maio de 2018 e junho de 2020 na Unidade de Pesquisa Clínica do hospital da FMRP-USP.
Um grupo de 66 pacientes recebeu placebo ou imunoterapia sublingual com extrato de ácaro da poeira domiciliar três dias por semana durante 18 meses. Eles foram acompanhados pela médica Sarah Sella Langer, pós-graduanda na FMRP-USP e primeira autora do artigo.
“Já havia estudos mostrando que a imunoterapia para ácaro funciona bem em casos de rinite, conjuntivite e asma alérgica, mas para dermatite atópica os resultados ainda eram conflitantes, principalmente quando o tratamento era feito com injeções subcutâneas. Depois que surgiu a imunoterapia sublingual, que tem menos chance de causar efeitos adversos – entre eles reação sistêmica –, resolvemos pesquisar e vimos os resultados positivos”, afirma a professora Luisa Karla de Paula Arruda, uma das orientadoras da pesquisa.
Ela explica que o fato de o extrato ser em gotas também é uma vantagem porque permite utilizar doses crescentes ao longo do tratamento, evitando uma dosagem fixa, como no caso de comprimidos sublinguais, por exemplo.
Para a pesquisa, nos três primeiros meses de indução, as diluições foram preparadas na proporção de 1:1 milhão volume:volume, progredindo para 1:100 mil v:v; 1:10 mil v:v até chegar a 1:10 v:v, dose mantida por 15 meses. A solução placebo era idêntica ao diluente do extrato e com o mesmo esquema de administração.
O extrato usado no estudo foi desenvolvido com ácaro da poeira domiciliar da espécie Dermatophagoides pteronyssinus, considerada a mais comum.
Produzido por uma empresa da Espanha, com autorização de comercialização no Brasil, é resultado do processamento de uma cultura desses ácaros, que são macerados, diluídos e centrifugados até obter o extrato.
“O controle ambiental para ácaros, que inclui colocação de capas impermeáveis em colchão e travesseiro, além da retirada de almofadas, carpetes e tapetes, e o tratamento tópico, com hidratação e uso de medicamentos específicos, são importantes para pacientes com dermatite atópica, mas às vezes insuficientes para o controle adequado dos sintomas. A imunoterapia dá esse passo a mais e traz a melhora clínica que não tínhamos antes, mesmo adotando as outras medidas. Nossa pesquisa mostrou uma aplicação prática, que pode ser utilizada por alergistas em seus pacientes”, diz a professora.
A dermatite atópica causa inflamação da pele, levando a coceira e lesões cutâneas, que podem se tornar espessas e formar crostas. Afeta principalmente as dobras dos braços e das pernas, podendo estar associada à asma ou rinite alérgica.
Alguns fatores ambientais podem contribuir para o desenvolvimento da doença em pessoas com predisposição genética, como alergia a ácaros, pólen, mofo, animais de estimação e exposição a produtos químicos e de limpeza.
Baixa umidade do ar, frio intenso, calor, transpiração e estresse ajudam a piorar a doença. Infecções da pele por bactérias, como Staphylococcus aureus, e também por vírus e fungos são comuns devido a defeito na barreira cutânea, podendo agravar os sintomas.
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Não há dados precisos sobre a prevalência de dermatite atópica. Estima-se que pode variar de 0,2% a 20% da população. No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que cerca de 30% das pessoas no mundo apresentam algum tipo de alergia, sendo rinite e asma alérgicas entre as mais comuns.
Resultados
Para analisar as respostas ao tratamento, uma das ferramentas usadas pelos pesquisadores foi a Pontuação de Dermatite Atópica (SCORAD, na sigla em inglês).
Consiste em uma avaliação por regiões do corpo e tipo de lesão e inclui também uma análise da coceira e distúrbios do sono, atribuindo uma pontuação de acordo com a gravidade da doença: menor que 25 pontos é considerada dermatite atópica leve, entre 25 e 49 moderada e a partir de 50, grave.
Após os 18 meses, 74,2% dos pacientes que receberam a imunoterapia apresentaram redução maior ou igual a 15 pontos no SCORAD.
Em relação à pontuação inicial, houve diminuição de 55% nos valores do SCORAD em pacientes que receberam a imunoterapia sublingual após 18 meses, indicando diminuição da gravidade da doença, enquanto no grupo que recebeu placebo a queda foi de 34,5%, uma diferença estatisticamente significante e que mostra o benefício do tratamento.
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Ao analisar o chamado O-SCORAD (SCORAD objetivo), que avalia apenas as lesões, o resultado foi semelhante.
Outra ferramenta utilizada foi IGA, que representa a avaliação global do investigador. Esse indicador varia de 0 (pele sem lesão) a 5. Houve um número muito maior de pacientes com o indicador 0 e 1 (pele limpa ou quase limpa) entre os que receberam a imunoterapia (14 de 35 indivíduos apresentaram IGA 0/1) em comparação ao grupo do placebo (em que 5 de 31 pacientes tiveram o mesmo resultado).
Também foi aplicado o questionário de qualidade de vida em dermatologia, mas as diferenças entre os dois grupos não foram significantes.
“O design do estudo foi inovador. Outro ponto de destaque é o fato de termos informações de pacientes brasileiros. Muitas vezes usamos como base pesquisas de outros países, mas, no caso de alergias, os resultados podem variar muito. Acho importante ter estudos no nosso meio, com nossos pacientes, para apontar tratamentos adicionais mais dirigidos”, completa a professora.
*Esse texto foi originalmente publicado pela Agência Fapesp